José Roberto Colnaghi, presidente da empresa brasileira Asperbras, representada por José Veiga no Congo Brazzaville, foi recentemente constituído arguido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) por suspeitas dos crimes de corrupção no comércio internacional e branqueamento de capitais na Operação Rota do Atlântico. Esses crimes agora imputados ao líder da Asperbras derivam da alegada atividade ilícita que José Veiga terá tido enquanto representante daquela empresa ao corromper titulares de cargos políticos do Congo Brazzaville, como o ministro de Estado e das Finanças (Gilbert Ondongo). Além desses dois crimes, o ex-empresário de futebol é ainda suspeito dos crimes de fraude fiscal qualificada e tráfico de influências, juntamente com Paulo Santana Lopes.

Ao que o Observador apurou, José Roberto Colnaghi saiu em liberdade depois de ter sido sujeito a uma medida de coação que obriga ao depósito de 3 milhões de euros.

Fonte oficial da Procuradoria-Geral da República confirmou ao Observador a constituição de arguido de Colnaghi, acrescentou que a caução deve ser prestada “20 dias” e que o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, decretou ainda a proibição de contactos entre o líder da Asperbras e os restantes arguidos.

O Observador contactou João Medeiros, advogado do escritório PLMJ que assegura a defesa da Asperbras, mas o causídico não quis fazer declarações sobre este caso.

A constituição de arguido de Colnaghi vem no seguimento da extradição de José Maurício Caldeira, diretor financeiro da Asperbras, para Portugal. Caldeira tinha sido detido na Argentina ao abrigo de um mandado de captura internacional emitido pelas autoridades portuguesas e também ficou em liberdade depois de ter depositado uma caução de 2 milhões de euros, ficando sujeito “à obrigação de apresentações periódicas e às proibições de contactos e de se ausentar para o estrangeiro”, afirmou em julho ao Observador fonte oficial da Procuradora-Geral da República.

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Os 491 milhões € do Congo…

A explicação para o envolvimento de José Roberto Colnaghi na Operação Rota do Atlântico obriga a regressar à origem de todo este caso. José Veiga e Paulo Santana Lopes são suspeitos de terem alegadamente atribuído vantagens indevidas a responsáveis políticos do Congo Brazzaville para obterem contratos de obras públicas e de construção civil para a empresa Asperbras US Company, LLC — a holding norte-americana da multinacional de origem brasileira.

O principal contrato sob suspeita está relacionado com a construção de um complexo industrial e comercial de Maloukou, localizada nos arredores da capital, Brazzaville. Trata-se de um projeto que ocupa uma área de mais de 654 mil m2 e que faz parte de um plano de industrialização concebido pelo presidente Dennis Sassou Nguesso. Tal projeto, contudo, só foi possível depois de a Sociéte National des Petroles du Congo-Brazzaville (SNPC) ter assinado um contrato de fornecimento de petróleo com uma empresa de capitais russos, a Gunvour (de um milionário ligado a Vladimir Putin, segundo a The Economist) que obrigaria esta última empresa a realizar um pré-financiamento de 500 milhões de dólares (cerca de 450 milhões de euros) de um complexo industrial naquele país africano.

O contrato de fornecimento de petróleo foi precedido de diversas negociações com um conjunto alargado de intermediários locais. Do lado da Gunvour, agiram como intermediários Pascal Collard, Jean Marc Henry e Maxime e Yoann Gandizon. De acordo com a investigação da Operação Rota do Atlântico, José Veiga terá colaborado com estes intermediários devido às suas fortes ligação ao poder político do Congo, nomeadamente ao presidente Dennis Sassou Nguesso e a Gilbert Ondongo, ministro de Estado e das Finanças.

E o que tem a Asperbras e José Roberto Colnaghi a ver com isso? Vários pontos:

  • José Veiga terá alegadamente tido um papel nas negociações do contrato entre a SNPC e a Gunvour em nome dos políticos congoleses mas também em nome dos alegados interesses da Asperbras. O principal indício disso mesmo é o facto de ter recebido comissões dos intermediários e dos brasileiros;
  • Veiga, que era apresentado na imprensa do Congo Brazzaville como diretor-geral da Asperbras Congo, terá tido um papel importante na assinatura em janeiro e abril de 2011 do memorando de entendimento para a construção do complexo industrial de Maloukou entre a Asperbras e SNPC e a Gunvour.
  • O ex-empresário de futebol terá ainda aconselhado José Roberto Colnaghi a assinar contratos de prestação de serviços com empresas de Jean Marc Henry (Armada Trading) e Maxime e de Yoann Gandizon (Petrolia) para garantir o contrato de Maloukou. Estas empresas receberiam uma percentagem de 5% do contrato, caso o mesmo fosse assinado.

Resumindo e concluindo:

  • A Asperbras conseguiu o contrato para a construção de Maloukou, tendo José Roberto Conalghi assinado os memorandos de entendimento com a SNPC e a Gunvour a 22 de janeiro e a 8 de abril de 2011;
  • José Veiga assinou um contrato de prestação de serviços com a Asperbras a 9 de maio de 2011 para a celebração de contratos com o Governo do Congo Brazzaville;
  • Através de uma conta no BES em Lisboa, a Asperbras terá transferido para a Petrolia e a Armada cerca de 17 milhões de dólares (cerca de 16 milhões de euros) entre julho e novembro de 2011;
  • A 28 de novembro de 2013, a Asperbras recebeu na sua conta do BES uma transferência de cerca de 491 milhões de euros proveniente da Direcion General Service Virements do Congo Brazzaville através do Banque des États de L’Affrique Centrale.

A Asperbras tem duas sociedades em Portugal (a CCK Euroafrik e a FCCW – Investimento Imobiliários) que já foram alvo de buscas durante este ano. As duas empresas têm como sócios e gerentes os irmãos José Roberto e Francisco Colnaghi. O representante legal em Portugal da Asperbras é um cidadão brasileiro chamado Gerald Kulaif. Kulaif reside em Angola e tem como advogada Maria Jesus Barbosa — jurista que também foi detida em fevereiro com José Veiga e Paulo Santana Lopes e constituída arguida em regime de co-autoria pelos crimes de corrupção no comércio internacional e branqueamento de capitais.

… E os 6,9 milhões em notas encontrados num cofre em Cascais

Tal como José Maurício Caldeira, José Roberto Colnaghi teve ainda de explicar à procuradora Susana Figueiredo, responsável pela investigação da Operação Rota do Atlântico, o mistério dos 6,9 milhões de euros em dinheiro vivo que foram encontrados numa vivenda em Cascais.

Na casa, habitualmente usada por Gilbert Ondongo, foram encontrados dois cofres com milhares de notas em duas moedas nas buscas realizadas a 3 de fevereiro. Isto é:

  • 3 milhões de euros em notas de euro;
  • 4 milhões e 350 mil dólares (o equivalente, ao câmbio de hoje, a 3,9 milhões de euros).

A dúvida dos investigadores reside em saber de quem era a casa onde foi encontrado o dinheiro — e à qual Veiga e Santana Lopes se referiam como “casa do ministrinho”. Tudo porque durante os primeiros interrogatórios em fevereiro ninguém assumiu a titularidade do dinheiro.

De acordo com os indícios recolhidos pela investigação, o Lote 22 terá sido adquirido pela sociedade Westside Worldwide, SA por um valor de cerca de 4,5 milhões de euros. A empresa, por seu lado, tem como administradora a advogada Maria Barbosa, mas o DCIAP entendeu, no momento do interrogatório de Veiga, que Maria Barbosa era uma mera testa-de-ferro de José Veiga, imputando a titularidade da empresa ao ex-empresário de futebol. Um dos indícios nesse sentido dizia respeito ao pagamento de 100 mil euros em numerário que Maria Barbosa terá alegadamente recebido para tratar da compra da casa.

José Veiga, por seu lado, sempre negou essa imputação. E foi mais longe durante o seu interrogatório: a casa será da Asperbras, que, sendo, proprietária da moradia, a faculta, para uso pleno, ao ministro Gilbert Ondongo.

As ligações da Asperbras ao PT e a Dilma Rousseff

Nascida nos anos 60 no interior do Estado de São Paulo (na cidade de Penápolis) como uma empresa do setor agrícola, a Asperbras transformou-se numa multinacional com uma forte componente industrial, nomeadamente no setor de PVC, e tem sido notícia no Brasil pela sua proximidade com o Partido dos Trabalhadores (PT) e aos ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rouseff.

José Roberto Colnaghi, por exemplo, foi investigado durante o inquérito do mensalão por alegadamente ter realizado pagamentos ao publicitário Duda Mendonça durante a campanha presidencial de Lula em 2002. Também durante essa campanha, António Palocci, então chefe da máquina eleitoral do PT e futuro ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, terá transportado num avião da Asperbras caixas de whisky de Brasília para São Paulo contendo alegadamente dólares de Cuba para financiar a campanha de Lula da Silva.

Em 2013, o governo de Dilma Rousseff decidiu perdoar grande parte da dívida de 12 países africanos. O maior beneficiário foi o Congo Brazzaville, que tinha uma dívida de 352 milhões de dólares (cerca de 331 milhões de euros). A imprensa brasileira, nomeadamente o jornal “O Globo”, refere que a Asperbras beneficiou com essa decisão, com Palocci a ter um papel importante na decisão tomada.

Mais tarde, já em 2015, a Asperbras foi notícia em diversos jornais brasileiros por ter transferido 2 milhões de reais (cerca de 561 mil euros) a partir dos Estados Unidos e da Alemanha para a agência de comunicação Pepper que trabalhou na campanha presidencial de Dilma Rousseff. O contrato entre a Asperbras e a Pepper foi assinado no Congo.

A empresa de José Roberto Colnaghi foi ainda investigada na chamada Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos devido a diversas operações em Angola que foram financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social — o banco público federal de fomento.

Acrescentadas declarações de fonte oficial da Procuradoria-Geral da República a confirmar a constituição de arguido de José Roberto Colnaghi.