O Governo, através da secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros, contratou a LPM Comunicação, empresa do filho do principal consultor de comunicação de António Costa na campanha das últimas legislativas, Luís Paixão Martins. O contrato para “assessoria de comunicação” no valor de 64 mil euros (78,72 mil euros com IVA) terá a duração de oito meses e tem como objeto assegurar a comunicação de todo o processo de elaboração de um relatório que Portugal terá de apresentar nas Nações Unidas no verão de 2023. Houve queixas — por parte de empresas que não foram escolhidas — relativamente ao curto prazo dado pela PCM.

Questionada pelo Observador sobre se tinha sido ponderada a existência de uma incompatibilidade por a empresa escolhida ser do filho do principal consultor de comunicação do primeiro-ministro durante a última campanha das legislativas, a PCM não respondeu diretamente. Limitou-se a explicar que foi aberto um procedimento de consulta prévia que “envolveu 9 entidades, das quais 4 apresentaram propostas, tendo duas sido excluídas por incumprimento de requisitos.”

As quatro entidades que apresentaram propostas, verificou o Observador na publicitação pública, foram a MC- Media Consulting, a Creative Minds, a LPM Comunicação, SA  e a Llorente & Cuenca, Lda. Membros envolvidos nas empresas que não foram selecionadas queixaram-se ao Observador que apenas tenham sido dados cinco dias para apresentar uma proposta que tinha “algum grau de complexidade”. Essas mesmas fontes admitem, porém, que a proposta da LPM, a escolhida, “tinha qualidade” e estava “bastante detalhada”.

Apesar de o preço ficar pouco abaixo do limite (64.000 euros, quando o teto era 75.000), a PCM garante que o “critério de adjudicação foi o da proposta economicamente mais vantajosa” nos termos do caderno de encargos. As regras deste contrato eram claras: 50% para o preço, 50% para a experiência da equipa.

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A PCM, liderada pela ministra Mariana Vieira da Silva, tem várias atribuições, entre elas a contratação de vários serviços para o gabinete do primeiro-ministro. Mas, neste caso, a adjudicação é para uma área da responsabilidade da própria PCM: coordenar a elaboração do Relatório Voluntário Nacional 2023.

Mas, afinal, que relatório é este? Trata-se de um documento que 40 países vão apresentar, de forma voluntária, nas Nações Unidas e corresponde ao diagnóstico de como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estão a ser implementados no respetivo país.

A tarefa é ambiciosa e, por isso, foram criadas equipas para responder às necessidades que envolvem apresentar este relatório em Nova Iorque, na sede das Nações Unidas, no próximo mês de julho. Para todo o processo é preciso quem trate da “dimensão de comunicação” e foi aí que entrou a necessidade desta contratação.

Encargos: mupis, traduções e até tentar envolver Marcelo

O caderno de encargos exigia a elaboração de planos de comunicação e outras tarefas devidamente especificadas como “apoio no mapeamento de major groups and other stakeholders” ou o “planeamento, organização e promoção de 7 encontros regionais (5 no continente e 2 nas ilhas / com visita temática incluída) e um evento com os major groups, assim como na recolha de informação/dados e imagem (fotografia e vídeo) durante o decorrer dos mesmos”.

Calendário que consta do cronograma de preparação do Relatório Nacional Voluntário Portugal 2023, que será apresentado nas Nações Unidas

A empresa tem ainda de produzir “materiais de comunicação / templates [designadamente, sítio na web], redes sociais, mupis, publicidade institucional (media nacional, regional e local – tv/rádio/jornais) e templates como ofícios, apresentações, relatórios, memorandos, atas, assinatura digital, imagem, relatórios e dashboards, entre outros suportes”.

Há ainda exigências como a “tradução do relatório  de português para inglês” ou, mais curioso, o “apoio no desenho de uma estratégia de envolvimento de líderes de alto nível, como sendo, o Presidente da República, e outras ‘figuras públicas’ no contexto nacional”.

LPM: a empresa que o fundador vendeu ao filho

A LPM, uma das maiores empresas de comunicação, foi fundada por Luís Paixão Martins, nome cujas siglas formam o nome da empresa. Mas, em 2015, o principal consultor de comunicação de António Costa na campanha das últimas legislativas (uma pausa na sua reforma tranquila) vendeu a empresa ao filho. Segundo disse à revista Visão em 2022: “Eu vendi a LPM ao meu filho, que tratei como se fosse outro comprador qualquer. Portanto, nunca mais lá voltei e comprometi-me a não voltar a falar sobre a LPM.” O administrador da LPM é agora João Paixão Martins.

Já em janeiro deste ano, numa entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, Luís Paixão Martins confessava estar afastado dessas lides e nem queria comentar as falhas de comunicação do Governo. “Não tenho capacidade para estar na comunicação do Governo. Não tenho competência nem estilo para uma tarefa dessas, portanto também não consigo comentar”, afirmou.

A LPM é uma das maiores empresas de comunicação do país, logo é natural que também seja um dos players na contratação pública. Desde 2008, a empresa teve contratos públicos num valor total de 5,2 milhões de euros (536.637 euros em 2022). No entanto, desde outubro de 2015 (ano da saída de Luís Paixão Martins) que a empresa não assinava um contrato diretamente com o Governo (secretaria-geral de um ministério), tendo municípios, empresas municipais e institutos como clientes públicos preferenciais.

Após receber as respostas do Governo, o Observador tentou, sem êxito, contactar João Paixão Martins.