O Governo, através de um decreto-lei que está a ser apelidado pela oposição como tendo sido feito à medida de Hélder Rosalino, alterou as regras de remuneração da nova Secretaria-geral, abrindo a porta a que o gestor, que afinal já não irá assumir funções, viesse a ganhar cerca de 15 mil euros brutos por mês. Mas uma lei de 1988, ainda em vigor, estabelece um limite para os salários de cargos públicos que o polémico decreto-lei não refere nem afasta.
Quando, em julho, foram publicadas as regras de remuneração dos dirigentes da nova Secretaria-geral do Governo, ficou estabelecido que o secretário-geral iria ganhar o equivalente à posição 80 da tabela remuneratória única aplicada aos funcionários públicos — que, em 2024, era de 4.884,45 euros — mais 25% em despesas de representação, num total a rondar os 6.100 euros. É mais do que ganha, atualmente, um secretário-geral das secretarias dos ministérios (4.009,89 euros). Mas numa decisão não anunciada, a 26 de dezembro, o Governo usou o decreto-lei que extingue a Secretaria-geral do Ministério da Economia para alterar o salário do novo secretário-geral.
Passa, então, a permitir que os dirigentes da nova Secretaria-geral que já tenham um vínculo com o Estado possam optar pelo estatuto remuneratório de origem, se tal for autorizado, sem o limite do “vencimento base do primeiro-ministro” (que é 75% do salário do Presidente da República, ou seja, cerca de seis mil euros). No caso de Hélder Rosalino significava que manteria, assim, o salário de pouco menos de 15 mil euros que era o que ganhava no Banco de Portugal.
O limite do “vencimento base do primeiro-ministro” está previsto no estatuto do pessoal dirigente, de 2005, e foi incluído já depois da polémica nomeação de Paulo Macedo, em 2004, para Diretor-Geral dos Impostos, com um salário de 23 mil euros (o mesmo que auferia no BCP).
O novo (e polémico) decreto-lei do Governo afasta este limite instituído em 2005. Mas há um outro limite, previsto numa lei de 1988 ainda em vigor, que não é afastado pelo novo decreto-lei e que se aplica a todos os “cargos e funções públicas”. “Pelo exercício, ainda que em regime de acumulação, de quaisquer cargos e funções públicas, com exceção do Presidente da Assembleia da República, não podem, a qualquer título, ser percebidas remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República”, lê-se. Este limite, que se traduz em cerca de nove mil euros, é superior ao previsto no estatuto do pessoal dirigente, na medida em que abrange no cálculo dos 75%, em conjunto, o vencimento e o abono de despesas de representação.
Na interpretação de Rui Lanceiro, professor auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em direito público, este limite ainda está em vigor e deveria aplicar-se ao salário do secretário-geral do Governo. “Parece que mesmo excecionando, através de expressa autorização, permitindo-se ultrapassar o salário do primeiro-ministro, continuaria a existir o limite máximo estabelecido na lei de 1988 porque é um limite superior”, sintetiza. “O limite estabelecido na lei de 1988 não foi derrogado e mantém-se em vigor”, avalia.
O Observador questionou o Ministério da Presidência sobre como se posiciona em relação a esta lei, mas não obteve resposta.
O PS e o Chega anunciaram que iriam pedir a apreciação parlamentar do diploma que determina os vencimentos da Secretaria-geral do Governo. Apesar de Hélder Rosalino ter comunicado ao Executivo que não estará disponível para o cargo, o diploma criticado pela oposição mantém-se em vigor e permite que seja ultrapassado o salário do primeiro-ministro para o futuro secretário-geral que o Governo diz que será designado “proximamente”.
Hélder Rosalino desiste de ser secretário-geral do Governo. Montenegro culpa Centeno
O cargo de secretário-geral é uma nova função criada no âmbito da reforma da administração pública que ficou estabelecida no âmbito das metas e objetivos que Portugal tem de cumprir para receber o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Começou a ser desenhada pelo anterior governo, mas foi este que a pôs em prática, tendo feito algumas alterações. Entre elas, o facto de o secretário-geral não ter de ser submetido a concurso. Na proposta do anterior Executivo esta referência não era feita, remetendo-se para o estatuto do pessoal dirigente (que é escolhido por concurso).
Secretário-geral do Governo: que cargo é este que volta a ficar vago?
A nova Secretaria-geral resulta da fusão de oito secretarias-gerais — Finanças, Presidência do Conselho de Ministros, Justiça, Educação, Saúde, Economia, Trabalho/Solidariedade/Segurança Social, e Ambiente, assim como o Centro de Gestão da Rede Informática, o CEGER.
A nova estrutura ficará responsável pelo apoio técnico, logístico e administrativo do conselho de ministros e do primeiro-ministro; ficará encarregue da proteção de dados do governo; de gerir a rede informática, o parque automóvel e as compras públicas. E vai também centralizar os estudos, planeamento e avaliação de políticas públicas. No fundo, há uma lógica de poupança de recursos. Em julho quando apresentou estas alterações, o Governo indicou que os dirigentes de 16 entidades vão cessar funções até janeiro de 2026, estimando que, em termos líquidos, haja uma redução de 80 cargos dirigentes.