A quarta fase de desconfinamento está pronta para avançar e vai ser, como está planeado pelo Governo, a partir do dia 3 de maio. A análise exposta esta terça-feira pelos especialistas, na reunião no Infarmed que fez o ponto de situação à Covid-19 no país, deixou os decisores políticos confortáveis para darem o passo que se segue. Mas as reuniões com peritos não vão deixar de existir quinzenalmente, segundo apurou o Observador junto do Governo, mesmo com o fim do estado de emergência, e o país em situação de calamidade, como o Governo está preparado para decretar — tal como o Observador avançou a meio de abril.
A 11 de março, quando o primeiro-ministro apresentou o plano de desconfinamento para os meses seguinte previa que a quarta e última fase acontecesse na próxima segunda-feira e é isso mesmo que o Governo se preparar para fazer, soube o Observador por fonte do Executivo. Assim, a partir de 3 de maio, os restaurante, cafés e pastelarias deixam de ter limites de horários e passam a poder ter grupos de seis pessoas à mesma mesa, no interior, e 10, em esplanada, por exemplo.
Ficam também desconfinadas todas as atividades desportivas, já que na última fase tinham apenas sido libertadas aquelas que se incluam na lista de modalidades de médio risco. Depois destas, faltava ainda que pudesse voltar a ser praticadas modalidades de alto risco, ou seja, as artes marciais chinesas, a dança desportiva, ginástica acrobática, judo, ju-jitsu, karaté, kickboxing e muayatahi, lutas amadores, patinagem artística de pares, polo aquático e râguebi.
Passa também a ser possível praticar atividade física ao ar livre, sem limites para grupos acima de seis pessoas (como existe atualmente) e nos ginásios (onde ainda não era possível fazer aulas de grupo). Além disso, vão ainda ser desconfinados os grandes eventos exteriores, sem exigências sobre a redução da lotação que ainda existe e que, a partir de segunda, só vai manter-se para os eventos interiores.
A propósito, nos próximos dois dias, em Braga, vão decorrer os primeiros espetáculos culturais de testes em contexto de pandemia em Portugal. Para assistir aos espetáculos que vão acontecer no Altice Forum Braga, o público será sujeito a testes rápidos antigénio, feitos pela Cruz Vermelha nos dias dos eventos. De acordo com um comunicado da Câmara de Braga, “a apresentação do resultado negativo obrigatória no acesso ao recinto dos espetáculos”.
Uma coisa é também já certa, esta libertação de grandes eventos não significa que voltará a haver público nos estádios de futebol nesta época. A meio de abril o primeiro-ministro veio esclarecer, que “é evidente que antes da próxima época seguramente não haverá adeptos nos estádios. É uma questão que está resolvida e clara”, afirmou então António Costa. Os estádios de futebol não recebem adeptos desde o início da pandemia, em março de 2020.
Outra das medidas que entrará também em vigor no início da próxima semana é o aumento da lotação para os grandes eventos, como casamentos e batizados, que vão poder passar a ocupar 50% dos recintos onde se realizem, em vez dos atuais 25%.
Chave estará outra vez na calamidade
As medidas sobre a próxima fase de desconfinamento serão fechadas na próxima quinta-feira, na reunião do Conselho de Ministros que se segue à reunião de especialistas desta terça-feira, com o Governo a considerar que deve manter-se algum grau de cobertura legal para poder agir ao nível dos concelhos de maior risco, que podem ter de ficar numa das fases de desconfinamento anterior.
É por isso que o Executivo está a preparar-se para recorrer, de novo, à lei de bases da Proteção Civil para decretar a situação de calamidade, tal como fez há um ano quando o país saiu da primeira leva de estados de emergência. Nessa altura, o Conselho de Ministros justificou a passagem para este estado com “a avaliação efetuada pelas autoridades de saúde” que determinara “ser fundamental continuar a conter a transmissão do vírus para controlar a situação epidemiológica em Portugal”.
Na reunião desta terça-feira, os especialistas tiveram avisos nesse mesmo sentido, apesar de apontarem “uma situação epidemiológica controlada”. Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, recomendou: “Até atingirmos uma cobertura vacinal mais elevada, é importante manter o controlo da epidemia“. Isto é, manter a testagem, o rastreamento de contactos, o isolamento de casos, a manutenção de medidas preventivas e a redução do número de contactos para lá da “bolha familiar”.
Também a ministra da Saúde disse, à saída da reunião, que “é preciso compensar o aumento dos contactos [que decorre do aumento a mobilidade das pessoas] e da transmissibilidade com as regras básicas: medidas preventivas individuais (máscaras, higiene e distanciamento), testagem, rastreio de contactos e isolamento”. Aliás, Marta Temido, apesar de aparecer mais otimista, ainda manifestou preocupações com o aumento de contágios na faixa etária dos 10 aos 19 anos, bem como a tendência crescente da incidência do vírus na região Norte, o que fez a ministra sublinhar a necessidade de continuar a controlar contactos.
Depois de ter tido o país praticamente meio ano em emergência de forma contínua, António Costa pretende agora desgraduar a situação passo a passo, ao que apurou o Observador junto do Governo. Os níveis de risco da lei de bases da Proteção Civil permitem que continuem a ser aplicadas restrições, ainda que não seja possível suspender direitos, liberdade e garantias consagrados na Constituição, apenas restringi-los e de forma fundamentada. Na verdade, são degraus de escadarias muito diferentes, já que o estado de emergência é um estado de exceção constitucional e os níveis da proteção civil respondem a situações concretas que se verificam num determinado momento.
No caso da situação de calamidade, o decreto depende da decisão do Governo, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, o que não acontece com as situações de contingência (“cabe à entidade responsável pela área da proteção civil no seu âmbito territorial de competência”, segundo a lei de bases) ou de alerta (que cabe aos presidentes de câmara, quando é no âmbito municipal, e ao responsável da proteção civil quando for para aplicar a várias localidades). Em qualquer dos casos, já não tem de haver intervenção direta do Presidente da República neste processo, como acontece em cada um dos decretos e sucessivas renovações do estado de emergência.
A solução não será pacífica entre os especialistas, que há um ano já apontaram alguns dos problemas da calamidade, nomeadamente para controlar fronteiras, limitar a lotação de pessoas em espaços comerciais ou para impor confinamentos específicos a uma parte da população. Na altura, em declarações ao Observador, o constitucionalista Jorge Miranda explicava que “a situação de calamidade pode justificar determinadas medidas de resposta por parte do Governo em relação a certas situações, e que podem até passar por limitações à circulação de pessoas, mas não ao ponto de haver limitação das liberdades como acontece com o estado de emergência”.
Há um ano, com o fim do estado de emergência, teve de acabar o dever geral de recolhimento, com o Governo a substituí-lo por uma espécie de versão light que pretendia manter o espírito dessa reserva, o dever cívico de recolhimento que foi também contestado pelos juristas por não estar consagrado em lado nenhum. Não é ainda certo se este dever será novamente referido pelo Executivo desta vez.