A próxima segunda-feira, 20 de julho, é vista como o verdadeiro Dia do Julgamento para a Grécia, tendo em conta que Atenas tem de pagar cerca de 3.500 milhões de euros ao BCE. Em contraste com a maior flexibilidade associada às falhas de pagamento ao FMI, não pagar ao BCE significaria um default imediato – porque se trata de obrigações comuns (transacionáveis) que o BCE comprou no mercado, a outros investidores, em 2010/2011. Perante esse default, os bancos gregos enfrentariam um risco sério de verem fechada a torneira da liquidez do BCE. Mas, segundo o prospeto das obrigações em causa, a que o Observador teve acesso, a Grécia goza de um período de graça de sete dias para regularizar a situação, pelo que o default poderá não ser declarado de imediato.
Segundo o prospeto destas obrigações, que lhe disponibilizamos neste link, como documento anexo, se a República Helénica não proceder ao pagamento do capital (e dos juros) no dia da maturidade, só passados sete dias é que o detentor da obrigação pode notificar, por escrito, o emitente (a Grécia) a exigir o pagamento da dívida em questão.
Se o Estado helénico tivesse, por hipótese, falhado com o pagamento do juro anual em julho de 2013 ou julho de 2014 o investidor teria o direito legal de exigir o reembolso total da obrigação (juros e capital) nesse momento (aí, o prazo seria de 30 dias). Neste caso, tratando-se do último dia de vida da obrigação, em que todo o capital tem de ser reembolsado, o prospeto estipula que só após sete dias o investidor poderá tomar medidas no sentido de exigir o seu dinheiro.
Período de carência pode significar que BCE não declara default?
A importância deste período de carência, explicam analistas ouvidos pelo Observador, prende-se com a possibilidade de o governo grego (ou outro interveniente) pressionar o Banco Central Europeu (BCE) a não declarar um default desta dívida logo no dia 20. Isto, claro, caso não exista, até lá, um acordo para o financiamento de transição que permita à Grécia pagar ao BCE no dia certo.
O Observador tentou, sem sucesso, obter junto do BCE e do organismo que gere a dívida pública grega (PDMA) esclarecimentos adicionais e uma confirmação de que este período de graça continua intacto.
Recorde-se que a Grécia recorreu, em junho, a um expediente utilizado apenas pela Zâmbia nos anos 1980 (quando as transferências de dinheiro não eram tão fáceis como hoje) para aglutinar os vários pagamentos de junho e pagá-los no último dia desse mês. O pagamento acabaria por não ser feito, de qualquer forma, mas na altura esta possibilidade legal foi explorada pela Grécia como uma forma de comprar mais algum tempo.
Desta feita, com o prazo apertado que foi dado à Grécia para aprovar legislação e com a dificuldade dos ministros do Eurogrupo em encontrar uma solução para esse financiamento de transição, este período de carência poderá significar que a Grécia poderá ter mais alguns dias antes de o BCE ter, inevitavelmente, de declarar default. A partir desse momento, o banco central deixaria, também, de poder considerar os bancos gregos solventes e passaria a estar impedido de lhes entregar liquidez, mesmo ao abrigo da plataforma de emergência (ELA) a que estes têm estado limitados.
Estado falido. Bancos falidos
“As garantias que os bancos gregos usam para obter liquidez na ELA dependem, em grande medida, das garantias do Estado. E uma grande parte do capital dos bancos gregos é ativos por impostos deferidos”, explica ao Observador Athanasios Vamvakidis, analista do Bank of America Merrill Lynch. Assim, “será muito difícil argumentar que os bancos gregos continuam a ser solventes e que as garantias continuam a ser válidas se a Grécia vier a falhar este pagamento ao BCE, mesmo tendo em conta este período de carência”, acredita o analista.
Contudo, nos últimos dias, surgiram rumores de que o BCE poderia vir a ser pressionado a adiar a data de reembolso destas obrigações. É aqui que este período de graça estabelecido no prospeto poderá servir de pretexto legal a que o BCE se escuse a tomar a decisão drástica de considerar os bancos gregos falidos.
“Considerar os bancos insolventes não será algo automático, o BCE terá sempre de tomar uma decisão. Mas temos de ter em conta que o BCE tem vindo a reavaliar, todos os dias, se ainda é ou não adequado permitir o acesso dos bancos gregos à ELA”, acrescenta Athanasios Vamvakidis. De qualquer forma, não será boa ideia pressionar o BCE a recorrer a este período de carência ou a outra questão para tomar uma decisão que não a que considera mais apropriada. “O BCE é um órgão independente. Cabe a eles decidir. Ceder a pressões poderá criar um mau precedente”, diz o analista do BofA Merrill Lynch.
Programa controverso coloca BCE numa posição difícil
A razão por que o BCE está na posse destes títulos remonta a 2010, quando Jean-Claude Trichet lançou o controverso Securities Market Programme (SMP). O antigo presidente do BCE e alguns dos seus conselheiros acharam que se o BCE interviesse no mercado de forma esporádica (ainda que limitada), isso seria suficiente para travar a subida dos juros da dívida dos países da periferia e para dissuadir os investidores que apostassem nessa subida dos juros.
O BCE gastou vários milhares de milhões de euros em compras de dívida grega no mercado, a outros investidores. Comprou, também, dívida de Portugal, Itália, Irlanda e Espanha. Este programa terá contribuído para a demissão do economista-chefe do BCE de então, Jürgen Stark, e foi também muito criticado pelo então governador do banco central alemão, Axel Weber. E, revelando-se ineficaz precisamente por ser limitado, foi extinto por Mario Draghi. O italiano viria, em julho de 2012, a anunciar a criação de um novo programa, esse sim ilimitado, quando prometeu “fazer tudo o que for necessário, dentro do mandato, para salvar o euro”.
Não tendo sido capaz de aliviar a pressão sobre a Grécia nos mercados, este programa acabou por colocar o BCE numa posição difícil em 2012, quando a Grécia avançou para a troca voluntária de dívida que representou a reestruturação de dívida feita nesse ano. Quase todos os investidores que tinham dívida grega aceitaram trocá-la por títulos com juros mais baixos e maturidade mais longa (e, portanto, menos valor), mas o BCE, impedido de financiar países, não participou. O programa contribuiu, assim, para limitar o benefício para a Grécia da reestruturação de 2012, já que um conjunto significativo de títulos não pode ser alvo da troca e continuaram a ter de ser pagos juros anuais, como normal.
Agora, o BCE vê-se numa situação em que, além de ter de olhar para a solvência do Estado grego de uma perspetiva de banco central, é também o detentor dos títulos que arriscam ditar a insolvência dos bancos e do Estado gregos.