Não há muita coisa que se saiba sobre ele. Sabe-se o nome completo, Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto. Sabe-se que é português e terá entre 65 e 66 anos. Sabe-se que tem passaporte angolano e dupla nacionalidade. Sabe-se que tinha uma empresa sediada em Luanda, a Sonadi, mas teria também outras sociedades. Sabe-se também que existe um mandado de captura internacional emitido por Espanha para que seja detido por suspeitas de subornos por contratos públicos de empresas espanholas em Angola. Será um dos “facilitadores portugueses”, como já lhe chamou o jornalista Rafael Marques, da teia de corrupção angolana agora revelada pelos Luanda Leaks.
É mais o que se suspeita do que aquilo que se tem como facto provado — até porque encontrar-lhe o paradeiro tem sido missão mais do que espinhosa. As suspeitas já são antigas, mas voltaram a lume na sequência dos documentos revelados pela investigação do consórcio internacional de jornalistas ICIJ, da qual o semanário português Expresso faz parte. A investigação traça uma espécie de mapa das origens da fortuna da empresária Isabel dos Santos, filha do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos, mas não só: traz também detalhes sobre várias outras operações que poderão ter lesado o Estado angolano em centenas de milhões de euros.
Os documentos do Luanda Leaks revelam também pormenores sobre negócios entre empresas estrangeiras e o Estado angolano que se suspeita terem sido contabilisticamente inflacionados para poder distribuir subornos e comissões ilegais a “funcionários públicos” de Angola. E é aqui, nomeadamente no que se refere aos negócios feitos entre empresas espanholas e o Estado angolano, que entra o nome do português Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto, que apesar do paradeiro incógnito em 2016 “chegou a participar num evento oficial a bordo de uma fragata da Marinha Portuguesa no porto de Luanda”, como avançou à época o Jornal de Notícias.
Empresário procurado pela Interpol convidado por embaixada portuguesa para receção da Marinha
2016, El Mundo: “O Governo de Angola parece proteger o seu súbdito”
O nome do empresário nacional começou a aparecer em 2016, quando o El Mundo revelava que à época “há dois anos” que a Interpol e o tribunal espanhol Audiência Nacional lhe procuravam o paradeiro. O motivo pelo qual era procurado pela justiça? “Foi o homem chave na complexa trama internacional de subornos e branqueamento que desfalcou em 100 milhões de euros os cofres de Angola”.
Na altura, em 2016, o El Mundo conseguiu encontrar o português (com passaporte angolano) em Luanda, tendo-o inclusivamente fotografado na capital de Angola, onde estava “protegido das investigações em curso”, segundo o jornal espanhol. O El Mundo ia mais longe e escrevia que “o Governo de Angola parece proteger o seu súbdito”, que por sua vez vivia “uma vida quase oculta em Luanda”. Tão oculta que o jornal demorou três meses para o encontrar em Luanda.
Um dos negócios que fez soar os alarmes das autoridades espanholas, em que esteve envolvido o empresário português, foi uma venda de armas feita pela empresa pública responsável por todo o comércios de armas em Espanha, a Defex, à polícia angolana. De acordo com o El Mundo, que então teve acesso a documentos judiciais, Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto seria uma espécie de “agente local” em Luanda, embora vivesse em Lisboa, quando esta realizou um negócio “ruinoso” em Angola para os cofres públicos espanhóis.
Segundo as fontes do El Mundo, o português era “o homem para tudo” das empresas espanholas que tinham negócios em Angola e os seus contactos com “gente do Governo” angolano eram “bem conhecidos”, assim como a boa relação que tinha com o Ministério do Interior espanhol.
Espanha devia ter vendido armas à polícia de Luanda por 153 milhões, “mas aproximadamente 60 milhões desapareceram e só chegou ao destino metade da mercadoria”. Parte do dinheiro desviado poderá ter sido utilizado para a compra de um Porsche Panamera, ações de uma empresa de segurança e uma inscrição num Safari, chegou a avançar o portal espanhol Zoomnews.
O papel do português terá sido o de “facilitador” para “contactar com as pessoas adequadas” em Angola e conseguir a adjudicação do contrato, mas teria também tido um papel essencial na distribuição dos alegados subornos milionários, que foram investigados pela justiça espanhola que o constituiu arguido.
Comerciante de armas português procurado pela Interpol vive em Luanda tranquilamente
Subornos que serão comuns em Angola, e que o El Confidencial, outro dos parceiros do consórcio que divulgou este domingo os Luanda Leaks, diz que chegaram ao próprio irmão de José Eduardo dos Santos no artigo publicado esta terça-feira. Um artigo sobre as relações das empresas espanholas com Angola, onde o nome do português também vem referido.
Em 2014, o empresário português terá chegado a ser interrogado no Luxemburgo, segundo a imprensa espanhola, mas quando os indícios da investigação se tornaram mais fortes, Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto terá desaparecido. A polícia portuguesa, segundo o El Mundo, chegou a procurá-lo na casa que tinha em Linda-a-Velha, mas a vivenda estaria vazia. Foi emitido um mandado de captura internacional na altura, e o comerciante de armas passou a ser procurado — em vão — pela Interpol.
“O homem para tudo” para as empresas espanholas que quisessem fazer contratos com Angola
O negócio das armas da Defex — que originou 27 acusações da justiça espanhola em 2017, numa decisão que “não se dirigia” a Guilherme Pinto por estar “fugido à ação da justiça” e estar num país que não extradita cidadãos que têm passaporte angolano — não seria, contudo, o único em que o luso-angolano terá estado envolvido entre os que motivaram suspeitas das autoridades espanholas. Até porque Guilherme Pinto, como chegou a avançar o El Mundo citando fontes “que o conhecem”, era “o homem para tudo” para as empresas espanholas que quisessem fazer contratos com empresas de Angola. A sua presença “era habitual nos cenários e instituições do setor [empresarial] em Portugal e Espanha”.
O jornal espanhol El Mundo não foi o único a detalhar as suspeitas que a justiça espanhola tinha quanto às ações do empresário luso-português. O diário do mesmo país Vozpópuli, em maio do ano passado, publicava mais informações quanto às movimentações de Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto em Luanda. Para as autoridades espanholas, os indícios apontavam para que a atividade criminal de Taveira Pinto fosse “sistémica”. O empresário chegou a ser sócio de Beatriz García Paesa, sobrinha do empresário Francisco Paesa, também ele conhecido por negócios fraudulentos em Angola.
Segundo este jornal, que teve acesso a documentos judiciais, o português com passaporte angolano era suspeito de se mover em Luanda desde os anos 90 e de conseguir contratos públicos em Angola para empresas públicas espanholas, “mediante o pagamento de comissões ilícitas a terceiros”. Pelos negócios, recebia uma “comissão de sucesso”. Parte dessas comissões (uma percentagem de 1,75%), acreditam as autoridades espanholas, ficava para si e para as suas empresas — uma grande fatia ia para altos funcionários angolanos, em especial da Polícia Nacional angolana.
É aí que, do lado espanhol, aparece o nome de Beatriz García Paesa, sobrinha de Francisco Paesa, empresário que, no passado, já esteve relacionado com negócios fraudulentos de armas também com Angola.
Na documentação judicial encontrada, citada pelo Vozpópuli, estaria ainda uma comunicação ao Banco Atlântico (com sede em Portugal) emitida em 2011 relacionada com uma transferência, que teria servido para “a aquisição de uma vivenda em Portugal por um valor de 250 mil euros” e que terá ficado em nome das filhas do português.
A “Unidade de Segurança Presidencial” de Angola na visita do Papa e o mercado que nunca foi feito
Avançamos para 2019. Em novembro, isto é, há cerca de dois meses, o jornal El Confidencial dava mais uma notícia relacionada com o empresário português com passaporte angolano. Segundo este meio, a Audiencia Nacional — autoridade judicial espanhola — tinha emitido nova ordem internacional de busca e captura contra o português em mais um processo. Descrevia-o como “o homem que recorreu à Mercasa [outra empresa pública espanhola, relacionada com agricultura e pescas] para supostos subornos em troca de contratos públicos em Angola”.
Num outro documento judicial assinado pelo magistrado José de la Mata, em que este pedia a detenção de Guilherme Augusto de Oliveira Taveira Pinto, eram referidos mais negócios em que o luso-angolano era suspeito de funcionar como facilitador. Um deles, o fornecimento de material policial à Unidade de Segurança Presidencial angolano para preparar a visita do Papa em 2009, num contrato avaliado em perto de dois milhões de euros. Na altura, o presidente de Angola era José Eduardo dos Santos.
Ainda segundo o El Confidencial, em 2019 Oliveira “continuava fugido”. A informação vinha aliás incluída no mandado de procura e captura emitido pelas autoridades espanholas, que avaliava ainda em “mais de 20 milhões de euros” o valor que Oliveira, seus afiliados e as suas empresas Sonadi, Soter e Metab teriam recebido pela anunciada construção de um mercado grossista em Luanda, acordada entre as autoridades angolanas e a espanhola Mercasa. Estes milhões terão sido distribuídos por altos cargos de Angola. A construção do referido mercado chegou a ser anunciada em 2013, mas três anos anos antes os planos alteraram-se e a nova construção passou apenas pela remodelação de um espaço na cidade, tendo o Estado espanhol sido lesado em contratos para serviços prestados que eram afinal irregulares ou inexistentes.
Um segundo mandado de captura para um cidadão que não é extraditável
Foi o segundo mandado de captura internacional lançado para deter o luso-angolano, mas novamente, até ver, infrutífero. Por causa desse segundado mandado, o órgão noticioso VOA Portugues citava, também em novembro passado, declarações sobre o caso de Pedro Nsevilu, diretor da Interpol em Angola e subcomissário do Serviço de Investigação Criminal do país. Nas declarações, proferidas dois meses antes, em setembro, Nsevilu explicava o porquê de os processos se arrastarem há tanto tempo: “Este cidadão é angolano. Assim sendo, não é extraditável. A Constituição angolana não permite a extradição de um cidadão nacional. Perante este facto, o que se faz, depois de o processo transitar em julgado, ser condenado, é as autoridades espanholas ou nós, autoridades angolanas, solicitar às autoridades espanholas a avocação do processo, para que este indivíduo cumpra a pena cá”.
O diretor da Interpol em Angola revelava também que tinha sido aberto um processo de investigação em Angola, “que está em curso, mas que aguarda as diligências conclusivas que decorrem do processo em curso na Espanha”.
Na sequência da investigação Luanda Leaks, o ativista e investigador Rafael Marques lembrava que não era importante apontar agulhas apenas para os políticos angolanos e figuras de Estado que teriam recebido comissões ilegais que terão lesado o erário público do país. É também importante, dizia Rafael Marques, dar a conhecer “os facilitadores, sobretudo portugueses, desta teia de corrupção que é o império de Isabel dos Santos”.