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Pessoas nas ruas de Braga no âmbito do plano de desconfinamento de Portugal continental, Braga, 5 de abril de 2021. A decisão de avançar com a segunda fase do plano do Governo foi tomada na sexta-feira em Conselho de Ministros, depois de analisada a situação da pandemia em Portugal, em especial o índice de transmissibilidade (Rt) do vírus SARS-CoV-2 e a taxa de incidência de novos casos de covid-19. HUGO DELGADO/LUSA
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As autoridades de saúde não têm capacidade de guardar todas as amostras positivas à presença do SARS-CoV-2, o que dificulta a confirmação das reinfeções

HUGO DELGADO/LUSA

As autoridades de saúde não têm capacidade de guardar todas as amostras positivas à presença do SARS-CoV-2, o que dificulta a confirmação das reinfeções

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Há mais reinfeções do que pensamos? Casos suspeitos são difíceis de confirmar e ainda mais difíceis de detetar

Já houve cerca 50 casos suspeitos de reinfeção em Portugal, mas só um foi confirmado pelas autoridades de saúde. Especialistas europeus alertam que os casos devem ser mais do que os registados.

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Portugal continua com apenas um caso confirmado laboratorialmente de reinfeção pelo SARS-CoV-2, mas já recebeu notificação de 50 casos suspeitos ao longo da pandemia, avançou o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) ao Observador. No entanto, o número real de casos de reinfeção deve ser superior a este, tanto em Portugal como nos restantes países, avisou o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC): é que embora os casos de reinfeção pareçam ser raros, eles devem estar a ser subnotificados pelas autoridades de saúde nacionais.

O ECDC considera como caso suspeito de reinfeção pelo novo coronavírus aquele em que a testagem com PCR ou através de testes rápidos de antigénio deteta a presença do vírus pelo menos 60 dias depois de outro teste positivo — incluindo testes serológicos para o anticorpo IgG, que entra em circulação durante a infeção. Mas as autoridades de saúde portuguesas consideram um caso de reinfeção aquele em que os dois contágios tenham sido provocados por estirpes diferentes, tipicamente com um intervalo temporal de 90 dias entre eles. O único caso de reinfeção conhecido em Portugal, no entanto, ocorreu após dois meses (60 dias).

Entre os casos suspeitos, a maioria não chega a ser confirmada pelo INSA precisamente por causa das dificuldades em cruzar os dados entre a primeira e a segunda infeções; ou então porque as cargas virais são tão baixas em pelo menos uma das amostras que todo o processo fica comprometido, sendo impossível discernir se se está ou não perante um resultado falso.

O método usado em Portugal baseia-se naquilo que já foi observado no passado em casos de reinfeção por outros coronavírus e coincide com o da Alemanha, Espanha ou Suécia. Já o ECDC escolheu outro: sondou vários países da União Europeia e da Área Económica Europeia sobre qual era o número médio de dias que passava entre as duas infeções nos casos suspeitos registados por eles. Essa média rondava os 60 dias e esse foi o critério estabelecido pelo centro.

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Mas o facto de a definição portuguesa ser mais rígida e assumir como reinfeção os casos em que uma pessoa é infetada mais do que uma vez por variantes diferentes coloca uma dificuldade às autoridades de saúde. Para se confirmar essa reinfeção é preciso recuperar a amostra referente ao primeiro ataque do vírus, fazer a sequenciação genómica dessa amostra e compará-la com a recolhida para a segunda infeção.

Mas não há capacidade logística para guardar todas as amostras positivas recolhidas desde o início da epidemia, nem para realizar a sua sequenciação. Mesmo entre as amostras que estão armazenadas, e garantindo a capacidade para fazer essa leitura do material genético do vírus, é preciso que ainda se detete carga viral suficiente para viabilizar o processo. O que nem sempre é possível.

Entre os casos suspeitos, a maioria não chega a ser confirmada pelo INSA precisamente por causa das dificuldades em cruzar os dados entre a primeira e a segunda infeções; ou então porque as cargas virais são tão baixas em pelo menos uma das amostras que todo o processo fica comprometido, sendo impossível confiar totalmente no resultado — no limite da positividade (a quantidade viral a partir do qual um teste vem positivo) a possibilidade de um falso positivo ou falso negativo é maior. Há ainda os casos em que o intervalo entre as duas infeções é demasiado curto. Nesses, o que tem sido mais comum é não se estar perante uma reinfeção, mas sim da mesma infeção que ressurgiu depois de a carga viral ter diminuído.

Questionado sobre porque é que Portugal está entre os países que usam o critério das variantes para diagnosticar uma reinfeção, Luís Graça, imunologista do Instituto de Medicina Molecular (IMM), explicou ao Observador que se trata de uma questão prática. Nas pessoas que tiveram uma infeção e foram dadas como recuperadas, é frequente que persistam nas vias respiratórias alguns detritos do vírus que, embora não tenham capacidade de contagiar outros, podem mesmo assim ser suficientes para que um teste PCR resulte positivo. Para despistar estes casos, quando as autoridades de saúde começaram a estudar o fenómeno das reinfeções (no verão passado), estabeleceram um critério que fosse rígido e diferenciasse indubitavelmente duas infeções independentes.

Quem são os reinfetados? O perfil possível, o caso de Alexandra e do reinfetado número 1

A resposta imunitária desenvolvida após uma infeção pelo SARS-CoV-2 tende a ser tanto mais baixa quanto menor for a carga viral a que a pessoa estiver sujeita, menciona o imunologista Luís Graça. Isso torna-a mais sucetível a ser contagiada novamente. E mesmo que se desenvolva Covid-19 mais severa, alguém com um sistema imunitário mais débil (seja pela idade, seja por ter outras doenças), está em maior risco de sofrer uma reinfeção.

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Embora haja poucos casos de reinfeção diagnosticados pelo mundo, eles não causam estranheza à comunidade científica: tal como as vacinas não são 100% eficazes a evitar a Covid-19 sintomática, uma infeção natural pelo SARS-CoV-2 também não é garantia de proteção — nem mesmo em pessoas saudáveis que não se encaixem no perfil dos mais suscetíveis a serem infetadas pelo coronavírus mais do que uma vez. Ainda assim, a maioria dos reinfetados são assintomáticos ou desenvolvem sintomas leves; e, tanto quanto se sabe da escassa literatura científica sobre o tema, não sofrem sequelas no seguimento desse novo contágio.

O único caso de reinfeção registado em Portugal foi confirmado originalmente pelo i3s e acompanhado pelo Hospital de São João. A mulher, uma profissional de saúde desse mesmo hospital com 30 anos na altura, desenvolveu febre baixa, perda de olfato e paladar e dores no corpo em setembro. Foi dada como recuperada, mas em novembro voltou a ter sintomas de Covid-19. Foram as sequenciações genéticas que provaram a reinfeção.

Prova disso é o caso de Alexandra Duarte, uma portuguesa saudável de 30 anos emigrada em Bruxelas que foi infetada por duas vezes — uma no início de dezembro, outra em meados de abril. O primeiro episódio coincidiu com a abertura do comércio na Bélgica, altura em que a técnica de comunicação decidiu frequentar as grandes superfícies para fazer compras de Natal. Desenvolveu tosse e dores no corpo, depois veio a febre e a perda de olfato e paladar. Mesmo depois de ter sido dada como recuperada, durante um mês continuou à procura de solução para as dores de costas em sacos de água quente e medicação.

A segunda infeção só foi descoberta por acaso. Como tencionava viajar para Portugal a 26 de abril e precisava de realizar um teste antes de embarcar, decidiu fazer um despiste mais cedo para poder cancelar o voo sem penalizações caso viesse positivo. Para seu espanto, estava mesmo infetada. Mas se da primeira vez o relatório da análise demonstrava uma carga viral alta, desta vez, quatro meses depois, essa informação não lhe foi transmitida. Só nesse momento é que Alexandra associou a tosse fraca que sentia pela manhã e as dores de cabeça leves à Covid-19.

Os sintomas eram tão ligeiros que a portuguesa chegou a teorizar que tudo não passava de um falso positivo. Apesar de admitir que relaxou nas medidas de proteção nos dois meses seguintes à primeira infeção, até hoje não compreende totalmente como estava de novo infetada em abril: não voltou a visitar lojas com produtos não essenciais porque só se podia entrar nelas com marcação, só saía de casa para ir ao supermercado e convivia apenas com o colega de casa e com uma bolha limitada de amigos. Só vê três opções: apanhou o vírus no supermercado, na única vez que foi aos correios ou nunca deixou realmente de ter carga viral da primeira infeção. Mas, desta vez, pelo menos as dores corporais deram-lhe tréguas.

O único caso de reinfeção registado em Portugal foi confirmado pelo i3s e acompanhado pelo Hospital de São João. A mulher, uma profissional de saúde desse mesmo hospital com 30 anos na altura, desenvolveu febre baixa, perda de olfato e paladar e dores no corpo em setembro. Foi dada como recuperada, mas em novembro voltou a ter sintomas de Covid-19. O intervalo de dois meses era tão curto que a hipótese de não se tratar de uma reinfeção, mas de uma flutuação da carga viral do primeiro contágio, era real. Foram as sequenciações genómicas que provaram a reinfeção: os dois ataques foram causados por variantes diferentes; e o segundo até já provocou febres mais altas, tosse e dores no peito.

Questionado pelo Observador sobre porque é que as segundas reinfeções podiam (ainda que mais raramente) ser mais fortes que as primeiras — há casos reportados internacionalmente de pessoas que morreram na sequência do segundo contágio —, Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), disse numa entrevista que o SARS-CoV-2 pode ser oportunista e aproveitar as fragilidades que o primeiro ataque deixou.

Celso Cunha: “Ao aparecerem novas variantes, a probabilidade de novas reinfeções é maior e pode haver sintomas mais severos”

“O que penso é que, provavelmente, essas pessoas poderiam ter outras comorbilidades que afetaram o funcionamento normal do seu organismo. Ou que, durante a primeira infeção, o organismo ficou com sequelas que depois puderam ser aproveitadas pelo vírus numa segunda infeção para tornar os sintomas mais graves”, descreveu o especialista.

A regra tem sido que os sintomas sejam mais ligeiros nas reinfeções, mas “a regra pode ter exceções” relacionadas com características dos próprios doentes, prossegue Celso Cunha. É possível que essas características tenham debilitado tanto as pessoas que o organismo não consegue responder tão eficazmente como da primeira vez.

O que sabemos sobre reinfeções “é a ponta de icebergue”

Os motivos por detrás destes casos não são completamente compreendidos. Francisco Antunes, infecciologista do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa sublinha que o fenómeno das reinfeções continua a ser “um mistério”: “Aquilo que sabemos é a ponta de icebergue”, assegura o especialista em entrevista ao Observador. E levanta uma questão: “Como saberemos quantas reinfeções existem realmente se as pessoas estiverem assintomáticas?”.

O próprio ECDC alertou que, “embora os eventos de reinfeção sejam raros, provavelmente estão subnotificados”. O relatório mais recente do centro, publicado em abril, concluiu que, ao longo de 2020, tinham sido detetados 1.887 casos suspeitos de reinfeção nos 12 países da União Europeia e da Área Económica Europeia que responderam às perguntas do ECDC — Portugal não foi um deles. O documento ressalva que cada um dos países que participaram no trabalho tinha critérios diferentes para diagnosticar reinfeções: o intervalo considerado entre os dois contágios variava entre os 45 e os 90 dias; e nem todos tinham estabelecido um sistema nacional para notificar estas situações.

É por estes e outros benefícios de uma infeção natural que, segundo Luís Graça, que também é membro da Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid-19, faz sentido administrar apenas uma dose da vacina a quem já esteve infetado e só seis meses depois de o caso positivo ter sido notificado. Explica o especialista que o facto de o primeiro contacto com o vírus ter acontecido pelas vias respiratórias, não através de uma vacina intramuscular, faz com que o sistema imunitário produza determinados anticorpos em maiores quantidades.

Ainda assim, o relatório alertou que as variantes B.1.351 (detetada originalmente na África do Sul) e P.1 (mais conhecida como sendo a variante de Manaus, no Brasil) têm capacidade de escapar às respostas imunes desenvolvidas pelo organismo de quem esteve infetado com outra estirpe e recuperou dela, por isso “é possível que as reinfecções ocorram com mais frequência em áreas onde há transmissão sustentada dessas novas variantes”. E em Portugal, por exemplo, há transmissão comunitária de ambas.

Sobre a linhagem indiana (B.1.617) ainda não havia dados em abril, mas João Paulo Gomes, investigador do INSA, confirmou na última reunião no Infarmed que, das 15 a 20 linhagens que são identificadas em circulação em Portugal, apenas duas ou três não têm mutações associadas à fuga do sistema imunitário. É um sinal que “não é preocupante, nem deixa de ser”, mas que indicia que o SARS-CoV-2 se está a adaptar a uma população cada vez mais imunizada — seja através da vacinação, seja através das infeções naturais.

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Mas, segundo Pedro Madureira, imunologista do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s), quem recuperou de uma infeção no passado pode mesmo estar mais protegido desta e de outras estirpes do que quem foi vacinado. Em entrevista ao Observador, o investigador considerou que a limitação das vacinas pode estar no facto de, em todas aquelas que estão a ser administradas em Portugal (Moderna, AstraZeneca/Universidade de Oxford, Pfizer/BioNTech e Johnson&Johnson), o sistema imunitário ser confrontado apenas com uma parte da informação genética do SARS-CoV-2, aprendendo a reconhecer só uma fração da sua estrutura molecular — neste caso, a proteína S, que confere ao vírus o aspeto coroado e que serve de chave de entrada para as células.

Se surgir uma nova variante com mutações significativas na proteína S, a imunidade induzida pela vacinas pode tornar-se insuficiente para impedir a doença, explica Pedro Madureira. Com a proteção desenvolvida durante a infeção (ou com uma vacina que utilize o vírus por inteiro, como a chinesa CoronaVac), o corpo fica com anticorpos para toda a estrutura viral. Por isso, quando alguém é infetado e recupera, ganha “a melhor proteção”: uma mudança numa localização não desarma completamente o organismo, que ainda tem anticorpos para atacar o vírus por outras frentes.

É por estes e outros benefícios de uma infeção natural que, segundo Luís Graça, que também é membro da Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid-19, faz sentido administrar apenas uma dose da vacina a quem já esteve infetado e só seis meses depois de o caso positivo ter sido notificado. Explica o especialista que o facto de o primeiro contacto com o vírus ter acontecido pelas vias respiratórias, não através de uma vacina intramuscular, faz com que o sistema imunitário produza determinados anticorpos em maiores quantidades do que as postas em circulação com a vacinação. Um desses anticorpos é o IgA, que protege as mucosas e é particularmente bem produzido pelas vias respiratórias. A vacina só vem reforçar a resposta que já existe.

Vacina seis meses depois da infeção é para não enganar o corpo, mas há quem duvide que ela seja necessária

Esta não é a norma em todo o mundo. Na Austrália decidiu-se administrar duas doses da vacina a quem já teve Covid-19, na escala de prioridades normais, ou seja, assim que chegar a vez de ser vacinado. Porque “o vírus é novo, os especialistas não sabem ainda quanto tempo pode durar a imunidade natural” e porque “a proteção que alguém ganha após ter Covid-19 varia de pessoa para pessoa”, justifica a página do Governo. Os Estados Unidos, através do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), utiliza o mesmo argumento para também vacinar quem já esteve contagiado: “Os especialistas ainda não sabem por quanto tempo se fica protegido de ficar doente novamente após se recuperar da Covid-19”.

É o que considera também Constantino Sakellarides, ex-diretor geral da Saúde e médico epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, que explicou que uma infeção pelo SARS-CoV-2 funciona "como uma primeira dose" de proteção contra a Covid-19; e que a dose vacinal servirá de "estímulo controlado" para o sistema imunitário.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) também entende que os recuperados da Covid-19 devem ser vacinados. A maioria das pessoas que tem Covid-19 desenvolve uma resposta imunológica, mas a instituição aponta que quem teve uma infeção muito leve ou ficou assintomático (algumas nunca chegam a ser diagnosticadas), desenvolve uma resposta imunológica menos forte em comparação com aquelas que estiveram gravemente doentes, explicou Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, num podcast da instituição.

Mas porque é que em Portugal — mas também em Espanha e França, por exemplo — se esperam seis meses para vacinar quem recuperou da doença? E porquê levar apenas uma única dose? Ou esperar esse mesmo período de tempo para administrar a segunda dose a quem ficou infetado depois levar a primeira dose da vacina?

Segundo Luís Graça, não existe risco conhecido em dar duas doses a pessoas recuperadas, sejam eles sintomáticos ou não — por isso é que, nos primeiros tempos da vacinação em lares em Portugal foram administradas duas doses mesmo em quem já tinha tido Covid-19. É, aliás, mais prático do que distinguir quem já foi diagnosticado com a doença e quem não foi. Mas, como também não há um benefício evidente em administrar as duas doses, Portugal e outros países decidiram reduzir o esquema vacinal em quem foi dado como recuperado, o que também permitiu poupar doses para vacinar mais depressa outras pessoas.

Quanto ao período de seis meses fixado pelas autoridades de saúde, o imunologista confirma que não há um consenso sobre quanto tempo dura a imunidade. Os estudos mais recentes apontam para um prazo de um ano, mas aqueles em que a comunidade científica deposita mais confiança dizem que, pelo menos durante seis meses, a generalidade da população recuperada mantém uma proteção. Passado esse tempo, ela pode diminuir, sobretudo em quem teve respostas imunitárias menos robustas. Mas administrar a vacina antes disso pode ser redundante: “Se o intervalo entre a infeção e a administração da vacina for demasiado curto, o sistema imunitário pode responder como se se tratasse de uma única infeção“, continuou o imunologista. E assim não sai fortalecido.

É o que considera também Constantino Sakellarides, ex-diretor geral da Saúde e médico epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, que em conversa com o Observador explicou que uma infeção pelo SARS-CoV-2 funciona “como uma primeira dose” de proteção contra a Covid-19; e que a dose vacinal servirá de “estímulo controlado” para o sistema imunitário.

Mas há algo em que Pedro Madureira e Constantino Sakellarides não concordam. O imunologista vai mais longe e entende que, mesmo sem anticorpos em circulação, faria sentido não vacinar de todo quem já esteve infetado porque há células que, tendo memória dos agentes patogénicos que já atacaram o organismo, mantêm a capacidade de voltar a produzi-los numa questão de horas após o novo ataque — mesmo passados longos anos.

Questionado sobre como se explicam as reinfeções nesse caso, o imunologista apresenta dois cenários. Ou se trata de casos com cargas virais muito baixas, que podem até ter sobrado da primeira infeção e causam sintomas quase impercetíveis (ou mesmo nenhuns). Ou então acontecem em pessoas imunodeprimidas.

Um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature e outro colocado em pré-publicação na plataforma BioRxiv, ambos citados pelo The New York Times, parecem sustentar (pelo menos em parte) as declarações do imunologista. O primeiro indicia que as células com memória do vírus mantêm-se na medula óssea, capazes de produzir anticorpos assim que forem recrutadas, durante pelo menos um ano. O segundo, que ainda não foi revisto pelos pares (um passo fulcral para a validação científica do estudo), sugere que estas células — os linfócitos B de memória — continuam a amadurecer e a fortalecer-se mesmo ao fim de 12 meses do primeiro ataque. Os dois estudos chegaram a estas conclusões depois de analisarem pessoas que estiveram infetadas no início da pandemia.

Francisco Antunes também considera que não vacinar de todo quem já esteve infetado poderá ser contraproducente: embora a memória imunitária não se perda muito, ela vai declinando cada vez mais rápido à medida que o tempo passa, o que pode ser um problema a longo prazo. Mas sugere outro esquema de vacinação: dar apenas uma dose aos recuperados que têm menos de 65 anos e não sofram de qualquer imunodepressão; mas administrar as duas a quem tem essa idade ou superior e a quem esteja imunodeprimido.

Mas Constantino Sakellarides duvida da vantagem de não vacinar quem esteve infetado. “Os coronavírus não são famosos em deixar imunidades muito prolongadas”, descreve o infecciologista: “Eles estão altamente adaptados a nós, deixam a imunidade muito débil e é por isso que nos reinfetamos com o coronavírus que causa as constipações muitas vezes”. No caso da Covid-19, prossegue o epidemiologista, não se sabe realmente a duração da infeção, nem da vacina — por isso, perante um risco de reinfeção, o melhor é garantir um reforço vacinal.

Já Michel Nussenzweig, imunologista da Universidade Rockefeller em Nova Iorque e responsável pelo estudo em pré-publicação, disse ao jornal norte-americano que os outros coronavírus provocam infeções mais amiúde porque sofrem mutações significativas mais frequentemente do que o SARS-CoV-2. Ou seja, a razão pelo qual nos infetam tantas vezes “tem mais a ver com as variações dos vírus do que com a imunidade”, afirma. Ainda assim, Nussenzweig continua a recomendar a administração de uma dose a quem já teve Covid-19 porque essas pessoas “têm uma resposta incrível, um conjunto incrível de anticorpos, porque continuam a desenvolvê-los”: “Prevejo que durem muito tempo”.

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O cientista só não é tão otimista para quem não tenha estado infetado, mesmo que receba duas doses da vacina. Alega que a memória imunitária induzida pela vacinação é construída de forma diferente do que a provocada por uma infeção natural, daí a possível necessidade de apanhar uma terceira dose de reforço ao fim de algum tempo. Mas “esse é o tipo de coisa que saberemos muito, muito em breve”, conclui o imunologista norte-americano.

À semelhança de Sakellarides, Francisco Antunes também considera que não vacinar de todo quem já esteve infetado poderá ser contraproducente: embora a memória imunitária não se perda muito, ela vai declinando cada vez mais rápido à medida que o tempo passa, o que pode ser um problema a longo prazo. Mas sugere outro esquema vacinal: dar apenas uma dose aos recuperados que têm menos de 65 anos e não sofram de qualquer imunodepressão; mas administrar as duas doses a quem é mais velho e a quem seja imunodeprimido.

Até ao momento, nunca foi identificada uma epidemia de reinfeções por Covid-19 — e, na verdade, por nenhuma outra doença infecciosa. Mas, não se sabendo a real dimensão desse fenómeno, nem a vacina pode ser motivo de descanso, nem as variantes dão margem para tal.

“Em relação aos mais velhos, tenho muitas dúvidas que apenas um inóculo seja suficiente”, partilhou o médico infecciologista: “Não para o momento imediato, mas a longo prazo. Tenho dúvidas sobre se quem tem mais de 65 anos, por ter uma resposta imunitária mais fraca comparativamente com os mais novos, obtenha uma durabilidade do efeito imunogénico razoável com apenas uma dose”. E por razoável, Francisco Antunes refere-se uma imunidade que dure pelo menos um ano.

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Mas em quem tem menos de 65 anos, o médico considera “plausível” e “aceitável” que só seja administrada uma dose caso já se tenha estado infetado. A administração de uma dose da vacina nesses casos iguala a imunidade de quem completou o esquema vacinal e, dada a escassez de vacinas, seria um alívio também para as autoridades de saúde.

Novas mutações do coronavírus podem facilitar reinfeções

Até ao momento, nunca foi identificada uma epidemia de reinfeções por Covid-19 — e, na verdade, por nenhuma outra doença infecciosa, acrescenta o perito. Mas, não se sabendo a real dimensão desse fenómeno, nem a vacina pode ser motivo de descanso (o infeciologista apela a que não se descure nas medidas de proteção individual, sobretudo a utilização de máscaras), nem as variantes dão margem para tal: “Se surgirem variantes mais infecciosas que escapem à capacidade imunogénica das vacinas ou à resposta imunitária desenvolvida com uma infeção, pode-se estar numa situação muito séria de infeções em vacinados e de reinfeções sintomáticas”, alertou.

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