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Há um manual sobre a religião nos hospitais, mas (quase) ninguém o usa

Em 2009 foi regulamentada a assistência religiosa nos hospitais. Há um manual sobre alimentação, nascimento, sofrimento e morte por cada crença. Mas ninguém pergunta qual a religião dos doentes.

Quando o padre passou por aquele doente internado num hospital da zona de Lisboa, notou que ele estava sem comer há três dias. A alimentação que lhe tinha sido distribuída na enfermaria não cumpria os critérios da sua religião, sobre a qual não tinha sido questionado. Incapaz de comunicar com os profissionais de saúde para lhes explicar as suas limitações, limitou-se a não comer. Só o padre, capelão daquele hospital, se apercebeu da situação — e interveio para que o doente pudesse receber os alimentos adequados. A história, contada ao Observador pelo padre Fernando Sampaio, capelão do hospital lisboeta de Santa Maria e coordenador nacional dos capelães hospitalares, é apenas um de vários exemplos do que se passa em diversos hospitais portugueses.

Decreto-lei de 2009

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“A assistência espiritual e religiosa nas instituições do SNS permanece reconhecida como uma necessidade essencial, com efeitos relevantes na relação com o sofrimento e a doença, contribuindo para a qualidade dos cuidados prestados. Particular atenção deve ser dada aos doentes em situações paliativas, com doença de foro oncológico, com imunodeficiência adquirida ou com severidade similar”, lê-se na apresentação do decreto-lei.

À direção da Comunidade Islâmica de Lisboa, por exemplo, têm chegado várias queixas de situações semelhantes com doentes muçulmanos em hospitais. “Temos aqui na comunidade algumas queixas de que as pessoas são pouco sensíveis quando o doente lhes diz que a pessoa não pode comer carne, porque só come carne halal, não há uma alternativa de peixe e a pessoa fica privada de uma refeição — ou come só a sopa e não come o prato. Os hospitais públicos ainda não estão preparados. Os muçulmanos, como são uma minoria, ficam privados de uma refeição”, diz ao Observador Khalid Jamal, da direção da principal comunidade islâmica do país.

Ao mesmo tempo, há Testemunhas de Jeová que receberam transfusões de sangue (proibidas pelas regras daquela religião) sem que os profissionais de saúde tivessem sabido da sua prática religiosa e há assistentes espirituais não católicos que já enfrentaram dificuldades no acesso aos hospitais. “Temos tentado que os nossos ministros de culto possam ter uma espécie de livre-trânsito nos hospitais. Ainda não conseguimos e, às vezes, quando eles vão fazer essa visita aos doentes encontram algumas dificuldades. Os profissionais estão a cumprir ordens e às vezes barram a entrada do imã. Isso acaba por estragar a nossa iniciativa. As pessoas vão de bom grado fazer este trabalho, mas ficam desmoralizadas. Vão uma vez, duas vezes, três vezes, mas se encontram obstáculos deixam de ir”, afirma o responsável da comunidade islâmica.

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Dez anos depois da publicação do decreto-lei que aprovou o Regulamento da Assistência Espiritual e Religiosa no Serviço Nacional de Saúde, vários líderes religiosos lamentam que a lei ainda não tenha sido plenamente aplicada — e o que o direito à assistência espiritual nos hospitais portugueses ainda não esteja completamente garantido. “O decreto ainda não foi aplicado na totalidade”, assegura o padre Fernando Sampaio, que além de ser responsável a assistência em cuidados de saúde na Igreja Católica, coordena um grupo inter-religioso que se dedica a encontrar consensos entre as várias religiões em matéria de saúde — e que é, aliás, um dos mais relevantes projetos de diálogo inter-religioso em Portugal.

Um dos principais projetos surgidos na sequência da aprovação da lei foi um documento chamado “Manual da Assistência Espiritual e Religiosa Hospitalar”. Trata-se de um guia prático com as principais particularidades das maiores religiões representadas em Portugal em áreas como as práticas religiosas, o nascimento, a alimentação, a doença, o sofrimento e a morte. Inicialmente distribuído a médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, é hoje um documento praticamente desconhecido nos hospitais portugueses — embora esteja disponível online na página da Direção-Geral da Saúde.

O manual de boas práticas que poucos conhecem

Até 2009, a lei portuguesa apenas previa a presença de padres católicos nos hospitais. Com a aprovação do regulamento da assistência espiritual e religiosa no SNS, passou a estar prevista na lei a possibilidade de ministros de culto de qualquer religião poderem assistir nos hospitais públicos os doentes das suas comunidades religiosas. A nova lei motivou o aparecimento de um grupo de trabalho com líderes de várias religiões, na altura dinamizado pelo padre José Nuno Silva, antigo capelão do hospital de São João, no Porto, e que à época era coordenador dos capelães hospitalares a nível nacional.

O padre José Nuno Silva, antigo capelão do hospital de São João, no Porto, foi o responsável pelo arranque do grupo de trabalho inter-religioso (Ivo Pereira/Global Imagens)

Ivo Pereira/Global Imagens

Na sequência da lei, aquele sacerdote convidou para uma reunião em dezembro de 2009 os líderes de várias confissões cristãs e religiões representadas em Portugal: evangélicos, hindus, muçulmanos, judeus, protestantes, ortodoxos e budistas estiveram nesse encontro, onde participou também a então ministra da Saúde, Ana Jorge. “O processo de elaboração da lei foi um processo com alguns solavancos. Quando, finalmente, a lei foi aprovada, e concretamente quando houve aquela reunião no dia 14 de dezembro de 2009, a própria ministra da Saúde esteve presente, assumiu claramente o conteúdo da lei e manifestou satisfação. Mas, no concreto, há problemas que subsistem”, lembra hoje o padre José Nuno Silva.

Ficaria ali constituído um grupo de trabalho que ainda hoje perdura (ainda no ano passado publicou uma declaração conjunta contra a eutanásia) e que em 2011 se viria a reunir novamente com a ministra para apresentar o manual da assistência espiritual e religiosa hospitalar. O documento, lembra hoje o padre Fernando Sampaio, que sucedeu José Nuno Silva na coordenação das capelanias hospitalares, “teve inspiração num hospital estrangeiro e depois foi modificado para a realidade portuguesa, com a revisão das diversas religiões, para que todos estivessem de acordo com o que lá estava escrito”.

O manual foi apoiado pela Comissão da Liberdade Religiosa e até recebeu o Alto Patrocínio do Presidente da República, Cavaco Silva, que na altura recebeu os vários líderes religiosos em Belém. “Só se respeita o que se conhece” era o mote para o documento, que reúne informações sobre a forma como 11 religiões e confissões lidam com o sofrimento, a dor, a morte, o nascimento e a alimentação.

Por exemplo, os fiéis da Igreja Adventista do 7.º Dia só podem comer peixe com escamas e barbatanas e não podem comer carne de porco. Já os budistas, quando morrem, devem ter o seu corpo deixado em repouso durante três dias sem que ninguém lhe toque — e, quando for tocado, tal deve ser feito em primeiro lugar no topo da cabeça. Já no Islão, os bebés recém-nascidos devem ter o seu cabelo cortado. Os judeus, por seu turno, devem usar preferencialmente louça e talheres descartáveis para que a sua comida não seja contaminada por alimentos não kosher (os únicos autorizados).

"Temos tentado que os nossos ministros de culto possam ter uma espécie de livre-trânsito nos hospitais. Ainda não conseguimos, e às vezes quando eles vão fazer essa visita aos doentes encontram algumas dificuldades. Os profissionais estão a cumprir ordens e às vezes barram a entrada do imã"
Khalid Jamal, da direção da Comunidade Islâmica de Lisboa

Estas e outras recomendações fazem parte do manual que, rapidamente, caiu no esquecimento na maioria dos hospitais. “O objetivo desse manual foi o de contribuir para o conhecimento do pluralismo religioso por parte dos profissionais de saúde e desta forma estarem mais sensibilizados para estas questões que têm uma vital importância no contexto do internamento hospitalar”, lembra hoje o pastor evangélico Jorge Humberto, um dos líderes religiosos que fazem parte deste grupo. “Gostaria de dizer que esse manual é atualmente uma referência nos hospitais, mas a grande verdade é que a grande maioria dos médicos, enfermeiros, administrações o desconhecem por completo, mesmo estando disponível em várias plataforma do SNS”, lamenta.

“O manual não foi suficientemente difundido”, diz Khalid Jamal, da comunidade islâmica de Lisboa, lamentando que toda a questão esteja “adormecida”. O padre Fernando Sampaio acrescenta que um dos fatores que contribuem para o desconhecimento deste manual é o facto de ele não ser apresentado nos cursos de enfermagem. “Se não se dá a conhecer as realidades que temos, as pessoas não as conhecem. As escolas não dão muita divulgação ao documento, têm dificuldade nas questões da espiritualidade e do respeito pela assistência espiritual na formação dos enfermeiros”, sublinha.

O padre Fernando Sampaio é o atual coordenador dos capelães hospitalares em Portugal (Jornal Voz da Verdade)

Jornal Voz da Verdade

“Sem dúvida que o facto de o manual ter sido implementado foi um grande passo no sentido da consciencialização da diversidade religiosa e de que o utente tem o direito a que os profissionais de saúde estejam sensíveis a isso. Mas reconheço que ainda há um longo caminho a percorrer. Tudo seria diferente se a formação dos profissionais de saúde incluísse um novo olhar acerca da assistência espiritual e religiosa, que traduzisse a nova realidade que a própria lei contempla”, diz o pastor Jorge Humberto.

Enfermeiros contactados pelo Observador em diferentes hospitais do país confirmam que o manual não é um documento de utilização frequente nas unidades hospitalares. Embora o tema da prática religiosa seja abordado nas licenciaturas em enfermagem — nomeadamente nas cadeiras de ética —, o assunto não volta a ter grande relevância ao longo da vida profissional.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, explicou ao Observador que “os enfermeiros, na sua formação de base, na licenciatura, abordam essas questões”. “A nossa perceção é que os enfermeiros são muito sensíveis a esta questão, até por causa da abordagem ao doente que, no caso dos enfermeiros, é feita de uma forma holística”, explicou a bastonária. Sobre a utilização e conhecimento do manual, Ana Rita Cavaco assegura que só cada hospital poderá responder.

Também no caso dos médicos a formação dos profissionais tem em conta as questões religiosas. “A Ordem dos Médicos tem levado a cabo várias iniciativas que visam revitalizar a relação médico-doente, o que passa por criar no ambiente de consultório um espaço para que todos os problemas que são importantes para o doente possam ser devidamente abordados. As necessidades religiosas enquadram-se neste âmbito, pelo que existem orientações gerais que são abordadas durante a formação“, explicou ao Observador o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.

“A prática de divulgação em cada instituição já está dependente das administrações hospitalares e, como sabemos, as dificuldades que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta têm levado a que os assuntos da humanização sejam desvalorizados ou mesmo marginalizados”, acrescentou a mesma fonte.

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Também o Ministério da Saúde disse não haver informações centralizadas — nem ao nível da ACSS nem da DGS — sobre a forma como a lei deve ser aplicada, remetendo as especificidades para as administrações de cada hospital.

O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, assumiu ao Observador que os cuidados espirituais “são uma vertente importante da assistência aos doentes” e destacou que o utilização dos chamados serviços de assistência espiritual e religiosa é “generalizada” — mas apenas “a pedido dos doentes, respeitando os credos individuais”.

A lei prevê que todos os doentes internados no SNS, independentemente da confissão religiosa que praticam, têm o direito a ter assistência espiritual e religiosa durante o internamento, a praticar atos de culto espiritual e religioso, a ver respeitadas as suas convicções religiosas, a ter na sua posse objetos e livros de culto religioso e a optar por uma alimentação que respeite as suas convicções espirituais e religiosas (ainda que tenha de ser providenciada pelo próprio utente).

O manual ajuda os profissionais de saúde a saberem rapidamente quais as particularidades das principais religiões representadas em Portugal. Ainda assim, sucedem-se os casos em que estes direitos não foram assegurados.

Khalid Jamal, que coordena o gabinete jurídico da comunidade islâmica de Lisboa, lembra o exemplo de um muçulmano de origem guineense que foi internado num hospital da área metropolitana de Lisboa. Quando os assistentes do hospital lhe disseram que a refeição era carne de porco, o muçulmano informou-os de que não a podia comer. “Isso mereceu da enfermeira um comentário jocoso, que está alicerçado na ignorância de porque é que a pessoa não pode comer carne, especialmente de porco. A pessoa não só não sabe… Uma coisa é, por omissão, não ter iniciativa, desconsiderar. Aqui vai-se mais longe. Não só é indiferente, como tem uma ação em que não só critica como faz troça. Este não é caso único”, assegura Khalid Jamal.

Khalid Jamal, membro da direção da comunidade islâmica de Lisboa, na Mesquita Central de Lisboa (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O padre Fernando Sampaio explica que também tem conhecimento de casos em que há pessoal hospitalar — essencialmente auxiliares, e não médicos ou enfermeiros — que “importunam os doentes por ter determinada religião”. Já o pastor evangélico Jorge Humberto, sublinhando que não conhece casos de discriminação contra evangélicos, reconhece que “a falta de sensibilidade para estas questões e o desconhecimento da lei possa indiretamente promover ou potenciar a atitude de discriminação”.

Dez anos depois, falta aplicar a lei, dizem líderes religiosos

Com a aplicação concreta da lei a ficar essencialmente do lado dos hospitais, há muitas coisas que hoje estão por concretizar, assumem ao Observador diferentes líderes religiosos. “Portugal não precisa de uma nova lei de assistência espiritual e religiosa porque a lei que temos é  excelente, provavelmente das melhores leis no espaço europeu. O que Portugal precisa é que os agentes conheçam a lei e criem medidas objetivas no sentido da sua implementação”, diz o pastor Jorge Humberto.

As pessoas têm de ter esse direito de assistência espiritual e religiosa. Na lei, está consubstanciado, mas na prática não ocorre”, afirma Khalid Jamal, da comunidade islâmica de Lisboa. O padre Fernando Sampaio acrescenta que ainda falta aplicar “na totalidade” a lei. E dá exemplos do que ainda falha.

“É necessário — e sem isso há coisas que não avançam — a regulamentação da nomeação dos assistentes espirituais. Como se faz a nomeação? Isso não está regulamentado quer para os da Igreja Católica quer para os das outras religiões”, explica o sacerdote, acrescentando que “às vezes as nomeações dos capelães demoram muito tempo”. Fernando Sampaio assinala mesmo que houve casos em que unidades hospitalares estiveram anos sem capelão — à espera da nomeação por parte do Governo.

"Portugal não precisa de uma nova lei de assistência espiritual e religiosa porque a lei que temos é excelente, provavelmente das melhores leis no espaço europeu. O que Portugal precisa é que os agentes conheçam a lei e criem medidas objetivas no sentido da sua implementação"
Pastor Jorge Humberto, da Aliança Evangélica Portuguesa

A maior dificuldade, garante, está do lado das religiões minoritárias, uma vez que há dois modos de vínculo dos assistentes espirituais aos hospitais. Uma é o contrato de funções públicas; a outra é a acreditação permanente na unidade hospitalar. Isto depende da frequência com que o assistente tem de prestar serviço no hospital. A lei aconselha a que haja um assistente espiritual por cada 400 camas da unidade hospitalar. Ora, isto leva a que na sua maioria os padres católicos estejam a contrato (por terem trabalho em permanência, já que a maioria dos doentes em Portugal são católicos) e os das outras religiões tenham uma acreditação que lhes permite aceder ao hospital quando necessário.

Se, no que toca aos contratos com os padres católicos, não tem havido grandes problemas, “a acreditação dos assistentes espirituais de outras religiões às vezes é recusada pelos hospitais”, diz Fernando Sampaio. Falta, nas palavras do pastor Jorge Humberto, uma relação “mais próxima” entre os líderes religiosos e o Estado. “A relação com o Governo poderia ser mais próxima e com isso com certeza haveria uma maior sensibilidade para a assistência religiosa no SNS”, defende.

“Recentemente”, revela o padre Fernando Sampaio, o sacerdote entregou ao Ministério da Saúde um documento a pedir “que haja uma maior atenção ao setor da assistência espiritual e religiosa, que haja uma regulamentação do que não está regulamentado, ao nível da formação e da nomeação dos assistentes”. “Da parte do Ministério da Saúde, nós não temos sentido dificuldades ao nível do diálogo, mas evidentemente era necessário que houvesse uma atenção bastante maior a este setor”, diz.

Em maio de 2018, líderes de várias religiões (o pastor evangélico Jorge Humberto é o terceiro a contar da esquerda) assinaram uma declaração conjunta contra a eutanásia

Este ano, a propósito dos décimo aniversário do decreto que aprovou o regulamento da assistência espiritual, o grupo de trabalho das religiões planeia lançar uma nova versão do manual. “O que nós queríamos fazer era pegar no manual e dar-lhe mais conteúdo. Aquilo está muito pequenino e é muito telegráfico, e é necessário que se dê um pouco mais de conteúdo para se compreender as coisas”, explica o padre Fernando Sampaio, que admite ainda que é necessário apostar mais na divulgação do documento. O pior, argumenta, é a falta de fundos — que impede a impressão do manual em larga escala e a distribuição gratuita nos hospitais. “Da outra vez foi a Pastoral da Saúde que o sustentou. A opção que houve foi a de o colocar na internet, para pode ser tirado online”, lembra.

O décimo aniversário do decreto está também a ser assinalado com conferências e ações de sensibilização de profissionais de saúde para as questões da assistência espiritual.

Perguntar pela religião é discriminar?

Na raiz de muitos dos problemas está, na opinião dos líderes das comunidades religiosas, o facto de os doentes não serem questionados sobre as suas práticas religiosas. “Quando se faz a inscrição do utente, a pergunta sobre se professa a religião e qual é a religião é entendida como invasiva e abusiva. Eu não entendo assim. Entendo o direito de quem é religioso a responder. A pergunta, para mim, deveria ser feita. Se as pessoas não sabem que sou muçulmano, porque não me perguntam ou porque eu não disse, então depois na prática não podem prestar um bom serviço”, diz Khalid Jamal.

Há coisas que se resolviam se a religião fosse perguntada às pessoas”, garante o padre Fernando Sampaio. “Nos países anglo-saxónicos isso é feito. Aquilo que acontece é que quando o doente entra, isso é um assunto que é logo perguntado. Há uma declaração e a informação é mandada para o serviço de assistência religiosa. Aqui, parece haver empecilhos e mais empecilhos. Se o doente não quer, não quer”, acrescenta. Para o sacerdote que coordena os capelães hospitalares a nível nacional, “perguntar, quando os doentes entram, a que religião pertencem é uma questão que está ligada aos cuidados de saúde e que implica com eles”. “Isto é necessário para respeitar os próprios doentes”, destaca Fernando Sampaio, acrescentando: “Se é proibido, é tonto”.

"Há coisas que se resolviam se a religião fosse perguntada às pessoas"
Padre Fernando Sampaio, coordenador dos capelães hospitalares

No entender das comunidades religiosas, é importante perguntar aos utentes qual a sua religião para assegurar que essa informação fica registada no processo clínico e pode ser consultada a qualquer momento — quem quiser responder responde, quem não quiser não responde. Porém, não é assim que funciona. Segundo Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, “o doente é que pede apoio de acordo com o seu credo, ou seja, depende da iniciativa do doente ou da sua família“.

O bastonário da Ordem dos Médicos explicou que as perguntas concretas ao doente “podem surgir em alguns contextos específicos em que as decisões a tomar possam conflituar com estratégias no âmbito do diagnóstico ou terapêutica”. Os médicos podem também “requerer informações relevantes sobre hábitos culturais ou religiosos que possam influenciar opções diferentes adaptadas a cada doente”. “De resto, o respeito pelo ser humano que temos à nossa frente deve sempre ter por padrão o exercício da medicina com base no consentimento informado, salvo em situações de emergência em que a vida do doente está em risco iminente”, acrescentou.

Como explicou ao Observador fonte oficial do Ministério da Saúde, os profissionais de saúde não podem questionar os doentes sobre a sua confissão religiosa por motivos de privacidade. O que acontece mais frequentemente, explicou a mesma fonte, é que o próprio utente tome a iniciativa e solicite assistência religiosa. Se não o fizer, essa informação não será do conhecimento dos profissionais de saúde — e, consequentemente, não estarão garantidas as práticas adequadas à religião de cada um.

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