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Harris desestabilizou Trump, mas o adversário sabe agarrar a sua base. Como é que o debate presidencial pode afetar esta campanha?

Foi um frente a frente intenso, onde Kamala surpreendeu Trump com postura agressiva. Adversário ripostou, mais eficaz na imigração e na economia. Eleitores de base ficaram satisfeitos — e os outros?

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Kamala Harris tomou a iniciativa assim que entrou no Centro Nacional da Constituição, em Filadélfia, na noite desta terça-feira: dirigiu-se a Donald Trump e estendeu-lhe a mão. O republicano não rejeitou o cumprimento e os dois até trocaram alguns desejos de boa sorte para o debate.

Podia ser um sinal de que o frente-a-frente que estava por diante seria calmo e civilizado. Porém, aquilo que se seguiu durante uma hora e meia foi um dos debates mais tensos dos últimos ciclos eleitorais norte-americanos. Houve acusações repetidas de que o/a adversário/a era mentiroso/a e várias interrupções. Enquanto Donald Trump apelidou Harris de “marxista” e a “pior vice-presidente da História”, a adversária questionou a acuidade mental do republicano (“Talvez este candidato não tenha a capacidade de não se confundir sobre os factos”) e acusou-o várias vezes de “vender” princípios em troca de “amizade” e “lisonja” de ditadores.

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No final, ambos conseguiram marcar pontos junto da sua base eleitoral e tentaram ir mais longe: Harris fez várias referências aos eleitores republicanos (“têm espaço nesta campanha”, chegou a dizer); Trump não hostilizou algumas franjas do eleitorado que em tempos lhe escaparam, como os negros (não explorou a questão racial da adversária, por exemplo) e as mulheres (mantendo uma posição mais moderada em relação ao aborto do que o seu candidato a vice-presidente, JD Vance). Entre tudo isto e referências inusitadas — como animais domésticos a serem comidos e cartas de amor a um ditador —, como é que este debate pode afetar a campanha de cada um?

Kamala Harris. Da irritação que causou a Trump à perceção de “troca-tintas”

“Convido-vos a assistir a um comício de Trump, que é muito interessante. Ele fala de personagens fictícias como Hannibal Lecter. Ele fala de moinhos provocarem cancro. E as pessoas saem mais cedo, exaustas e aborrecidas. Porque aquilo de que ele não fala é de vocês.”

Este excerto do debate da noite desta terça-feira ilustra aquela que foi a maior vitória de Kamala Harris ao longo da noite: conseguir desestabilizar Donald Trump, o homem que deixa os adversários frequentemente sem resposta. Os ataques da candidata democrata foram pensados para atingir os pontos fracos do adversário — não em termos de políticas, mas nas questões de caráter. O retrato que a democrata pintou incluiu não apenas os temas incontornáveis da invasão ao Capitólio e dos vários processos judiciais que o ex-Presidente enfrenta, mas foi mais profundo, ao recordar episódios passados como a manifestação neo-nazi de Charlotesville (“Havia pessoas boas dos dois lados”) ou a posição de Trump sobre “Os Cinco dos Central Park” (o caso de cinco homens negros condenados por violarem uma mulher branca que foram ilibados anos depois, para quem Trump chegou a pedir a pena de morte).

Guerras, economia e aborto: o duro debate entre Kamala Harris e Donald Trump

Esses ataques foram fazendo mossa no adversário, que se irritava progressivamente com eles. Não por acaso, foi perante a ideia do alegado desânimo dos participantes nos comícios de Trump que o candidato republicano puxou do seu wild card, ao ressuscitar o tema inusitado que já tinha cavalgado nos últimos dias: o de que na cidade de Springfield, no Ohio, há imigrantes do Haiti a comerem animais domésticos — alegação desmentida quer pela autarquia, quer pela polícia local.

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Foi visível que Harris irritou Trump e isso é algo que não é habitual ver-se num debate com o ex-Presidente. Mas, embora isso possa trazer aplausos, risos e uma chuva de memes entre os apoiantes acérrimos da democrata, não é tão claro se será suficiente para convencer eleitores indecisos ou potenciais abstencionistas a concederem-lhe o seu voto a 5 de novembro.

A economia foi um dos pontos onde Kamala Harris tentou claramente ganhar pontos, mas não é certo se terá sido eficaz. Repetiu várias vezes a frase “eu tenho um plano”, o que a ajudou a descolar-se de Joe Biden e a criar a impressão de que trazia ideias novas para lidar com a inflação e com os temas discutidos “à mesa da cozinha” — um termo invocado frequentemente na política norte-americana para definir os “problemas reais” que afetam mais diretamente os eleitores.

E é verdade que muitas vezes as pessoas votam a pensar no seu bolso e Harris tentou seduzir o eleitorado várias vezes com a promessa de redução de impostos “para as jovens famílias” e “para as pequenas e médias empresas”, bem como a ajuda na compra de habitação. E também é visível que Trump não trouxe grandes propostas concretas na área económica para o debate. Mas, em política, muitas vezes a perceção vale tudo: e o adversário foi cirúrgico ao detetar a falha de Kamala, notando que “ela não tem um plano” — “tem quatro frases”.

O mesmo se aplica ao tópico da imigração, que continua a estar no topo das prioridades de muitos eleitores, razão pela qual Trump não largou esse osso. Harris, evitando responder à alcunha de “czar da fronteira”, não conseguiu oferecer outra resposta aos vários ataques que não fosse manter-se ao lado do projeto de lei bipartidário no Congresso que acabou chumbado por congressistas pró-Trump.

Para quem quer conquistar votos em estados fulcrais como a Pensilvânia, Harris também não foi eficaz a livrar-se da imagem de “troca-tintas”. Foi assim na questão da saúde, onde evitou totalmente abordar a sua posição no passado de apoio à proposta de lei de Bernie Sanders de criação de um sistema nacional público, mas, acima de tudo, na questão do fracking. Esta técnica de exploração de gás de xisto e petróleo é uma das maiores alavancas da economia de alguns swing states essenciais para a candidata que, no passado, prometeu abolir a prática. Agora, faz promessas de que a irá manter, sem conseguir justificar a mudança de opinião.

Mais bem sucedida foi a sua resposta na questão da retirada do Afeganistão, um calcanhar de Aquiles que Harris ainda não tinha explorado amplamente em público desde a nomeação como candidata. Evitando falar da imagem de caos e das mortes de soldados e colaboradores afegãos, defendeu a medida como algo que agrada em tese a um eleitorado pró-Trump — “Quatro presidentes disseram que o iam fazer e Joe Biden fê-lo”, pondo fim a uma “guerra eterna” — e virou o ataque contra o adversário ao relembrar o acordo de paz que fez com os talibãs. “Quando Donald Trump foi Presidente negociou um dos acordos mais fracos de sempre  (…) com a organização terrorista que são os talibãs”. “Convidou-os para Camp David!”, indignou-se Kamala.

Uma afirmação que encaixa na sua estratégia de se tentar afirmar como Comandante-em-Chefe. A defesa dos militares, o desejo repetido de manter “a força militar mais letal do mundo” e todo o segmento do debate sobre política externa foram a área onde Kamala Harris se deu melhor. Não apenas em termos de ideias, mas na questão da perceção, encostando várias vezes Trump à imagem de um homem que “vende os princípios” a “ditadores” como Kim Jong-un, com quem trocou “cartas de amor”.

A questão que fica é: o papel dos EUA na geopolítica será tema suficientemente motivante para fazer os indecisos saírem de casa no dia 5 de novembro para irem votar em Kamala Harris? A candidata espera que sim — e que as promessas económicas, ajudadas por temas como a questão do aborto, possam fazer o resto. Mas, à cautela, Harris já disse que está pronta para mais um debate antes da eleição.

Donald Trump. Do trunfo da imigração à falta de rumo na política externa

O primeiro tópico do frente a frente versava sobre economia e a inflação, mas Donald Trump gastou escassos segundos a debater esse assunto. O magnata preferiu abordar um tema que iria voltar várias vezes durante o debate: a imigração. As acusações à administração Biden foram variadas, mas residiam num ponto: milhares de “terroristas, criminosos e traficantes de drogas” entram atualmente sem controlo nos Estados Unidos e isso causa sérios danos ao país, que está em “declínio”.

O objetivo do antigo Presidente era obrigar a adversária a explicar um tópico em que não se sentia completamente confortável e em que foi acusada de mudar de posição ao longo dos últimos anos. Ao mesmo tempo, Donald Trump parece ter noção de que este tópico é um dos que mais cativa a sua base eleitoral; na campanha de 2016, por exemplo, o republicano insistiu na construção de um muro na fronteira com o México.

A imigração cria, de acordo com o que explicou Donald Trump, vários problemas. Um deles é a criminalidade, que o republicano não tem dúvidas de que aumentou; outro é que prejudica a economia. Mesmo confrontado pelos moderadores do debate com um relatório do FBI que desmentia a subida de criminalidade nos Estados Unidos, Trump  disse que o documento era uma “fraude”.

Outro assunto que convence alguns eleitores, principalmente nas regiões mais industriais norte-americanas como a Pensilvânia (onde decorreu o debate), é o uso de energias fósseis. Se bem que muitos norte-americanos defendam as energias verdes, Donald Trump falou para a base e explorou o argumento do aumento do preço dos combustíveis fósseis e da conta de luz — e como isso criou impactos negativos na vida dos norte-americanos. Assim sendo, as energias renováveis não são suficientes — e é preciso terminar com muitas das ideias que os democratas querem implementar. O fracking foi um desses argumentos.

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Mais do que uma vez durante o debate, Donald Trump falou sobre a Venezuela. Preconizou que, se os democratas vencerem, os Estados Unidos serão uma “Venezuela em esteroides”. E referiu que a taxa de criminalidade naquele país sul-americano está a “diminuir”, porque os criminosos venezuelanos estão a ir para os Estados Unidos. “A taxa de criminalidade em todo o mundo está a baixar. E nos Estados Unidos está a subir, a aumentar exponencialmente”, salientou Donald Trump, numa tentativa de voltar a convencer os eleitores mais à direita.

Além disso, a comparação com a Venezuela não é inocente. Donald Trump tentou sempre colar a imagem de “radical de extrema-esquerda” à rival. Ainda que nunca tenha utilizado a alcunha que lhe deu (“camarada Kamala”) durante o frente a frente, chamou à democrata “marxista”: “O pai dela era um professor marxista. Ele ensinou-a bem”. A ideia da campanha do Partido Republicano é apresentar a vice-presidente como alguém radical e demasiado liberal — e fazer uma comparação com a Venezuela é o país perfeito para isso.

Não é segredo que os republicanos estão a ter dificuldades em cativar eleitorado negro, latino e feminino. Assim sendo, Donald Trump tentou não hostilizá-los diretamente. Por exemplo, não adotou uma posição conservadora no aborto; preferiu defender a revogação do caso Roe v. Wade (que legalizava o aborto em todo o país a nível federal), mas indicando que deve caber aos estados escolher se querem ou não ilegalizar o aborto. E até admitiu que a interrupção voluntária da gravidez deve ser permitida em caso de “violação, incesto ou se houver perigo para a vida da mãe”.

Outro dos momentos em que se Donald Trump se manteve à defesa foi no momento em que foi confrontado sobre as declarações sobre o motivo pelo qual questionou se Kamala Harris era negra. “Não quero saber”, respondeu brevemente. “Li que ela não era negra e que agora é negra”, justificou apenas.

Apesar de se ter moderado em alguns temas, o cariz mais exagerado de Donald Trump foi visível em vários momentos. Aquele que talvez tenha sido mais flagrante foi precisamente aquele que ficou viral nas redes sociais e que surgiu em resposta ao ataque de Kamala sobre os seus comícios: a alegação de que imigrantes do Haiti comem “gatos, cães e animais de estimação”. O magnata fez eco dessas declarações e responsabilizou a política migratória da administração Biden — e, por arrasto, de Harris.

Este momento levou mesmo a um fact check em direto por parte dos moderadores, que referiram que esta informação é incorreta e que a ABC — canal de televisão que transmitiu o debate — obteve um desmentido das autoridades de Springfield. Ainda assim, Donald Trump não se mostrou convencido e atirou que tem visto “na televisão” o contrário.

Tal como é típico nos seus comícios, o republicano mudou várias vezes de assunto — num segundo falava do porte de armas e no segundo a seguir abordava o tópico das migrações.  Em alguns momentos, o antigo Presidente ficou visivelmente irritado e atirava soundbites de forma indiscriminada contra a rival: “Somos uma nação falhada. O nosso país está a perder-se. Vamos ter uma terceira guerra mundial. Milhões de pessoas estão a entrar no nosso país ilegalmente”.

Donald Trump perdeu por algumas vezes o controlo durante o debate e não completava muitos dos seus raciocínios perante os ataques de Kamala Harris. A defesa parecia sempre estar incompleta. Um dos momentos prendeu-se com as acusações da democrata sobre o dia 6 de janeiro de 2021, em que o Capitólio foi invadido. O republicano referiu que não “teve nada a ver” com o que aconteceu e responsabilizou a antiga líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, autarca de Washington, Muriel Bowser, pela falta de polícia nas ruas.

Não conseguindo explicar claramente a sua falta de ação no dia 6 de janeiro de 2021, Donald Trump continuou a levantar dúvidas sobre o processo eleitoral. “As eleições são más”, afirmou, insistindo que venceu as eleições presidenciais de 2020. “Temos tantos factos e estatísticas”, garantiu, sendo que depois realçou que isso, neste momento, “não interessa”. “Temos um problema: temos uma nação em declínio. Uma nação que está a morrer”, assinalou.

Na parte dedicada à política externa, Donald Trump manteve-se vago. Não respondeu diretamente se quer que a Ucrânia vença a guerra (apenas disse querer terminar o conflito) e atirou que vai acabar com ela mesmo antes de tomar posse, caso vença as eleições. Não deu pistas sobre como o vai fazer; simplesmente, explicou que “ligaria a Vladimir Putin e a Volodymyr Zelensky” e que o Presidente russo e o Presidente ucraniano se iriam sentar e negociar.

A adversária repetiu um argumento que parece ter atingido Donald Trump: o de que “vários líderes” se “riem” das políticas do magnata. Ora, para contrariar essa ideia, o ex-Presidente lembrou as palavras do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que sublinhou que o mundo estava a “explodir” e que precisava de “Donald Trump como Presidente”. “O primeiro-ministro da Hungria é uma pessoa dura, inteligente”, elogiou o republicano. Porém, o chefe do executivo húngaro está longe de ser um político conhecido na cena política norte-americana.

Sobre a guerra do Médio Oriente, Donald Trump também não apresentou soluções; apenas indicou que, se fosse Presidente, o conflito não terminaria. O apoio a Israel foi igualmente tíbio. Em vez disso, o republicano entrou ao ataque, vaticinando que, se Kamala Harris vencer, o país liderado por Benjamin Netanyahu “deixará de existir daqui a dois anos”. E preferiu focar-se no trabalho que fez durante a sua administração e como isso terá criado impactos junto do Irão.

Apesar dessas fragilidades, não é líquido que os apoiantes de Donald Trump vejam esses temas como os mais relevantes desta eleição. E, por isso mesmo, o debate pode não ter sido decisivo, no sentido em que o republicano dificilmente terá perdido votos com ele. Persistem duas dúvidas: se terá sido suficiente para mobilizar alguns indecisos (mesmo entre os republicanos) e, sobretudo, se terá conquistado novos eleitores com a mesma receita que tem usado até agora.

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