Durante dias, homens a pé, em carros e em motas da Polícia Judiciária seguiram 24 sobre 24 horas o jovem de 18 anos suspeito de planear um ataque à Universidade de Ciências da Universidade de Lisboa, na última sexta-feira. Sem que soubesse, o suspeito teve até companhia quando foi fazer um exame na passada segunda-feira.
O Observador apurou que estas equipas foram compostas por entre 10 a 12 inspetores em muitos momentos do dia, sendo que quando caía a noite, na zona oriental de Lisboa, havia uma vigilância com menos homens — isto porque a polícia conseguia, através das interceções telefónicas, perceber o momento em que o aluno de engenharia informática ia dormir e deixava de representar um risco.
Equipas de vigilância reforçadas com pessoal da investigação criminal
Quando na sexta-feira, dia 4, os investigadores conseguiram chegar à identificação da pessoa por detrás do nickname PsychotycNerd#6116, transmitido pelo FBI (após ter recebido uma denúncia) começaram as vigilâncias e as interceções telefónicas. A partir desse dia, sabe o Observador, face à iminência de uma situação que pudesse pôr em risco muitas pessoas, o controlo foi total, a todas as horas, o que em Portugal, devido à falta de meios desta polícia, só acontece em situações muito específicas.
O que se conseguia em determinadas horas do dia era um alívio no número de pessoas e de meios, conforme o que fosse recolhido da monitorização do telemóvel. À noite, por exemplo, chegavam a ficar apenas dois inspetores a fazer a vigilância, havendo sempre a hipótese de reforços imediatos caso se detetasse alguma movimentação.
O objetivo era que nada pudesse fugir ao controlo, mesmo apesar das limitações. E, como nem sempre o pessoal das equipas de vigilância e de pesquisa de informação é suficiente para estar em todos os momentos, nesta operação, foi mesmo necessário, por vezes, pedir reforços à investigação criminal, apurou o Observador.
PJ foi com o suspeito fazer um exame na segunda-feira
Um dos momentos em que mais meios foram mobilizados aconteceu logo na segunda-feira (com entre 10 a 12 elementos), quando “o alvo se mexeu” de manhã e a polícia sabia que o destino era a faculdade: havia equipas de investigação e de vigilância prontas a atuar se houvesse algum indicador de perigo.
O jovem recém entrado para o curso de engenharia informática ia fazer um exame no auditório da FCUL e estava longe de saber que iria estar sempre acompanhado. Desde que saiu de casa, até que chegou à faculdade, na cidade universitária. Lá, os inspetores entraram no edifício e foram com ele até à porta do auditório, onde durante todo o tempo estiveram a ver cada movimento do estudante. “Estiveram sempre ao lado dele. Houve uma vigilância muito apertada”, conta ao Observador uma fonte conhecedora da investigação.
Como acontece quase sempre nestes casos, o suspeito nunca se apercebeu de qualquer movimentação e andou à vontade. Trocou mensagens, falou pouco ao telefone — algo que para a polícia é uma característica comum entre pessoas mais novas, mais ainda em casos em que o nível de socialização é inferior.
As conversas no WhatsApp e a compra de gás
Apesar de terem sido poucas as comunicações de voz no período em que estava a ser vigiado, o jovem manteve sempre uma grande intensidade de mensagens trocadas em plataformas como o WhatsApp e o Discord. Segundo o Observador apurou, nesse período chegou mesmo a publicar algumas coisas que foram confirmando que a polícia não estava no rasto de uma pessoa errada, e que as preocupações tinham razão de ser, dado que a ameaça era real, explicou a mesma fonte.
Ao que o Observador apurou, durante as vigilâncias, a equipa da PJ apercebeu-se, por exemplo, de que foi comprando coisas que não faziam sentido fora do contexto em que estava a ser investigado, uma delas foram pequenas botijas de gás: “Ele, não fumando, para que queria tanto gás de encher isqueiros?” Além disso, tinha também garrafas pequenas de gasolina.
Os cuidados para a noite que passou na prisão da PJ: foi isolado
Desde o primeiro momento que a PJ tem presente que o jovem, apesar de distinguir o bem do mal e ter noção da consequência dos seus atos, terá um distúrbio — a família terá informado as autoridades de que terá sido diagnosticado com Síndrome de Asperger.
Por todo esse contexto, pela idade e também pela complexidade do crime em causa, a Judiciária alertou os serviços prisionais para que fosse tido algum cuidado em relação à noite em que ia passar nas instalações da Rua Gomes Freire, em Lisboa. Inclusivamente houve a preocupação de ter ficado “à parte” dos restantes detidos, revela uma fonte ao Observador.
O perfil traçado pelas autoridades aponta para uma espécie de personalidade padrão comum em quem pratica este tipo de ataques — apesar de muito inteligentes, não são pessoas muito elaboradas, nem têm capacidade para pôr em prática um grande plano, apostam sobretudo na imprevisibilidade. “São extremamente imprevisíveis”, conta ao Observador uma outra fonte, lembrando que são esses os traços de outras pessoas que concretizaram alguns ataques no passado: “Mesmo os jiahdistas são pessoas que, e isso é publico e notório, sofrem de alguma descompensação, indivíduos com dificuldades de adaptação à sociedade”.
Enquanto esteve na cela do edifício-sede da PJ, na noite de quinta para sexta-feira, o jovem não se mostrou nervoso ou apreensivo, o que veio reforçar ainda mais a convicção dos investigadores. Demonstrou, pelo contrário, exteriorizar “muito poucas emoções”, tendo passado uma noite tranquila, sem que se registasse qualquer problema.
O suspeito acabaria por ser presente, na manhã seguinte, a uma juíza, a magistrada do Tribunal Central de Instrução Criminal Maria Antónia Andrade, que validou a indiciação por terrorismo e decretou a prisão preventiva do jovem. Está agora na ala psiquiátrica do hospital prisão de Caxias.
Depois da investigação, porque fez a PJ um comunicado?
Assim que fosse levado a um juiz de instrução pelo crime de terrorismo, já muitas pessoas e muitas entidades teriam tido conhecimento do caso, sendo, como em muitas outras situações, praticamente impossível que esta ameaça ficasse em sigilo. Quem trata da comunicação tem de pensar em tudo. E a iminência de uma notícia logo no dia da detenção também terá contribuído para que a Polícia Judiciária tivesse de tomar uma atitude com celeridade, sabe o Observador, mas não houve dúvidas em lançar um comunicado, à semelhança do que se faz regularmente com outros casos — o texto, esse, terá foi trabalhado em conjunto com o Ministério Público.
Ainda assim, foram diversas as vozes que depois disso consideraram que esta informação não deveria ter sido dada ao público pela Polícia Judiciária. Um desses casos foi a ex-diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) Cândida Almeida, que disse mesmo, em declarações à Rádio Renascença, que “atos terroristas falhados não devem ser divulgados”.
Lançando duras críticas à Polícia Judiciária, Cândida Almeida adiantou ainda que há alguns anos houve um caso idêntico que “ninguém soube”.
Ainda que nestas situações seja muito difícil comparar casos e os tempos obriguem a diferentes abordagens de comunicação, algumas fontes ligadas ao combate a este tipo de criminalidade garantem ao Observador desconhecer por completo que resultados de investigações passadas com este tipo de características e complexidade tenham sido omitidos aos cidadãos. O dever de transparência, apurou o Observador, foi, aliás, uma das variáveis analisadas pela Judiciária antes de avançar com a informação pública.