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Enquanto há países mais "cautelosos" e que procuram não cortar todos os laços diplomáticos com a Rússia, existem outros que manifestam uma "retórica mais bombástica" e declaram publicamente que Moscovo deve perder

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Enquanto há países mais "cautelosos" e que procuram não cortar todos os laços diplomáticos com a Rússia, existem outros que manifestam uma "retórica mais bombástica" e declaram publicamente que Moscovo deve perder

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Hungria "isola-se", eixo franco-alemão "coordenado" e Nórdicos protegem-se. Como evoluíram as alianças na UE desde o início da invasão

A União Europeia tem conseguido manter-se unida na resposta da invasão russa à Ucrânia. Com a guerra à porta, há países mais cautelosos e outros com uma "retórica bombástica" contra a Rússia.

A invasão russa à Ucrânia alterou o equilíbrio de forças na Europa que vigorava desde o final da Guerra Fria. Com um conflito armado à porta, a União Europeia (UE) aprovou seis pacotes de sanções económicas contra a sua vizinha oriental Rússia, censurou meios de comunicação subsidiados pelo Kremlin e demonstrou o seu apoio inequívoco à Ucrânia, que ganhou recentemente o estatuto de candidato para aderir ao grupo dos 27.

Naquilo que se transformou numa das maiores provas de fogo à unidade europeia, os 27 Estados-membros conseguiram coordenar os esforços para responder à ameaça que representa a Rússia. “Até agora, a resposta tem sido bastante unida e todos condenaram a invasão”, descreve ao Observador Marco Siddi, membro do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais. Ainda assim, o especialista destaca que “tem havido diferenças” na maneira como vários países têm reagido à ofensiva militar na Ucrânia e nos obstáculos que criam à aplicação de sanções.

Enquanto há países mais “cautelosos” e que procuram não cortar todos os laços diplomáticos com a Rússia, existem outros que manifestam uma “retórica mais bombástica” e declaram publicamente que Moscovo deve perder, distingue Marco Siddi. Não é de estranhar, portanto, que as alianças e blocos criados ao longo dos anos no seio da União Europeia se modifiquem.

Por exemplo, dentro do grupo de Visegrado (composto pela Hungria, pela Eslováquia, pela República Checa e pela Polónia, todos Estados-membros da UE) existem divisões profundas. “Se, por um lado, os dirigentes polacos, checos e eslovacos se posicionaram ao lado da Ucrânia, a Hungria e o seu primeiro-ministro Viktor Orbán expressaram uma atitude negativa face às sanções contra a Rússia e declararam o desejo de manter as relações próximas com a Federação Russa”, sublinha, em declarações ao Observador, o cientista político eslovaco Juraj Marusiak.

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"Se, por um lado, os dirigentes polacos, checos e eslovacos se posicionaram ao lado da Ucrânia, a Hungria e o seu primeiro-ministro Viktor Orbán expressaram uma atitude negativa face às sanções contra a Rússia e declararam o desejo de manter as relações próximas com a Federação Russa"
Juraj Marusiak, cientista político eslovaco

Apesar de haver alguma discordância dentro das alianças dentro da UE, os 27 têm conseguido passar uma mensagem coordenada. Mas será que os efeitos da guerra se podem estender ao contexto político europeu e colocar em causa o futuro destes blocos?

O grupo de Visegrado: Hungria isola-se

Eslováquia, Hungria, Polónia e República Checa têm um passado recente idêntico. Os quatro países pertenciam à zona de influência soviética até à queda do Muro de Berlim, altura em que se ocidentalizaram e adotaram a democracia liberal como regime político. Em 1991, em homenagem a um encontro que aconteceu na Idade Média para estabelecer um acordo comercial entre os dirigentes boémios, húngaros e polacos, as três nações (na época, a República Checa e a Eslováquia ainda estavam unidas na Checoslováquia) assumiram as suas semelhanças e uniram-se no grupo de Visegrado. 

A aliança possuía um cariz cultural, militar, económico e visava também a adesão comunitária. Em 2004, os quatro países veem um dos seus objetivos cumpridos: a Eslováquia, Hungria, Polónia e República Checa integram a União Europeia e a NATO. Várias funções do grupo de Visegrado ficam, por isso, parcialmente substituídas por Bruxelas e pela aliança transatlântica, mas permaneceu uma relação diplomática preferencial entre os quatro vizinhos do Centro da Europa.

V4 Summit In Katowice, Poland

A última cimeira do grupo de Visegrado, em 2021, com o primeiro-ministro eslovaco, Eduard Heger, o polaco, Mateusz Morawiecki, o húngaro, Viktor Orbán, e o checo, Andrej Babis

NurPhoto via Getty Images

Mais recentemente, os quatro países têm optado por seguir caminhos distintos. Por exemplo, o governo húngaro e polaco estão próximos em termos ideológicos. Assumidamente de direita, os dirigentes políticos de Budapeste e Varsóvia têm estado em rota de colisão com a União Europeia por causa do primado do direito comunitário face à legislação nacional.

O Tribunal Constitucional de Varsóvia decidiu mesmo que a legislação europeia “está subordinada à constituição do sistema jurídico da Polónia”, o que foi encarado como uma afronta a Bruxelas. Os tribunais húngaros não foram tão longe, mas o governo chefiado por Viktor Órban violou as normas comunitárias no que concerne ao direito de asilo. Aliás, no que toca à política migratória e à vaga de refugiados que chegou com mais força à Europa em 2015 (e que se prolongou pelos anos seguintes), a Hungria e a Polónia mantiveram-se unidas em torno de um discurso anti-imigração, que foi naturalmente aproximando os dois países.

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Em contrapartida, a Eslováquia e a República Checa sempre estiveram mais coordenadas com as autoridades de Bruxelas. No caso checo, a ligação com a União Europeia ficou ainda mais forte com a nova coligação que governa o país desde 2021. “A Eslováquia e, agora, os checos estão num lugar diferente comparado com a Hungria e a Polónia no que diz respeito ao Estado de direito — ambos os executivos manifestam um interesse muito claro em fortalecer e não em minar a União Europeia”, admitia fonte do governo eslovaco ao Politico em janeiro de 2022.

“Já há alguns alguns países que veem isto como V2 mais V2”, resumia uma fonte oficial do governo checo ao Politico em janeiro, numa alusão à abreviatura do Grupo de Visegrado (V4): “Nós estamos basicamente em pontos opostos.”

Com a Rússia nas proximidades e com um passado soviético em comum, o grupo de Visegrado está agora diante de um novo desafio. A invasão da Ucrânia poderá ser um momento definidor para esta aliança já debilitada, podendo ser um pretexto para explorar as suas fraquezas. “A atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia mostrou quanto os Estados do V4 diferem um dos outros”, assume, em declarações ao Observador, Lukasz Ogrodnik, analista político do Instituto Polaco de Assuntos Internacionais.

"A atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia mostrou quanto os Estados do V4 diferem um dos outros"
Lukasz Ogrodnik, analista político do Instituto Polaco de Assuntos Internacionais

Contrariamente aos tempos pré-invasão, a divisão da aliança centro-europeia não se traduz pela oposição entre a Polónia e Hungria versus República Checa e Eslováquia. Depois de o Kremlin ter avançado território ucraniano adentro, a Hungria ficou isolada. “Desde 24 de fevereiro, observamos reações muito distintas à guerra. Enquanto a Polónia e a República Checa atuaram rápida e multidimensionalmente — providenciando não só ajuda humanitária, económica, como também militar—, a Hungria até bloqueou o envio de ajuda militar desde o seu território”, explica Lukasz Ogrodnik, que descreve a reação eslovaca como “ansiosa, mas apoiante” de Kiev, devido “à polarização da vida interna política” de Bratislava.

“Agora, a Hungria encontra-se isolada quer na União Europeia quer ao nível do grupo de Visegrado”, afirma, por seu turno, Juraj Marusiak, realçando que a “parceria estável entre Budapeste e Varsóvia, baseada em políticas iliberais e num conjunto de críticas ao primado da lei europeia, acabou”.

A guerra na Ucrânia desviou atenções dos problemas que outrora ligavam a Hungria à Polónia e aquilo a que se assistiu foi a uma aproximação de Varsóvia da política externa checa e eslovaca. Aliás, os dirigentes políticos polacos têm sido dos críticos mais duros da Rússia. O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, disse que o mundo precisava de uma “desputinização” — numa referência ao Presidente russo — e caracterizou a atual ideologia que guia o Kremlin como um “cancro”. Do lado de Budapeste, existe, de facto, uma crítica da invasão — mas muito mais tímida quando se compara com o caso polaco.

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Com mais uma divisão que enfraquecerá ainda mais o grupo de Visegrado, os especialistas dividem-se sobre o seu futuro. Lukasz Ogrodnik clarifica que existe uma “regra não codificada” que pressupõe que a aliança “concorda e atua onde encontra um terreno comum”. “A política europeia de leste nunca foi o denominador comum do V4 e a cooperação a nível externo também não estava no seu centro”, indica o analista político, acrescentando que o grupo de Visegrado “vai continuar a funcionar” normalmente nos próximos anos sob a presidência eslovaca.

Ainda assim, Lukasz Ogrodnik ressalva que “a posição húngara na guerra enfraqueceu a sua posição entre os outros países da Europa Central”. “Após a situação desconfortável na União Europeia, o primeiro-ministro Viktor Orbán está a enfrentar um cenário de marginalização até no grupo de Visegrado”, reforça o analista político do Instituto Polaco de Assuntos Internacionais, exemplificando com o facto de não se ter realizado uma reunião da aliança à margem do último Conselho Europeu.

Primeiro-ministro hungaro, Viktor Orbán

Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, encontra-se isolado na resposta à invasão da Ucrânia no grupo de Visegrado

JOHANNA GERON / POOL/EPA

Por sua vez, Juraj Marusiak dramatiza o discurso. “A recente agressão russa contra a Ucrânia pode contribuir para uma desestabilização de toda a região da Europa Central”, lamenta o especialista, que considera que a cooperação “foi um dos maiores sucessos” na política externa dos quatro países: “Contribuiu para um desenvolvimento pacífico da região, que antes de 1945 era caracterizado por um nacionalismo agressivo, um revisionismo territorial e até guerra”.

Apontando o dedo às autoridades húngaras, o analista político eslovaco alerta para uma “possível reemergência do revisionismo territorial húngaro”, justificado pela presença de “minorias húngaras a viver em países vizinhos”, como a Ucrânia, a Eslováquia, a Roménia ou a Sérvia.

Porém, Juraj Marusiak é da opinião de que a integração europeia faz com que os quatro países estejam “interligados por laços económicos, financeiros e até familiares”, o que diminui o risco de uma política externa mais agressiva da Hungria. Para o futuro, o analista político recomenda que a aliança se envolva em “atividades não políticas” como forma de aumentar a “coesão interna” da região, dando como exemplo o desenvolvimento de projetos na área dos transportes ou o incremento da cooperação científica. “Todos os países da região perderiam se o grupo de Visegrado acabasse”, sublinha.

No Centro da Europa, há um país que pertence à União Europeia e que não está integrado no grupo de Visegrado cuja resposta à invasão da Ucrânia permanece uma incógnita: a Áustria. Não sendo membro da NATO, Viena desfruta de uma posição de intermediária entre a UE e a Rússia — não surpreende, portanto, que o chanceler austríaco, Karl Nehammer, tenha sido o único líder dos 27 a deslocar-se a Moscovo e a Kiev em abril.

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Mesmo depois da guerra na Ucrânia e de alguns episódios marcantes, como o massacre de Bucha, “o estatuto neutral da Áustria prevalece”, refere Lukasz Ogrodnik, que dá conta de que “a neutralidade reconhecida internacionalmente não é questionada na política interna do país e tem um forte apoio por parte da população”.

“O estatuto neutral da Áustria prevalece. A neutralidade reconhecida internacionalmente não é questionada na política interna do país e tem um forte apoio por parte da população"
Lukasz Ogrodnik, analista político do Instituto Polaco de Assuntos Internacionais

Assim, Lukasz Ogrodnik aclara que, ao contrário da Finlândia e da Suécia, “a Áustria continua a não desejar aderir à NATO”, apesar de estar envolvida na “cooperação estrutural permanente” no que concerne à política de segurança da União Europeia. Além disso, Viena condenou publicamente a invasão, sendo que o chanceler austríaco anunciou “querer aumentar os gastos com a Defesa”. É, segundo o analista político do Instituto Polaco de Assuntos Externos, uma “neutralidade flexível”, postura inédita na UE e que tem sido “instrumentalizada pelas autoridades e partidos políticos austríacos para justificar várias decisões”.

Os Bálticos: os críticos mais acérrimos da Rússia

A relação da Polónia com a Hungria — que tinha o estatuto de maior aliado na União Europeia — saiu fragilizada do pós-24 de fevereiro, mas talvez Varsóvia tenha ganhado outras relações preferenciais. Em linha com a retórica agressiva face a Moscovo, pela parte dos dirigentes polacos, está a posição das três repúblicas Bálticas — Estónia, Letónia e Lituânia — que têm sido os críticos mais acérrimos da Rússia.

Partilhando a fronteira com a Rússia, os três países, que também são Estados-membros da NATO, temem uma possível invasão russa, algo que alguns especialistas já vaticinaram. A própria primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, não descarta esse cenário, ressaltando que uma possível ofensiva russa destruiria por completo as três repúblicas bálticas. O bloqueio parcial de Kaliningrado veio aumentar a tensão na região, com as autoridades russas a prometerem “retaliações” à Lituânia.

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Para Lukas Andriukaitis, analista político lituano pertencente ao think tank Atlantic Council, o Kremlin olha, neste momento, para a Estónia, Letónia e Lituânia como uma “maneira de testar a unidade ocidental”. Embora considere que se configura “improvável” que a Rússia desencadeie uma ofensiva militar contra os três países (que levaria à entrada da NATO na guerra na Ucrânia e a um escalar do conflito para uma provável guerra mundial), Moscovo vê nisto uma forma de “conseguir testar os pontos mais fracos da União Europeia”.

“É difícil dizer o quão alto o Kremlin vai tentar aumentar a temperatura política”, diz Lukas Andriukaitis, que refere que Moscovo “não tem qualquer problema em ameaçar países pequenos”. Face ao fantasma de uma possível invasão, “os dirigentes estónios, letões e lituanos pedem um reforço da presença militar europeia (e também da NATO) na região”, destaca Marco Siddi, membro do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais. Os mesmos países estiveram na linha da frente da defesa de mais sanções sobre Moscovo e declaram que a Rússia deve sair a perder com o conflito em curso. Estão, por conseguinte, mais unidos do que aquilo que já estavam antes da invasão.

“É difícil dizer o quão alto o Kremlin vai tentar aumentar a temperatura política. Moscovo não tem qualquer problema em ameaçar países pequenos”
Lukas Andriukaitis, analista político lituano pertencente ao think tank Atlantic Council

Nórdicos: unidos contra a Rússia

Os bálticos não são os únicos a temer que a ofensiva militar russa vá mais além do que a Ucrânia e chegue a outros territórios — os países Nórdicos também partilham desse receio. Geograficamente próximos da Rússia, e partilhando o acesso direto ao Mar Báltico, a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia estão “conscientes dos novos perigos que enfrentam”, assume Peter Nedergaard, professor de ciência política da Universidade de Copenhaga.

A resposta à invasão russa por parte da Dinamarca, Finlândia e Suécia foi “praticamente a mesma”, apoiando os dirigentes de Kiev em termos militares, económicos e humanitários. E as consequências na política interna também. Peter Nedergaard esclarece que “os países nórdicos ocupavam mais tempo em outros conflitos, como no Iraque, no Afeganistão, ou em África”, mas as atenções estão, atualmente, praticamente todas apontadas à guerra na Ucrânia.

Lembrando “outros conflitos históricos”, os países nórdicos encaram a Rússia como uma ameaça e não fazem questão de o esconder. “A Suécia e a Finlândia vão aderir à NATO e todos os países Nórdicos [há ainda a Noruega, a Islândia e a Dinamarca] pertencerão à aliança militar”, frisa Peter Niederstrom, que também menciona que o governo dinamarquês, após um referendo à população, decidiu aderir à Política Comum de Segurança e de Defesa da União Europeia.

Dinamarca vota a favor da adesão à Política Comum de Segurança e de Defesa da União Europeia

“Os gastos militares aumentarão nos países nórdicos”, nota o analista político da Universidade de Copenhaga, que também alerta para o perigo que pode simbolizar uma eventual tentativa de controlo russo do Oceano Ártico para os territórios da Dinamarca (como as ilhas Faroé ou a Gronelândia), a Finlândia, a Suécia e a Noruega. “Há uma maior pressão por parte dos países Nórdicos para defender o Oceano Ártico”, afirma Peter Niederstrom.

Around Stockholm Feature

O mar Báltico tornou-se um foco de tensão entre os países Nórdicos, como a Suécia e a Rússia

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Tal como os países bálticos, a invasão da Ucrânia aumentou a cooperação institucional entre os nórdicos, principalmente na área militar, caracterizando a Rússia como a sua maior ameaça à integridade territorial destas nações.

O eixo franco-alemão mantém vitalidade?

Para entender a maneira como a UE respondeu à invasão da Ucrânia, é essencial perceber o posicionamento dos dois maiores países do espaço comunitário — Alemanha e França — e de que modo o eixo franco-alemão se articulou para responder à guerra na Europa.

Do ponto de vista alemão, a guerra na Ucrânia “foi difícil de gerir”, reconhece Marco Siddi, que expõe que Berlim “dependia de energia russa barata”, algo que foi um desafio para as autoridades alemãs numa altura em que a Ucrânia apelava a que se diminuísse a dependência energética da Europa face à Rússia. “A Alemanha é um grande poder industrial e a guerra fez com que tivesse de acelerar a sua transição energética, algo que não é fácil levar a cabo de um momento para o outro”, diz o especialista do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais, acrescentando que, como consequência, o país também teve de reativar parte das suas indústrias de carvão.

Existe igualmente uma mentalidade antiguerra na Alemanha, aponta Marco Siddi, que sublinha que os governos alemães tendem a evitar uma escalada de tensão e uma atitude de confronto nos conflitos internacionais. Daí que, reforça o especialista, Berlim tenha tido tanta renitência em enviar armamento pesado para solo ucraniano.

No que diz respeito a França, Marco Siddi sublinha que o país “não é tão dependente da energia russa quanto a Alemanha, por causa da energia nuclear”, mas “existe alguma dependência, uma vez que algumas empresas francesas se mantêm na Rússia”. No entanto, o que é mais importante para o Presidente francês é “tentar colocar França enquanto ator independente dos Estados Unidos na comunidade internacional”.

“Emmanuel Macron tem tentado manter a porta aberta para as negociações, embora tenha apoiado as sanções e tenha condenado a invasão”, determina Marco Siddi, que preconiza que o Presidente francês vá manter essa atitude “no futuro”. O motivo? “Macron espera por uma oportunidade para recomeçar as negociações para ser ele a conseguir resolver” a guerra na Ucrânia.

“Emmanuel Macron tem tentado manter a porta aberta para as negociações, embora tenha apoiado as sanções e tenha condenado a invasão”
Marco Siddi, membro do instituto finlandês de assuntos internacionais

Daí que o Presidente francês tenha mantido uma “postura mais moderada” — não queimando todas as pontes com a Rússia — em comparação com outros líderes mundiais, como o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ou o Presidente norte-americano, Joe Biden, que têm um discurso muito mais duro contra o Kremlin.

Contudo, este esforço de manter a porta aberta à Rússia não é bem-visto por todos os Estados-membros, sendo prejudicial para “a atmosfera política” da União Europeia, ressalva Marco Siddi. Por exemplo, a primeira-ministra da Estónia criticou abertamente Emmanuel Macron por decidir continuar a falar com Vladimir Putin: “Eu não vejo qual é o ponto de falar com o Presidente russo se queremos passar a mensagem de que está isolado e a mensagem de que não vai escapar impune e será responsabilizado por todos os crimes cometidos.”

Primeira-ministra da Estónia critica Macron e diz que cabe a Putin “salvar a sua face” ao enviar tropas “de volta para a Rússia”

Além das particularidades dos dois países face à Rússia, o eixo franco-alemão foi também o “principal mediador dos acordos de Minsk” — assinados em 2015 com o objetivo de terminar o conflito na região de Donbass. “O colapso — ou, pelo menos, o colapso temporário dos acordos de Minsk — é visto como um falhanço diplomático para as autoridades de Berlim e de Paris”, comenta Marco Siddi.

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A ex-chanceler Angela Merkel, o Presidente bielorrusso, Lukashenko, o ex-Presidente francês Hollande, o Presidente russo, Putin, e o ex-Presidente ucraniano Poroshenko a discutir acordos de Minsk

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Tendo em conta todas as circunstâncias, Marco Siddi conclui que existe uma “forte coordenação” entre os diplomatas alemães e franceses no que toca à invasão da Ucrânia: “Há uma espécie de combinação.” De igual modo, o especialista nota que cabe à Alemanha e a França delinear uma estratégica distinta da dos Estados Unidos e do Reino Unido no Ocidente, tal como lhes cabe encontrar “compromissos” entre as posições mais duras ou brandas contra a Rússia entre os 27.

O eixo franco-alemão ficou, portanto, mais fortalecido, o que dá boas condições para que Olaf Scholz consiga uma relação de proximidade idêntica à da ex-chanceler alemã, Angela Merkel, com o Presidente francês. Contudo, “ainda não é possível compreender qual é o tipo de relação entre o chanceler alemão e o chefe de Estado francês”, salienta Marco Siddi.

Países do sul da Europa: longes da Rússia, mais indiferentes ao conflito?

No sul da Europa, a reação à guerra é menos evidente, em comparação com outros Estados-membros (pelo menos, em termos de retórica) por causa da distância geográfica com a Rússia que, segundo aponta Marco Siddi, “não é vista como uma ameaça” nem é fonte de tanta dependência.

No caso italiano, por exemplo, Marco Siddi explica que pode existir um certo “cansaço” na população, devido aos efeitos colaterais da guerra, tais como o aumento do custo de vida, o aumento do preço da energia e dos combustíveis. “A opinião pública pode posicionar-se contra uma atitude de confrontação militar”, refere o especialista finlandês, que destaca que as próximas eleições italianas (marcadas para 25 de setembro) poderão ser um barómetro para perceber se a atual resposta à invasão reúne ou não o apoio entre a população.

Portugal é o segundo país do mundo com a visão mais negativa sobre a Rússia (nem na Ucrânia a opinião é tão má)

Já em Espanha e em Portugal, apesar dos efeitos colaterais, existe um apoio inequívoco à Ucrânia. Vários estudos mostram que a população dos dois países reprova a invasão militar e está favorável à aplicação de mais sanções. Um estudo realizado pela organização Aliança das Democracias no final de maio mostra que 83% dos inquiridos portugueses (o segundo país com a maior taxa de reprovação, ainda maior do que a da Ucrânia) e 66% dos espanhóis têm uma opinião negativa relativamente à Rússia.

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