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Conferência de imprensa da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, (E-D) Filipa Tavares, Ana Nunes de Almeida, Pedro Strech, Álvaro Laborinho Lúcio, Daniel Sampaio e Catarina Vasconcelos, para apresentação do relatório final, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, 13 de fevereiro de 2023. A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, anunciou hoje o coordenador Pedro Strecht. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
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Filipa Tavares, Ana Nunes de Almeida, Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, Daniel Sampaio e Catarina Vasconcelos compuseram a comissão independente

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Filipa Tavares, Ana Nunes de Almeida, Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, Daniel Sampaio e Catarina Vasconcelos compuseram a comissão independente

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Igreja. Lista de abusadores no ativo que a Comissão está a preparar terá mais de cem nomes e não vai incluir só padres

Comissão ainda está a cruzar dados, mas espera ter a lista dos alegados abusadores no ativo pronta entre fim de fevereiro e início de março. Escuteiros, acólitos e freiras também vão constar da lista.

A Comissão Independente que ao longo do último ano investigou os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica em Portugal deverá concluir a lista dos alegados abusadores no ativo entre o final de fevereiro e o início de março. O documento deverá ter pouco mais de 100 nomes, maioritariamente padres, mas também outros elementos da Igreja, e será entregue à Conferência Episcopal Portuguesa e ao Ministério Público.

Ao que o Observador apurou, os elementos da Comissão Independente estão atualmente a fazer um extenso trabalho de cruzamento de dados: à informação recolhida diretamente pela comissão através das centenas de testemunhos que foram prestados pelas vítimas através dos canais de contacto, junta-se também uma grande quantidade de informação recolhida pela equipa de investigadores que colaborou com a comissão na análise dos arquivos das dioceses portuguesas.

Leia aqui o relatório completo sobre os abusos na Igreja

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Os dados oriundos dessas duas fontes de informação têm de ser cruzados para perceber quais os casos que se sobrepõem, quais os que são exclusivos dos testemunhos das vítimas (e sobre os quais a equipa de investigadores não encontrou nada nos arquivos) e quais aqueles que existem nos arquivos e que não foram objeto de qualquer testemunho.

O que é certo, sabe o Observador, é que a lista não vai incluir apenas padres: vão constar daquela lista todas as pessoas apontadas como abusadoras nos dados recolhidos pela comissão, incluindo catequistas, acólitos, seminaristas, chefes de escuteiros, frades e freiras, professores, entre outros. Ainda assim, é difícil antever até que ponto é que a jurisdição da Igreja Católica (aquela que com maior probabilidade poderá ser usada para julgar casos mais antigos) se aplicará realmente a pessoas que não sejam do clero.

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De qualquer modo, o número de padres será maioritário. Informações recolhidas pelo Observador apontam para que se traduza, nesta lista de abusadores no ativo, o mesmo padrão registado na generalidade dos abusadores mencionados no estudo: cerca de três quartos classificados como padres e cerca de um quarto de outras categorias.

O relatório final foi entregue pela comissão independente ao presidente da CEP, D. José Ornelas

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A lista dos alegados abusadores que ainda estão no ativo foi prometida pelos elementos da comissão independente na segunda-feira, na sessão de apresentação do relatório final do grupo de trabalho liderado por Pedro Strecht, que incluiu também o psiquiatra Daniel Sampaio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio e a cineasta Catarina Vasconcelos.

Ao longo do ano de trabalho, a comissão recebeu 512 testemunhos de vítimas que afirmam ter sofrido abusos às mãos de membros do clero ou de outros elementos da Igreja Católica. A partir dos dados recolhidos, a comissão estimou também um “número potencial de 4.815 vítimas” de abusos na Igreja em Portugal desde a década de 1950 — com a maioria dos casos denunciados a situarem-se entre as décadas de 1960 e 1980.

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O relatório final da comissão, essencialmente centrado na experiência das vítimas, inclui menos informações sobre os abusadores e os encobridores: sabe-se que a esmagadora maioria (96,9%) são homens e mais de três quartos (77%) são padres. Há também uma expressão considerável dos professores (9,6%), dos frades e freiras (4,5%), dos seminaristas (4,3%), dos catequistas (3,9%), dos diretores de instituições (2%), dos acólitos (1,8%), dos sacristães (1,6%) e dos leigos (1%).

Abusadores no ativo revoltam vítimas

Sabe-se, igualmente, que muitos destes abusadores ainda se encontram no ativo, com funções atribuídas pela Igreja Católica em Portugal. No relatório final surgem, inclusivamente, vários relatos de vítimas que demonstram uma grande “revolta” pelo facto de ainda verem o seu abusador em funções.

“Sente uma grande revolta ‘por ver que continua a ser (embora sem contacto com miúdos) escuteiro no ativo, com papel de relevo em situações da Igreja; é um conceituado professor universitário'”, lê-se numa referência a uma vítima do sexo feminino que nasceu na década de 1970. O seu chefe de escuteiros abusou sexualmente dela quando a jovem tinha 16 anos e frequentava o 9.º ano — e o abusador tinha entre 25 e 27 anos.

Como a Comissão calculou as 4.815 potenciais vítimas de abusos

Outro padre, identificado no relatório como “padre A.” e nascido “em meados do século passado”, abusou sexualmente de um rapaz de 14 anos que frequentava a escola onde dava aulas “no princípio deste século”. Atualmente, não só “continua no ativo” como “tem vindo a desempenhar cargos de relevo na diocese onde está incardinado, que é a mesma onde ocorreram os abusos”.

Na sessão de apresentação do relatório, na segunda-feira, Pedro Strecht revelou outro caso, o do atual presidente de uma comissão diocesana de proteção de menores que foi, ele próprio, apontado como abusador.

Pedro Strecht, o coordenador da comissão independente, apelou à Igreja Católica que afaste e investigue os suspeitos de abuso

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Apesar de o relatório final não incluir qualquer referência à identidade dos abusadores, os membros da Comissão Independente prometeram enviar para a Conferência Episcopal Portuguesa e para o Ministério Público uma lista de nomes de alegados abusadores que ainda se encontram no ativo. Esta lista junta-se aos 25 casos que foram remetidos para o Ministério Público por dizerem respeito a situações que ainda não prescreveram e que, por isso, ainda podem ser objeto de investigação por parte das autoridades judiciais.

Igreja poderá afastar padres abusadores

A decisão de enviar esta lista foi tomada pela comissão “depois de muito ponderar” sobre o que fazer com um grande conjunto de casos que são particularmente complexos: aqueles que já prescreveram, mas cujo suspeito continua vivo e no ativo. O grande problema destes casos está associado ao alto risco de reincidência dos crimes de abuso sexual de crianças — e com o medo que os elementos da comissão têm de que a não investigação destes casos devido à prescrição permita que potenciais abusadores continuem a contactar com crianças.

Os números, os métodos e a reação da Igreja. Como se compara o relatório dos abusos na Igreja com investigações de outros países?

No final, a comissão independente decidiu não incluir o nome dos abusadores no relatório final (ao contrário do que fizeram outras comissões, noutros países), mas elaborar uma lista com os abusadores ainda no ativo e enviá-la para a Igreja e para o MP. Por um lado, a Igreja poderá abrir processos canónicos aos abusadores, uma vez que o prazo de prescrição no Direito Canónico é mais alargado e pode até ser derrogado pela Santa Sé; por outro lado, caberá ao MP decidir se pretende ou não dedicar especial atenção àqueles suspeitos, mesmo que os seus alegados crimes já tenham prescrito.

Já depois da apresentação do relatório final, na segunda-feira, o bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, reagiu ao relatório garantindo que “os abusadores de menores não podem ter cargos dentro do ministério“.

D. José Ornelas reagiu numa conferência de imprensa na tarde de segunda-feira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No entanto, o bispo salientou que “cada caso é um caso” e que para cada um deles terá de ser aberto o respetivo processo canónico, “para não andarmos à caça de bruxas, para que quem realmente cometeu crimes seja punido”. Na conferência de imprensa da tarde de segunda-feira, em reação ao conteúdo do relatório, o bispo não se comprometeu com o afastamento preventivo de todos os padres que surjam na lista, embora essa seja uma das possibilidades previstas pelo Direito Canónico.

Para o pedopsiquiatra Pedro Strecht, é na mudança nas lógicas de ação da Igreja Católica que reside o sucesso da justiça para as vítimas. “Não chega retiros espirituais, não chega retiradas transitórias de situações. Desculpem-me a linguagem, mas não há milagres”, disse Strecht na conferência de imprensa. “Não querendo ser Humberto Delgado… Obviamente, afastava-os.”

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa foi estabelecida no final de 2021 por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, após um debate público intenso em Portugal em torno do assunto, devido ao escândalo que eclodiu em França na sequência da publicação de um relatório semelhante.

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