Depois do Governo ter apresentado um conjunto de medidas anti-inflação para as famílias e para as empresas, Marcelo Rebelo de Sousa pressionou o Executivo de António Costa para divulgar o cenário macroeconómico do próximo ano e revelar a sua visão para 2023.

“Estamos a três semanas da entrega do Orçamento do Estado (OE), e OE é acompanhado de um cenário económico. (….) O Governo tem de dizer ao país: no ano que vem, o crescimento, em vez de ser 6/7% é 1% ou 2%; a inflação continua alta ou não? O emprego continua [com] pleno emprego ou não? Turismo: continua ou não continua? O investimento continua ou n continua? O consumo continua alto ou quebra?”, questionava, a 17 de setembro, o Presidente da República, para ouvir António Costa remeter essa divulgação para quando fosse apresentado o Orçamento do Estado para 2023 — tem de entrar na Assembleia da República a 10 de outubro.

“Todos temos de ter preocupações sobre o próximo ano, sobre o dia de amanhã e sobre todos os anos. A verdade é que, neste ano, segundo as previsões da Comissão Europeia, Portugal é o país que mais cresce em toda a União Europeia“, respondeu Costa poucos dias depois. E já esta semana, à saída da cerimónia do 5 de Outubro, o primeiro-ministro levantou a ponta do véu, dizendo que o Governo afastava para 2023 um cenário de recessão, embora espere um “crescimento moderado, ajustado às realidades do tempo”, mas prometeu que seria uma projeção de crescimento acima da média europeia.

Esta sexta-feira, 7 de outubro, o cenário foi finalmente conhecido. O Governo aponta para um crescimento de 1,3% em 2023, para um défice nesse ano de 0,9%, uma dívida de 110,8% do PIB. E para uma inflação (índice de preços ao consumidor) de 4%.

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Conhecido o cenário do Governo para o crescimento económico do próximo ano, Marcelo Rebelo de Sousa comentou: “Para o ano que vem, o crescimento provavelmente é realista, com o empurrão deste ano”. Mas deixou outra tónica: “A inflação porventura é mais questionável mas não é impossível, há quem defenda isso [valores alinhados com as projeções do Governo], há que defenda inflações superiores”. E sentenciou: “Se for possível [4%] não é o El Dorado, mas é melhor do que muitos pensavam, do que eu próprio pensava. Se não for possível é porque a situação internacional se manteve muito grave ou se complicou”. Para o Presidente, quando o Governo faz esta projeção é porque tenta “jogar no seguro, não é um exercício de maquilhagem política”.

Crescimento afasta recessão

Para 2023 o Governo aponta para um crescimento de 1,3%, acima dos 1,2% projetados há poucos dias pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP). Estas são as projeções mais recentes. A da Comissão Europeia é de julho nos 1,9% e a da OCDE (1,7%) e FMI (1,9%) de junho — haverá na próxima semana novas projeções do Fundo Monetário Internacional. Também a de crescimento de 2,6% para 2023 do Banco de Portugal é de junho, não tendo sido atualizada no Boletim Económico divulgado esta semana, no qual, no entanto, foi também afastado o cenário de recessão apesar da “desaceleração significativa da atividade”.

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Mas é mesmo uma recessão que, no entanto, a Cosec já está a antecipar. “A economia portuguesa deverá entrar em contração no próximo ano, seguindo assim a trajetória de outras economias do euro”, segundo a análise feita pela Allianz Trade, acionista da Cosec – Companhia de Seguro de Créditos, que reviu em baixa em setembro a evolução do PIB nacional. Se em julho ainda apontava para uma subida de 1,7%, em 2023, do PIB nacional, agora, em setembro, colocou o sinal negativo na projeção de evolução do produto português, acreditando que a economia cairá 0,3% no próximo ano.

Contactado pelo Observador, Pedro Braz Teixeira, do Forum para a Competitividade, não vê que os 1,3% em 2023 sejam desajustados, lembrando, aliás, as projeções do Conselho das Finanças Públicas, mas é verdade que a realidade “pode dar grandes voltas”. O próprio CFP, cuja projeção de crescimento é de 1,2%, adverte que esse valor “pode, na verdade, ser considerada algo otimista, pois poder-se-ão materializar perspetivas menos animadoras que ainda não se refletem nos cenários quantitativos avançados pelas instituições de referência à data de elaboração da projeção do CFP. Consequentemente, não se pode excluir a hipótese de recessão nalguns dos nossos principais parceiros comerciais, o que teria implicações inevitáveis em Portugal”. Pedro Brinca, professor da Nova SBE, também recorda o número da CFP para dizer ao Observador que “parece que não falta realismo” aos 1,3% de projeção do Governo. Ainda assim, acrescenta, acaba até por continuar a ser conservador, se tivermos em linha de conta que há menos de seis meses as projeções da Comissão Europeia, da OCDE e até do Banco de Portugal (na estimativa de junho) apontavam para valores superiores.

Ainda assim os 1,3% é compatível, segundo Braz Teixeira, com um cenário de recessão técnica a meio do ano (dois trimestres de contração em cadeia seguidos). O BCE traçou, aliás, um cenário adverso que aponta para uma recessão na zona euro de 0,9% no próximo ano, isto apesar do cenário base estar ainda no ponto de crescimento de 0,9%.

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A OCDE aponta para um crescimento da zona euro de 0,3%, pelo que também no próximo ano Portugal conseguirá crescer mais que o bloco no qual está integrado.

Há variáveis que podem mexer estes ponteiros. Para já o motor da economia portuguesa em 2022 está no turismo e no consumo privado, segundo antecipa o Banco de Portugal que esta semana reviu em alta o crescimento deste ano de 6,3% para 6,7%, a projeção que o CFP tinha para o PIB deste ano. O Governo aponta para um crescimento de 6,5% em 2022.

Um défice que garante margem ao Governo

Nas projeções que o Governo apresentou aos partidos esta sexta-feira, e que tinha antecipado ao Público, é apontado um défice de 0,9% para 2023. O mesmo é dizer que, considerando a projeção de ter este ano um défice de 1,9% e que as medidas anti-inflação pesaram um ponto percentual nas contas, o ponto de partida (sem extraordinários) de 2023 não será agravado.

E ficará abaixo dos 3% que para já são uma meta orçamental europeia teórica, já que as regras estão suspensas. O Conselho das Finanças Públicas aponta para um equilíbrio orçamental em 2023, deixando de haver défice para ter até um ligeiro excedente de 0,1%. Mas este organismo parte de um ponto de partida mais baixo — é que espera para 2022 um défice inferior ao do Governo, apontando para um saldo negativo de 1,3%.

O CFP espera este equilíbrio, mesmo num cenário de menor crescimento e considerando uma atualização salarial da função pública em linha com a inflação do próximo ano (no caso do CFP de 5,1%). Segundo revelou no seu documento de projeções económicas, de setembro, o CFP explica que o seu cenário orçamental “inclui uma atualização dos vencimentos na função pública de acordo com a inflação prevista para 2023”. O Governo já anunciou que a atualização salarial da função pública será de 3,9% em 2023, com um crescimento da massa salarial de 5,1%.

O organismo liderado por Nazaré Costa Cabral alerta, no entanto, que este desempenho “poderá ser negativamente afetado pela eventual manutenção de algumas das políticas de emergência adotadas em 2022, o que, de acordo com um estudo de sensibilidade efetuado pelo CFP, elevaria o défice até aos 0,4 pontos do PIB”.

É também nos alertas sobre a evolução da economia, das taxas de juros e de algumas variáveis que Pedro Brinca coloca a sua análise à projeção de défice de 0,9%.

Para Braz Teixeira, o défice de 0,9% apontados pelo Governo significa que o Estado ainda conseguirá benefícios fiscais com a inflação, tal como está a acontecer este ano.

A inflação é boa ou má para as contas públicas?

Em tempos de inflação elevada, Braz Teixeira olha como muito relevante para a evolução da dívida em função do PIB. O Governo aponta para os 110% em 2023, o que comparará com os 115% deste ano, segundo. Ficará abaixo da de Espanha, que aponta para uma dívida de 116,1% este ano e de 112,4% para 2023. Mas também aqui os governos estão a beneficiar com a inflação e com o crescimento nominal do PIB (acima da taxa de juro da dívida).

Uma inflação melhor ao que Marcelo esperava

O Governo aponta para um índice de preços ao consumidor de 4% em 2023, contra uma inflação de 7,4% este ano. E é no valor projetado para o próximo ano que as vozes de alerta se levantam. “É completamente fora”, decreta Pedro Braz Teixeira. O Conselho das Finanças Públicas vai falando numa inflação, em 2023, de 5,1% (IHPC). A projeção do Governo é o IPC, que diferem ligeiramente. É o IPC que conta para os indexantes de apoios sociais.

As palavras de Braz Teixeira têm em conta as projeções para o bloco europeu de organismos internacionais. O BCE aponta para uma inflação, em 2023, da zona euro de 5,5% e a OCDE de 6,2%, pelo que, segundo o economista, “os números da inflação do Governo estão desfasados das perspetivas internacionais” e conclui dizendo que “estes 4% não têm credibilidade”. Mas Pedro Brinca aponta outros valores nomeadamente os da Comissão Europeia que nas projeções de primavera (em julho) antecipou uma inflação de 4,6% em 2023 para a União Europeia e de 4,3% para a zona euro e de 3,6% para Portugal. “Há uma incerteza total em relação a este indicador”, atesta Pedro Brinca, lembrando que nas projeções internacionais a inflação para a zona euro vai de 3,6% aos 5,5%, variando consoante o organismo. “É muito difícil antecipar em que medida a economia real vai abrandar — e como isso tem impacto na inflação –, como se vai desenvolver a componente energética. Há um conjunto de imponderáveis e muita incerteza”.

De qualquer forma, o economista da Nova SBE concluiu lembrando que há muitos estudos que dão conta que as previsões dos governos são sistematicamente mais otimistas do que as outras até porque acaba por beneficiar de estimativas mais conservadoras (em alguns aspetos). Mas quando se fala de projeções, realça Pedro Brinca, não se pode ficar agarrado a estimativas pontuais.