A Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal tinham um casamento marcado, com trocas de promessas à vista de todos, mas a realidade estragou os planos e os mandatos conseguidos pelos dois partidos não permitiram alcançar a maioria absoluta que possibilitava um governo com PSD, CDS e IL ou até um governo PSD/CDS com o apoio da IL. Votos contados e cenário de maioria afastado, a IL prefere ficar fora do Governo (para o qual também não foi ainda convidada) e avaliar o sentido de voto caso a caso no Parlamento.
“Não será pela IL que não haverá uma solução estável de governação”, deixou claro Rui Rocha logo na noite eleitoral, espelhando aquele que tem sido o sentimento do partido ainda que tenha decidido ficar fora da coligação. O líder da IL deu garantias de que o “sentido de responsabilidade” não será esquecido independentemente dos “cenários que se venham a colocar” — e mesmo que a IL integrasse um governo não considera uma “questão essencial” ter membros no executivo.
Se antes das eleições e durante a campanha eleitoral, Rui Rocha foi tentando provocar Luís Montenegro, nomeadamente com desafios sobre propostas, também foi sempre esbarrando na falta de respostas e em algumas tentativas de captar o voto útil, até mais de figuras que foram juntando à campanha da AD do que do próprio líder. Mas com mais ou menos declarações de interesses, tanto no PSD como na IL se torcia para que os dois partidos fossem capazes de assegurar uma solução estável à direita sem contar com o Chega. Não aconteceu e é hora de recentrar as expectativas.
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No núcleo duro da IL considera-se que o cenário preferencial é o de não integrar o governo e que o partido possa avaliar caso a caso e ir decidindo o sentido de voto no Parlamento. Na IL acredita-se que isso permitiria ao partido preservar a autonomia estratégica e continuar a apresentar as suas ideias para o país sem uma colagem constante aos sociais-democratas e sem que os liberais passassem a ser vistos como um CDS 2.0. Aliás, o vice-presidente e cabeça de lista por Lisboa, Bernardo Blanco, chegou a dizer a propósito das eleições internas no partido, numa entrevista ao Observador, que “o maior perigo é a IL transformar-se no CDS e morrer”.
Numa comparação com aquela que foi uma decisão que marcou estas eleições — a nega dos liberais à coligação —, na cúpula liberal calcula-se que ficar fora de uma solução governativa, mesmo com a responsabilidade de assegurar a estabilidade às costas, acaba por ser mais confortável e até interessante — com a possibilidade de haver acordo em medidas que tenham um cunho mais liberal e com a avaliação individual de cada proposta.
A somar a essa crença, e apesar de os liberais assumirem constantemente que o objetivo primordial é travar mais um governo socialista, a IL não se imiscuiu de fazer críticas ao PSD — usando a tática de nunca ostracizar aquele que podia ser um futuro parceiro de governo —, chegou a apresentar um documento com 10 condições fundamentais para um acordo e Rui Rocha, numa entrevista ao Observador, disse mesmo que “só a IL tem essa visão reformista” e que o PSD tem “um conjunto de questões sobre as quais não tem a coragem necessária”.
Portanto, e tendo em conta uma conjuntura em que sociais-democratas, democratas-cristãos e liberais não foram capazes de conquistar uma maioria nas urnas, para a IL nem sequer faz sentido a existência de um acordo parlamentar, como aconteceu em 2015 à esquerda com a geringonça. Ainda assim, e tendo em conta que para o PSD muito provavelmente também não fará grande sentido negociar com a IL eventuais lugares de governo, os liberais não fecham a porta com estrondo, não colocam de parte futuras avaliações de cenários que venham a estar em cima da mesa, mas dificilmente quererão fazer parte de um executivo.
O objetivo falhado numa noite agridoce
Os resultados não são aqueles que a Iniciativa Liberal esperou, nem tampouco os quantitativos que o presidente liberal estabeleceu: 12 deputados. A derrota só não foi maior porque, ao cair do pano, a IL conquistou o oitavo liberal, o que reflete um resultado igual às legislativas de 2022 e não uma queda que poderia ser encarada como uma derrota.
Apesar de não ter alcançado aquilo a que se propôs, a Iniciativa Liberal teve uma noite agridoce numa eleição onde a abstenção foi muito inferior à anterior. Conseguiu mais 43.650 votos, manteve-se como a quarta força política e estreou-se a eleger um deputado por Aveiro, ao contrário do que aconteceu em Lisboa, onde passou de quatro para três deputados. Por outro lado, conseguiu eleger o líder do partido, que preferiu repetir o primeiro lugar por Braga do que seguir numa posição de mais fácil eleição.
Rui Rocha: “PSD não tem a coragem necessária para a reforma das pensões”
A IL sabia que ao ficar fora da coligação estaria a colocar-se num equilíbrio exigente entre o combate ao voto útil da Aliança Democrática e a necessidade conquistar os votos dos descontentes que podiam estar mais tentados a votar no Chega. Feitas as contas e olhando para os resultados, estar entalada entre esses dois cenários saiu caro à IL, que não conseguiu os mandatos necessários para ajudar o PSD a ter uma situação mais confortável, com maioria. Porém, também não fica aos ombros da IL a procura de soluções, tendo em conta que o cenário governativo fica dependente do Chega — partido com quem os liberais traçaram há muito uma linha vermelha. Pelo que, se potencialmente o PSD viesse a contar com André Ventura (cenário a que Luís Montenegro volta a dizer que “não é não”), os liberais ficariam de fora.
Depois de falhar o objetivo e com Rui Rocha a dar a entender que continuará na presidência (“Sinto-me com enorme energia para continuar a defender as ideias liberais”), a IL vai reunir o Conselho Nacional no próximo dia 24 de março e tem na ordem de trabalhos a avaliação dos resultados. Ao Observador, antes das eleições, Rui Rocha assumia que avaliaria os resultados, desde logo porque o objetivo tinha sido apresentado “há muito pouco tempo” e crente de que o cumpriria. “Não estou, obviamente, agarrado ao lugar. E, de acordo com aquilo que forem as circunstâncias, cá estaremos para assumir todas as responsabilidades. Isso não é um problema”, argumentou.
Depois dos votos contados — e com partido a preferir ficar afastado do governo para defender as principais bandeiras — Rui Rocha tem a breve trecho eleições europeias importantes, não só porque a IL pretende conquistar o primeiro eurodeputado, como pelo facto de João Cotrim Figueiredo ser o cabeça de lista, o que pode facilitar o trabalho do partido pela visibilidade mediática. Por enquanto, há avaliações a fazer, tal como Rui Rocha prometeu, e a IL aguarda, à distância, que o PSD tome decisões sobre o próximo cenário governativo.