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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Isaías, Zoom, a Roulote e um verdadeiro negócio da China. Um dia com João Noronha Lopes, candidato à presidência do Benfica

Começou na advocacia, subiu a pique na cadeia do McDonald's, fez a maior venda de sempre na restauração na Ásia. Foi vice em 2000, quer ser líder 20 anos depois. Reportagem com João Noronha Lopes.

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– Luís Filipe Vieira disse numa entrevista que não era a opção número 1 do grupo de WhatsApp…
– Não faço ideia a que se refere, tomei a decisão de me candidatar por mim próprio, porque achei que tinha a disponibilidade, porque queria dar o meu contributo ao Benfica e porque estou em profundo desacordo com o último mandato de Luís Filipe Vieira. É uma decisão que tomei por mim próprio e recolhi depois muitos apoios…

– Mas existe o tal grupo de WhatsApp de onde nasceu a candidatura?
– Não sei a que grupos de Whatsapp se refere, faço parte de muitos grupos de Whatsapp… Há vários grupos, uns de pessoas que me apoiam e outros que não apoiam… Ele está mais informado do que eu pelos vistos…

“Preciso do Benfica para o servir e não para me servir dele”. Em dia de jogo, Noronha Lopes inaugurou a sede de campanha

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A conversa com o Observador começa com uma provocação, João Noronha Lopes faz a finta com agilidade. Na véspera, o gestor e candidato à presidência do Benfica participara no “Jogo das Glórias”, em Lisboa, onde Isaías tinha sido dono e senhor do campo entre outras figuras como Ricardo Araújo Pereira, Jacinto Lucas Pires, Ricardo Martins Pereira e alguns dos então 800 voluntários (entretanto o número subiu mais uma centena). Cansaço, não havia. Lesões antigas, essas, ficaram bem visíveis nas duas joelheiras elásticas com que fez todo o jogo. “Fiz duas roturas de ligamento num joelho e mais uma no outro. A jogar futebol com amigos…”, recorda. Agora encontra-se em Belém na sede de campanha, um armazém espaçoso que permitiu fazer vários eventos desde a inauguração do próprio espaço à apresentação das listas aos órgãos sociais, perto da Farmácia Franco onde “um grupo de rapazes se reuniu e que depois andou com a casa às costas, sem beneficiar de favores do poder e dos poderosos, um grupo que nasceu popular e se fez Glorioso”, como descreve no seu manifesto eleitoral.

A discussão do “Benfica popular” virá mais para a frente na entrevista. À chegada, com temperatura medida e o já inevitável gel desinfetante, uma mesa comprida do lado esquerdo reúne vários artigos como sempre houve nas campanhas, incluindo os inevitáveis autocolantes do “Benfica que voa mais alto” – uma ideia que foi superando o lema com que se apresentou como candidato, “A Glória é agora”. No sofá encontra-se Isaías. Não ficaria por cá até às eleições porque também no Brasil existiria um sufrágio local mas juntou-se à campanha de Noronha Lopes e foi uma das figuras mais acarinhadas nas dezenas e dezenas de Casas do clube que a comitiva foi visitando, de Norte a Sul. A estampa do brasileiro já não é a mesma, o andar denuncia que foi craque da bola e daquele pé direito saíram dois dos nove golos do jogo mais marcante do candidato: o célebre 6-3 em Alvalade em 1994, com hat-trick de João Vieira Pinto, que quase carimbou o título. Nessa equipa estavam também Vítor Paneira, mandatário da campanha de Noronha Lopes, e Rui Costa, que entrou pela primeira vez na lista de Luís Filipe Vieira como vice.

“Não tinha pensado nisso mas sim. E nota-se a importância que tiveram pelo apoio e admiração que recebem nas Casas do Benfica e por onde fomos andando nesta campanha”, atira. No entanto, há jogos que não se esquecem que mais não seja por terem sido os primeiros no Estádio da Luz. Como aquele em fevereiro de 1974, a dois meses da Revolução de Abril, quando um golo de Eusébio logo aos três minutos valeu o triunfo pela margem mínima frente ao Farense. Na equipa dos algarvios jogavam Manuel José, que se tornou depois treinador (e passou pelas águias), Alexandre Alhinho, irmão de Carlos Alhinho que passou pelos três “grandes”, ou Raul Caneira, pai de Marco Caneira (que se formou no Sporting mas jogou também nos encarnados). No Benfica, além do Pantera Negra, estavam Toni, Jordão, Humberto Coelho e António Simões, mais um apoiante de Noronha Lopes.

João Noronha Lopes no "Jogo das Glórias", onde foi defesa central e onde Isaías voltou a ser o melhor em campo como quando jogava

O Magriço protagonizou de forma indireta um dos primeiros episódios onde se percebeu que este ato eleitoral na Luz seria diferente dos demais desde que Luís Filipe Vieira assumiu a liderança do clube, em 2003. Dois dias depois de se apresentar oficialmente como candidato, a algumas horas do dérbi com o Sporting, apoiantes do gestor que estavam junto ao Estádio da Luz a recolher assinaturas foram expulsos do local com o clube a explicar depois em comunicado oficial que isso só tinha acontecido tendo em conta o protocolo e as medidas de segurança reforçadas em dia de jogo. Nesse dia, Noronha Lopes ficou sensibilizado com uma sócia com um número baixo, na casa das centenas, que fez questão de ir ao local deixar os seus votos. Uns dias depois, ficou perplexo com a “novela” que se montou após ter anunciado que quatro campeões europeus apoiavam a sua lista: Cruz, através da família, disse que apoiava Vieira, Mário João afastou-se de todas as candidaturas, ficaram António Simões e Ângelo, que faleceu recentemente aos 90 anos. “Jamais teria anunciado o apoio sem a garantia do seu consentimento e lamento que nos tenhamos vistos implicados num mal entendido. Ambos são símbolos do clube e não devem ser envolvidos em polémicas. Pelo meu lado, mantenho a minha profunda admiração pelos dois”, esclareceu de seguida.

Eleições do Benfica já mexem: Cruz apoia Vieira, Mário João não está com ninguém e Noronha Lopes lamenta mal entendido

"Há aspetos que também têm a ver com o respeito pelos sócios, com dois projetos distintos: o projeto de Luís Filipe Vieira só fala do passado, não apresentou uma única ideia para o futuro, diz que está tudo bem e que é preciso mudar pouca coisa; depois temos o meu, que reconhece o que de positivo vem do passado mas que projeta o futuro, que tem 90 medidas para o futuro e que tem uma equipa para fazê-lo"

Na apresentação oficial, no anúncio das listas e nas demais intervenções públicas, até no próprio programa eleitoral que prevê um Código de Conduta e Regime de Incompatibilidades e uma Comissão de Ética e Boas Práticas, uma ideia marcou a campanha do gestor: transparência. De um lado, Noronha Lopes a falar de transparência. Do outro, Luís Filipe Vieira a falar de credibilidade. Palavras diferentes, conceitos distintos, pontos que poderiam ser comuns mas que se tornam diametralmente opostos em contexto eleitoral. Programas à parte, e de forma mais ou menos direta, duas discussões estiveram sempre nas entrelinhas na campanha: os casos de Justiça que envolveram o atual líder e o clube nos últimos anos e a defesa do “Benfica popular” de Vieira em contraponto com Noronha Lopes.

“Transparência e credibilidade têm sentidos diferentes para mim do que para ele, estamos a falar coisas diferentes. Há aspetos que também têm a ver com o respeito pelos sócios, com dois projetos distintos: o projeto de Luís Filipe Vieira só fala do passado, não apresentou uma única ideia para o futuro, diz que está tudo bem e que é preciso mudar pouca coisa; depois temos o meu, que reconhece o que de positivo vem do passado mas que projeta o futuro, que tem 90 medidas para o futuro e que tem uma equipa para fazê-lo”, destaca ao Observador.

“Há várias questões que temos aqui de esclarecer… Quando criticamos o candidato Luís Filipe Vieira, não estamos a criticar o Benfica. Alguém que critique o candidato Marcelo Rebelo de Sousa não está a criticar Portugal. Um processo eleitoral, onde se debatem ideias, reflete o que foi feito de mal, é normal criticar e dar ideias para o futuro de uma forma construtiva. O que está aqui em causa não são 17 anos de Vieira, é o último mandato. Se estão satisfeitos com esta gestão desportiva, se estão ou não satisfeitos em ver o clube envolvido em questões que não têm nada que ver com o clube. Se estão satisfeitos com isto, não votarão em mim; se querem mais em termos desportivos, se querem mais em termos de gestão, se querem que o clube volte a ser falado por ter mais títulos desportivos e não nos jornais, provavelmente votarão em mim”, prosseguiu, antes de dar alguns exemplos que, na sua ótica, contradizem a ideia da representação de um Benfica popular encabeçado por Vieira.

Adão e Silva, Pedro Ribeiro e Borges de Assunção na direção de Noronha Lopes. José Theotónio, do Grupo Pestana, no Conselho Fiscal

“1) Fez gala em ter uma Comissão de Honra, para a qual terão existido pessoas que não foram sequer convidadas e já saíram, enquanto eu não vou ter nenhuma Comissão de Honra, sinto-me honrado por todos os que me apoiam; 2) Ele recusa debater com outros candidatos, eu estou pronto para debater com ele e com todos os candidatos em qualquer lugar ou TV porque não desrespeito os sócios; 3) a BTV está ao serviço de Luís Filipe Vieira e não é de agora, é de há vários meses, esta instrumentalização representa o quê?; 4) Luís Filipe Vieira vai criar uma Comissão de Estratégia para debater o futuro do clube onde vão estar as elites que o vão aconselhar, eu vou ter uma Direção diversificada, de gente capaz, competente, que apresenta um projeto, executa e que o defende em Assembleia Geral porque o futuro do Benfica não deve ser discutido num gabinete alcatifado com os supostos notáveis, é na Assembleia Geral com os sócios. Quando olhamos para a lista de nomes de Luís Filipe Vieira, é um carrossel, são sempre os mesmos que gravitam, que entram e saem, já criticaram e voltaram e é uma elite que nunca deixa de estar à sua volta. Na minha lista quase ninguém teve ligado ao Benfica, é uma mudança geracional com pessoas de vários quadrantes da sociedade. Aqui vemos as diferenças”, salienta.

Do segundo trabalho na Luz à maior venda de sempre na restauração na Ásia

De blazer e camisa clara, João Noronha Lopes está em forma. Não é bem pessoa de ginásio mas dá as suas voltas de bicicleta e é assim que se mantém fit, habituado a acordar cedo e agora a ficar mal habituado a deitar-se tarde. Nascido no Alentejo, viveu nos EUA durante a adolescência entre 1983 e 1984, altura em que foi consolado pelo pai depois da derrota do Benfica na final da Taça UEFA ainda a duas mãos com o Anderlecht. Depois de ter passado por dois escritórios de advocacia, um deles onde foi co-fundador, o gestor entrou depois na McDonald’s em 2000, subindo a CEO para Portugal dois anos depois. Foi na cadeia multinacional que fez grande parte da carreira em termos profissionais, passando pela liderança da representação no sul da Europa, pela vice-presidência em França antes chegar a vice para a Europa em representação de 36 países e pela chefia mundial do franchising, cargo que ocupava quando fez a maior venda de sempre na restauração na Ásia: 2.600 restaurantes na China e em Hong Kong avaliados em 2,1 biliões de dólares. Após vários anos a viver no estrangeiro, voltou a Portugal.

Trajeto ascendente de Noronha Lopes na McDonald's valeu-lhe o prémio de Best International Leader Award em 2013

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Foi esse trajeto que lhe valeu o prémio de Best International Leader Award em 2013, foi esse caminho que o levou a histórias que ainda hoje recorda quando pensa nos anos em que trabalhava no estrangeiro. “Ouço muito falar da necessidade que um presidente do Benfica precisa ter em termos de capacidade de negociar. Sabe, já fiz um negócio num país que não vale a pena escrever qual é, mas que lhe posso dizer, onde havia pessoas com kalashnikov’s. E na Rússia, na altura em que havia embargos. E mais um dentro de uma piscina e a falar baixo enquanto se estava ali porque achavam que estávamos a ser espiados. Uma vez, na China, tive alguém que me disse até para ir a casa dele porque tinha um leão branco. Logo um leão…”, contou já depois da entrevista, enquanto fazia tempo para mais uma ligação por Zoom com um grupo de sócios. Episódios de uma vida profissional preenchida que, logo no início, acumulou com a vice-presidência do Benfica. E como era nessa altura a realidade das águias?

“O Benfica vivia uma situação muito complicada, estava prestes a ser um clube que deixava de estar nas mãos dos sócios e era importante aparecer alguém para mudar as coisas. Tenho muito orgulho por ter feito parte do grupo que incentivou Manuel Vilarinho a candidatar-se nessa altura. Quando outros ficaram sentados no sofá, quando outros não tiveram a coragem de avançar, quando outros disseram que era impossível derrotar o então presidente Vale e Azevedo, quando outros disseram que nunca Vale e Azevedo sairia do clube, Vilarinho teve a coragem de avançar. Conseguimos através da sua eleição manter o Benfica nas mãos dos sócios, que era um dever de cidadania benfiquista que todos nós tínhamos”, começa por recordar sobre as eleições de 2000.

“É uma época que recordo com grande intensidade e alegria. Passei a ter dois empregos. Saía do meu escritório às cinco da tarde e depois ia para o Estádio da Luz com os meus colegas a tentar resolver todos os problemas. De um momento para o outro começou a aparecer tudo o que era credor: o homem da relva, as pessoas da oficina, empresários de jogadores que nunca tinham aparecido, até uma equipa de polo aquático veio pedir um patrocínio. Não era um gabinete como agora na SAD, era debaixo das bancadas do estádio antigo e muitas vezes lá ficávamos até às tantas da manhã a trabalhar nos processos e a tentar recuperar a credibilidade do Benfica e a lidar com situações complicadas. Orgulho-me também de ter participado ativamente no grupo empresarial do Benfica e no aumento de capital social da SAD que criou as condições financeiras para o crescimento e para o financiamento do Benfica que se seguiu. Foi uma altura muita intensa da minha vida mas de grande satisfação, quando se gosta parece que as horas passam mais depressa”, acrescenta ainda sobre essa passagem anterior pelo clube.

"Já fiz um negócio num país onde havia pessoas com kalashnikov's. E na Rússia, na altura em que havia embargos. E mais um dentro de uma piscina e a falar baixo enquanto se estava ali porque achavam que estávamos a ser espiados. Uma vez, na China, tive alguém que me disse até para ir a casa dele porque tinha um leão branco. Logo um leão..."

Foi também nessa fase que Luís Filipe Vieira entrou no Benfica, neste caso pela SAD. “Coincidimos numa altura mas nunca tivemos um contacto muito próximo, ele entrou logo para o futebol. Se sem ele não havia nada? Muita gente teve um papel fundamental para a recuperação do clube e o primeiro de todos chama-se Manuel Vilarinho porque se não tivesse ganho as eleições e mantido o clube nas mãos dos benfiquistas não era possível. Do que veio a seguir, reconheço o trabalho de profissionalização, de Luís Filipe Vieira e Mário Dias e muitos outros”, recorda. Agora, antes da apresentação das listas, Noronha Lopes foi desafiado duas vezes por Vieira para se juntar à lista do líder que concorre ao sexto mandato na presidência encarnada, a última num almoço a dois. “Só abordo isto porque se tornou público e o que disse é mentira. Convidou-me e recusei porque a minha ambição e organização para o futuro é diferente, a maneira como olho para as modalidades, como quero colocar os sócios no centro do clube, a maneira como quero internacionalizar a marca… Não sei se houve mais pessoas da minha lista ou não abordadas, comigo não mudou nada. E quanto mais avanço mais convicto estou de que vou ganhar as eleições. O Benfica não aguenta mais quatro anos com este tipo de gestão, a palavra de Vieira vale muito pouco…”.

Noronha Lopes conta história de almoço com Vieira: “Garantiu-me que teria lugar na sua lista. Não resulta, não cedo a esses convites”

“Em nenhuma circunstância o clube deve perder a maioria do capital social da SAD, foi por isso que me bati com Manuel Vilarinho. As parcerias estratégicas podem fazer sentido se trouxerem uma mais valia para o clube e não ponham em causa a maioria. Governance? Mais importante é pensar numa organização que possa trazer o que nós queremos: resultados, transparência e sustentabilidade financeira. O modelo atual não é impeditivo do sucesso mas com pessoas com as competências certas”, completa a esse propósito.

A diferença entre projeto desportivo e projeto eleitoral a dois anos

João Noronha Lopes prepara-se para mais uma intervenção por Zoom, neste caso para um grupo de benfiquistas que vive no Brasil. Entre a azáfama das entrevistas, das demais intervenções públicas e das presenças diretas nas Casas do clube, há uma parte digital da campanha que responde duplamente aos tempos que correm: as redes sociais e o espaço na internet tem uma importância cada vez mais relevante, ainda mais quando as restrições por causa da pandemia são mais que muitas, tão voláteis que anteciparam até as eleições em dois dias devido ao leque de proibições anunciado após Conselho de Ministros nas deslocações entre concelhos (algo que o gestor contestou, não só por considerar que devia haver um adiamento mas também porque deveriam decorrer a um sábado).

Gestor tirou quase diariamente pelo menos uma hora para falar em encontros via Zoom com grupos de benfiquistas (alguns no estrangeiro)

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A mecânica é sempre a mesma: quando está no gabinete destinado durante a candidatura na zona de escritório do armazém, onde tem uma imagem dos campeões europeus em 1961 e 1962 e um quadro onde emoldura vários bilhetes de futebol na altura em que era tudo em papel, estávamos no escudo e os picas à entrada rasgavam uma das pontas do retângulo para marcarem a entrada no estádio, liga a câmara à parte de cima do portátil, começa por fazer uma apresentação sobre o percurso profissional e a decisão de avançar com uma candidatura, e 15 minutos depois vai recebendo perguntas que são enviadas por quem assiste à sessão. Já chegou a falar menos de uma hora, já atingiu um limite de duas horas e meia – e a fazer sinal para que se termine porque o tempo não estica e tinha outros compromissos por cumprir. “Por ele até ficava mais tempo mas existe uma agenda”, explicam-nos.

Benfica. Candidatura de Noronha Lopes tem apoio de Ricardo Araújo Pereira (e não só)

Uma das formas de chegar ao máximo possível de pessoas foi a estratégia comunicacional no plano digital. A ideia passa sempre por cada pessoa a votar trazer mais uma e assim criar uma espécie de cadeia que possibilitasse a multiplicação de pessoas envolvidas, não só em Portugal mas também no estrangeiro. Todos os sócios e adeptos contam para esta missão, com grupos que se iam depois organizando por WhatsApp e que pediam, tendo já um número razoável de inscritos, uma reunião por Zoom. Criava-se um chat, havia a conversa, faziam-se as questões e cada um partia depois com o desafio de trazer mais um benfiquista. E mais um. E mais um. E antes já tinham sido organizados fóruns como o Camarote Presidencial, também no mesmo armazém onde nos encontramos, com João Noronha Lopes e Ricardo Araújo Pereira a responderem às questões que iam sendo colocadas. Também é nos frutos deste trabalho que envolveu centenas de voluntários que o gestor encontra a esperança de construir a árvore para um triunfo no sufrágio. Aí e nas propostas para o futebol, sempre o tema mais abordado.

"O que está aqui em causa não são os 17 anos de Vieira, o que estamos aqui a votar é o último mandato de Vieira. São os últimos quatro anos. Há que distinguir as duas coisas, como fez um benfiquista que muito admito, António Bagão Félix. Reconhecimento é uma coisa, futuro é outra. Sendo reconhecidos pelo passado, temos de votar hoje em quem está melhor para preparar para o futuro"

“Sim, reconheço que Luís Filipe Vieira fez coisas muito positivas. O quê? Um bom trabalho ao nível do Seixal, da profissionalização e modernização do clube que são reconhecidos. Mas é preciso ter uma coisa em conta: o que está aqui em causa não são os 17 anos de Vieira, o que estamos aqui a votar é o último mandato de Vieira. São os últimos quatro anos. Há que distinguir as duas coisas, como fez um benfiquista que muito admito, António Bagão Félix. Reconhecimento é uma coisa, futuro é outra. Sendo reconhecidos pelo passado, temos de votar hoje em quem está melhor para preparar para o futuro”, refere, antes de explicar as diferenças preconizadas.

Noronha Lopes pergunta “do que foge Vieira?” e critica “silêncio ensurdecedor em relação a todo e qualquer tema”

“A avaliação que se faz em termos desportivos destes últimos quatro anos é de uma desorientação e de uma sucessão de erros a vários níveis. Isto acontece porque há um homem que está há demasiado tempo no clube, que decide sozinho, que não ouve os outros e que já não vai mudar. Na gestão desportiva, os erros cometidos no ano do penta e no ano passado foram não só erros mas voltaram a ser repetidos, por alguém que não aprendeu, revelando excesso de confiança, sobranceria. Na planificação da época e na gestão de janeiro foram repetidos os mesmos erros, além da falta de foco na gestão desportiva. Isso volta-se a repetir esta pré-época: avançámos para o jogo decisivo mesmo depois de termos gasto 90 milhões de euros sem ter os necessários, como foi reconhecido pelo próprio treinador. Isso acontece porque não existe uma estrutura, não existe uma ideia, não existe uma organização e quando é assim os resultados não aparecem”, frisa.

“O Benfica não tem um projeto desportivo, tem um projeto eleitoral a dois anos, com Jorge Jesus. E depois, como será? O que vai acontecer. Essa é mais uma das questões que Luís Filipe Vieira não esclareceu quando falou naqueles 60 e poucos segundos da apresentação [de Jorge Jesus], depois escondeu-se atrás de três diretores de comunicação e nunca explicou aos sócios do Benfica como é que um treinador que nunca voltaria ao Benfica está cá hoje, como é que o seu treinador de futebol que era Bruno Lage já saiu do Benfica e como é que dizia que tinha 15 jogadores da formação que podiam ser titulares e neste momento não existe um… Dizer que tinha Jesus apalavrado revela falta de consideração por Bruno Lage e uma total desorientação. Afinal, teve sempre a sombra de um outro treinador”, continua. “Durante as paragens dos campeonatos, quando podíamos perfeitamente ter ganho, o meu discurso seria ‘Vamos ganhar o Campeonato, vamos focar no Campeonato, vamos jogar à Benfica’. Essa era a mensagem que devia ter transmitido à equipa. Sabe qual foi a mensagem que transmitiu? Foi que tinha um  jogador que podia ter vendido por 60 milhões de euros, depois tinha mais dois jogadores que podiam valer 100 milhões… Qual é a mensagem que passa ao balneário, que é preciso ganhar ou que é preciso vender? Quando se diz isto aos jogadores, estamos a fazer o contrário a uma boa gestão desportiva…”.

“O que é hoje a estrutura de futebol do Benfica, não sei. Não entendo. No topo sei que está Luís Filipe Vieira e decide sozinho, ou porque vê luzes ou porque tem uma inspiração qualquer e decide ao contrário da maioria da Direção. É alguém que já disse tudo e o seu contrário relativamente ao futuro. Já proclamou ambição europeia e depauperou a equipa, já disse que íamos ter um modelo baseado na formação e hoje em dia fazemos o contrário, já disse que Rúben Dias não saía do Benfica e Rúben Dias já saiu. Vinícius não seria vendido e foi emprestado a um clube para ser suplente. Há um projeto eleitoral a dois anos e daí para a frente nem se percebe como vai ser porque não se percebe qual será o papel de Rui Costa”, analisa, antes de apresentar diferenças.

"Para Luís Filipe Vieira, a ambição termina na Segunda Circular e eu acredito que o Benfica, para ter a verdadeira dimensão, tem de ser grande lá fora e isso é ir muito além da fase de grupos da Champions. É isso que gera receitas, da UEFA e de merchandising. É aqui que está um mundo de oportunidades"

“Proponho uma estrutura diferente, ao nível dos grandes clubes europeus, ancorada num diretor desportivo que conhece o mercado nacional e internacional, tem grande capacidade de negociação e principalmente garante identidade do futebol do Benfica. Ele é o responsável, escolhe treinadores e não é escolhido pelo treinador e cria com presidente e técnico as condições para um Benfica mais ganhador e com ambição europeia. Essa é a primeira diferença, uma organização com estrutura definida e pessoas com competências claras. O diretor desportivo tem de conhecer o mercado português e estrangeiro, de capacidade de negociação, de capacidade de reunir não só equipa A e B mas também prospeção, formação, de uma área de recrutamento internacional que passa pela criação de parcerias com clubes secundários de outros países para gerar mais competitividade aos nossos jogadores da formação com bilhete de ida e volta. Depois, há uma diferença fundamental: para Luís Filipe Vieira, a ambição termina na Segunda Circular e eu acredito que o Benfica, para ter a verdadeira dimensão, tem de ser grande lá fora e isso é ir muito além da fase de grupos da Champions. É isso que gera receitas, da UEFA e de merchandising. É aqui que está um mundo de oportunidades. Quando oiço um responsável da SAD dizer que se vendem mais camisolas na China porque se vai mudar o emblema do clube, estamos a construir a casa pelo telhado. Isso só acontece com sucesso desportivo e um plantel que se valoriza aí. Terei sempre de vender mas o meu projeto faz com que consigamos reter jogadores mais tempo porque vamos ter mais receitas”, explica.

Da Roulote do Lopes à Fan Zone 2.0, passando pelas Casas do Benfica

Outro dos ex-libris da campanha do gestor é a Roulote do Lopes, uma recriação daqueles espaços que há mais de sete meses que saíram do imaginário dos adeptos do futebol que vão ao estádio e que foi “recuperado” como outro dos espaços de campanha, por norma estacionada perto da sede (neste dia, como chove a potes, até a Roulote foi para um abrigo). E como tudo serve na altura de chegar ao máximo possível de associados, este espaço foi ainda aproveitado para gravar com o mandatário da candidatura, Vítor Paneira, as Conversas de Roulote. “Se estas conversas de roulote chegassem à Direção com maior frequência, o Benfica era mais fiel às suas origens”, diz. E foi também nesse contexto que percorreu quilómetros e quilómetros a fio para chegar ao máximo possível de Casas, que muitas vezes não tinham mais pessoas devido às limitações do espaço e as regras da pandemia. Foi em Viseu, por exemplo, que lhe falaram do Comboio do Benfica, ideia que entretanto foi descontinuada. Passaram uns dias, iniciou conversações e desenhou um projeto que vai mais além do que o simples transporte para um dia de jogo, sendo uma espécie de Museu itinerante capaz de levar a “Onda Vermelha” a mais sítios de forma mais regular.

Nesses encontros, embora o futebol fosse sempre uma âncora nas conversas, havia margem também para falar de outros pontos como as finanças, as modalidades e as próprias Casas, algumas a atravessar nesta altura uma fase de maiores dificuldades tendo em conta a quebra abrupta de receitas sem correspondência nos custos ao final do mês. ” As Casas do Benfica devem merecer o reconhecimento enquanto polo de benfiquismo por todo o País. Viajei do Algarve ao Minho e preocupa-me ver Casas a fechar sem que o Benfica ajude. Estamos num quadro de exceção. Fui muito bem recebido em todas as Casas, sei que terei o apoio de muitas. Que façam o processo de votação interno e que quando se for votar isso reflita o que foram as votações. Vai haver mais gente a votar, tem de haver mais gente a votar e quem ganha é o Benfica. É mais um momento chave na história do Benfica. Não é daqui a quatro anos, é agora. Esta votação tem de ser a maior de sempre para dar mais legitimidade ainda. Não sei quantificar uma votação mas vou ganhar estas eleições. Tenho 900 voluntários na campanha, passámos de 800 para 900 em poucos dias. Cada vez tenho mais convicção de que vou ganhar…”, atira.

A decoração improvisada no gabinete de Noronha Lopes no espaço que tem servido de sede, com vários bilhetes de jogos antigos num quadro e uma imagem dos campeões europeus nos anos 60

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“A avaliação negativa que faço deste último mandato de Luís Filipe Vieira não se restringe à gestão desportiva, também se estende ao clube. Tivemos por exemplo uma OPA que foi declarada ilegal, não conheço muitos casos destes em Portugal. Havia ao que parece uma situação de conflito de interesses mas até hoje não tivemos uma palavra de Luís Filipe Vieira sobre isso, num ato que manchou a reputação do Benfica e não se dignou a dar uma explicação. Assim como não tivemos nenhuma explicação pela saída do presidente da Mesa da Assembleia Geral e a seguir a saída do presidente da Mesa da Assembleia Geral da SAD que veio dizer coisas muito parecidas com aquelas que defendo sobre o modo de funcionamento do clube, sobre a governance, sobre como se tomavam as decisões… Foi uma gestão desportiva desastrosa nos últimos quatro anos e com muitas coisas negativas na gestão do clube”, explica Noronha Lopes, sempre frisando a falta de comunicação com os sócios.

“Lucro em 2019/20? Os resultados financeiros que decorreram do último Relatório e Contas são positivos porque diminuímos passivo e aumentámos capitais próprios. Desde essa altura já aconteceram várias coisas: contraímos um empréstimo obrigacionistas, comprámos quase 100 milhões em jogadores e estamos a entrar numa fase de alguma incerteza relativamente ao futuro. Mas volto ao problema essencial: são resultados importantes, sei do que falo porque sou gestor, mas esta sustentabilidade financeira não pode ser um fim em si mesmo, só faz sentido se for instrumental para o sucesso desportivo. Houve anos em que podíamos ter investido no fortalecimento do plantel sem perder o equilíbrio financeiro e que não o fizemos, nomeadamente no ano do penta. Tínhamos condições para investir sem desequilíbrios e não o fizemos. Privilegiou-se uma visão quase cega na sustentabilidade, esquecendo-se que é uma Sociedade Anónima mas Desportiva. Não festejamos as vendas, não vamos para o Marquês com isso mas sim com as vitórias. Foi esse foco que se perdeu no Benfica, mesmo sabendo a importância de contas certas mas um clube de futebol não pode ser gerido pelas contas”, resume.

"Esta sustentabilidade financeira não pode ser um fim em si mesmo, só faz sentido se for instrumental para o sucesso desportivo. Houve anos em que podíamos ter investido no fortalecimento do plantel sem perder o equilíbrio financeiro e que não o fizemos, nomeadamente no ano do penta. Privilegiou-se uma visão quase cega na sustentabilidade, esquecendo-se que é uma Sociedade Anónima mas Desportiva"

“O Benfica Olímpico é algo positivo e deve ser acarinhado mas o meu modelo para as modalidades é diferente. Hoje temos as modalidades divididas entre dois vice-presidentes, no meu tenho um único vice para o ecletismo e com um diretor geral que está mais próximo dos team managers das modalidades para discutir o orçamento para cada uma, que está no terreno. Depois, que cada uma seja avaliada individualmente em função dos resultados que produz, da qualidade do projeto, da capacidade de crescimento e da formação. A comunicação também tem de ser melhorada, fala-se pouco das modalidades. Não sabem quem é o Robinho, não sabem quem é o Nicolia… Também isso cria uma onda positiva. Devemos tentar otimizar horários para haver uma outra vivência. Quero uma zona de adepto à volta do estádio moderna. É uma das mais pobres que podemos ter: as pessoas chegam, comem uma bifana à pressa, vão embora. O meu projeto é melhorar a experiência de dia de jogo, fazer uma Fan Zone 2.0 com entretenimento digital, que incentive a ida ao futebol das famílias, com velhas glórias, elementos das modalidades, Casas do Benfica, Que as receitas que são gastas fora passem para dentro do perímetro do estádio. Assim podem chegar mais cedo ao estádio, podem viver o dia de jogo mais intensamente e lá dentro haver outras coisas como pedir refeições através da app“, conclui João Noronha Lopes.

Noronha Lopes garante regresso do “Comboio do Benfica”, que vai custar “menos do que um Cádiz”

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