Fragilizado e sensível. Um registo pouco comum no homem que desde 2004 ocupa o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Português. A expectativa pelo regresso de Jerónimo de Sousa pairou durante toda a campanha eleitoral na comitiva, mas um regresso ainda em convalescença da cirurgia deixava antever os últimos dias de campanha sensíveis. Regressou combalido, mas recuperou. Pouco mais de 24 horas bastaram para ver Jerónimo com força anímica redobrada e a dar mais um fôlego à CDU.
Com entrada a meio num desfile na Baixa da Banheira, foi um Jerónimo de Sousa frágil que se juntou à comitiva, ainda que o discurso já deixasse antever que a vontade era de dar mais ao partido. Poucos metros depois, com o microfone à frente, o secretário-geral do PCP admitiria que a experiência dos últimos dias lhe tinha permitido “perceber que na vida tudo é relativo” e que “travando ou não uma batalha eleitoral”, nestes “dias que não foram fáceis”, se aprende “a gostar mais da vida”.
Jerónimo apareceu emocionado e disse estar grato pelas palavras que lhe foram chegando durante o período de recuperação — que quis de retribuir. Passado o momento de emoção, o nervosismo na comitiva e a constante preocupação com Jerónimo de Sousa não deixavam dúvidas de que aquele era o discurso e regresso do secretário-geral estava a ser gerido com pinças.
Ainda nessa tarde, Jerónimo teria um comício em Évora onde os comunistas precisam de garantir a eleição de João Oliveira e o cabeça de lista no distrito e o secretário-geral teriam oportunidade de se encontrar já depois de Oliveira ter feito as vezes de Jerónimo na estrada. Era a passagem de testemunho, mas agora presencial.
Não estava nos planos, mas foi agendado mais um desfile antes do comício no Teatro Garcia Resende. O ponto de encontro inicial era a Praça do Giraldo, mas a indicação era de que Jerónimo se somaria mais próximo do teatro. Fê-lo no jardim em frente, com tempo suficiente para receber o apoio da mancha de comunistas mobilizados na região. Estava entregue a primeira dose de vitamina C (de Campanha) a Jerónimo.
A prova de força da CDU, não mobiliza apenas votos, nem cria apenas bons planos televisivos, é também um suplemento para o recuperado Jerónimo. E se dúvidas havia do resultado, bastava seguir os passos de Jerónimo e a reação ao apoio. A cada palavra de incentivo ou tentativa de abraço, Jerónimo animava-se ainda que o corpo esteja mais lento a dar resposta.
Já no teatro, subiu ao púlpito e, ainda com um discurso meio arrastado aproveitou todos os aplausos e gritos de ordem para discretamente se recompor. De manhã dizia ter voltado porque “é preciso”, à noite respondia a António Costa que tinha ignorado durante uma semana todas as tentativas de “convergência da CDU”.
Além do simbolismo político do regresso a tempo de estar frente aos microfones, Jerónimo parecia precisar de regressar à estrada para conseguir ultrapassar a “partida” que a saúde lhe fez mesmo à porta das eleições que o PCP “não quis”. Com esforço, Jerónimo aguentou o primeiro dia. Lá está, era “preciso”. O partido precisava dele.
A agenda de quinta-feira também não se antevia fácil para um Jerónimo em recuperação. A reta final da campanha é sempre exigente e foi preciso fazer ajustes de precisão. Tempo entre iniciativas alargado, para permitir mais tempo de descanso e horas de início mais tardias. Sem grandes concessões, a CDU ajustou-se ao regresso de Jerónimo.
Com uma arruada no Barreiro agendada para o período da manhã e outra no Chiado à tarde o penúltimo dia de campanha só terminaria já depois das 19 horas, com um comício no Seixal. Ao contrário do que aconteceu em 2019 quando a arruada da CDU começou na Rua Garrett, este ano o ponto de encontro era o largo do Teatro São Carlos, uns metros mais distante.
Mais uma prova de força. Os comunistas tinham que sair à rua em grande número naquela que seria a única arruada em Lisboa com o secretário-geral. Sem surpresas, a organização comunista voltou a dar provas da eficiência e já a frente da arruada descia a rua do Carmo e ainda havia “camaradas” a sair do ponto de partida. A CDU precisava de se mostrar e Jerónimo precisava de ver o partido mobilizado e, mais que isso, estar lá.
O secretário-geral esperava próximo do elevador de Santa Justa, a poucos metros do local onde estava instalado o púlpito. Cumprimentou o outro homem do Comité Central que o substituiu durante a campanha eleitoral — João Ferreira — e o mandatário distrital (Bernardino Soares) a quem também fez questão de agradecer a substituição logo na primeira intervenção de regresso à estrada.
Jerónimo voltou à campanha com uma missão: lutar contra a direita e a extrema-direita. E foi ao Chiado para garantir que as a direita e as forças reacionárias “não passarão agora como não passaram em 2015”. A CDU já percebeu que o Partido Socialista está apostado em fechar um bloco central com o PSD e faz equivaler essa atitude com o abrir de porta à direita e à extrema-direita. Jerónimo incomoda-se com essa ideia e é suficiente para que o tom de voz se altere instintivamente.
Horas depois, no Pavilhão Leonel Fernandes, o PCP está em casa e Jerónimo também. Certamente que o ambiente da arruada da manhã terão sido a segunda dose de vitamina C de Jerónimo, mas a intervenção no púlpito em terreno comunista, com um pavilhão cheio (com o devido respeito pelas medidas sanitárias ainda em vigor), quase fazia apagar a primeira imagem de Jerónimo de Sousa no dia anterior.
Com um tempo de intervenção ligeiramente menor do que o habitual, foi um Jerónimo de Sousa combativo e de voz firme que falou aos seixalenses e a “todos os portugueses” que quer mobilizados “contra a direita e a extrema-direita”.
Certo que sobram poucas horas para o final da campanha e dois dias para a ida às urnas, Jerónimo mais restabelecido segue como secretário-geral do Partido Comunista Português que quer nestas eleições antecipadas contar para uma solução de governo à esquerda como a que reclama ter sido o idealista em 2015.