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O tema "Há pressa no ar" foi selecionado entre mais de 100 propostas para servir de hino ao grande encontro da Igreja Católica
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O tema "Há pressa no ar" foi selecionado entre mais de 100 propostas para servir de hino ao grande encontro da Igreja Católica

O tema "Há pressa no ar" foi selecionado entre mais de 100 propostas para servir de hino ao grande encontro da Igreja Católica

João Paulo Vaz, o padre do rock progressivo e dos costumes da Igreja que escreveu a letra do hino da JMJ

A letra que escreveu foi escolhida como hino do evento. Mas o padre estranha que Portugal seja o quarto em número de inscritos. "Se eu não obrigar o meu filho a ir à JMJ ele nunca mais o vai fazer."

“Ainda não sou um idoso jovem. Sou um jovem mais velho, só.” Aos 53 anos, 28 de sacerdócio, o padre João Paulo Vaz carrega na bagagem seis Jornadas Mundiais da Juventude, todas aquelas a que foi. Desta vez, coube-lhe uma responsabilidade maior: é o autor da letra do hino da JMJ, musicado por Pedro Ferreira. O tema “Há pressa no Ar” é um entre os muitos que já compôs, ao longo da vida, o atual pároco de Pombal, na diocese de Coimbra. Entre as responsabilidades litúrgicas, grava, dá concertos, tem um canal no Youtube, mas desengane-se quem o vê como um progressista. Está convicto de que aos pais e educadores caberia a responsabilidade de obrigar os filhos a participar na JMJ, catapultando os números de inscritos — na ordem dos 400 mil e com uma previsão de peregrinos a participar na Jornada em Lisboa na ordem de 1 milhão de pessoas. Sem desmerecer Francisco, admite que o Papa da sua vida é João Paulo II.

Quando o amigo Pedro Ferreira, músico da “Banda da Paróquia” (também fundador dos Anaquim) lhe mostrou uma melodia, composta ao piano, João Paulo soube que tinha de fazer uma letra para aquela música. Foi em 2021, altura em que começa o processo criativo. “Não alterando em nada a melodia, e com a guitarra na mão, fui escrevendo, como costumo fazer”, recorda o sacerdote, em entrevista ao Observador. Inspirou-se no tema da Jornada do Panamá [“Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segunda a tua palavra” Lc 1, 38], certo de que devia haver uma ponte com a edição de Lisboa. Meditou depois nos temas propostos pelo Papa para cada ano da JMJ, e finalmente encontrou o caminho: “O tema da edição de Lisboa [‘Maria levantou-se e partiu apressadamente’ (Lc 1, 39)] levou-me a rever a minha relação com a Mãe e, portanto, o processo criativo da letra tornou-se um tempo de oração muito profundo para mim.”

Coube ao músico Carlos Garcia fazer os arranjos musicais de “Há Pressa no Ar”.

O tema foi selecionado entre mais 100 propostas. Mas, já depois de ter sido escolhida como hino da Jornada de Lisboa, a letra acabaria por ser ajustada. João Paulo Vaz conta que a organização da JMJ lhe propôs mais uma estrofe, “com uma referência explícita a Isabel”.

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“É muito interessante também porque, tal como diz o tema da JMJ de Lisboa, Maria saiu apressadamente ao encontro de Isabel. O convite é que cada um possa também sair apressadamente ao encontro de tantos com tantos nomes.”

A descoberta aos 9 anos. E mais cinco anos de espera

Na vida do padre João Paulo nunca houve grande lugar para dúvidas. Natural da aldeia de Semide, no concelho de Miranda do Corvo, fez todo o percurso em Coimbra, até ao 9º ano, e a partir daí entrou no Seminário — primeiro em Aveiro e, depois, em Coimbra. Mas foi preciso ser travado pelos pais para não entrar mais cedo. Na Escola Primária do Areeiro, na Preparatória Eugénia de Castro, depois na Secundária Avelar Brotero, fez um caminho linear que terminou na inauguração da Escola da Quinta das Flores. Mas o percurso da família Vaz não foi sempre assim tão tranquilo. Primeiro, com a perda da segunda filha, com apenas quatro anos, e depois com os problemas de saúde de uma outra menina, fruto da rubéola que a mãe apanhou na gravidez. Há uma diferença grande entre o irmão mais velho (62 anos) e o mais novo (48), o que permitiu ao clã Vaz cruzar várias gerações. “O meu pai era um homem muito resiliente, muito lutador, que construía a vida”, sublinha João Paulo ao Observador.

“Este infortúnio trouxe-nos uma novidade, alguma coisa que aprendi com os meus pais: não há mal que não traga algum bem. A vida não é uma desgraça. E os infortúnios não são uma desgraça. Temos que aprender a acolher, e saber continuar a caminhar e a construir. Foi isso que os meus pais fizeram. Os quatro filhos que vieram a seguir foram a resposta de Deus àquela falta, àquele infortúnio, à pequena desgraça que lhes aconteceu. E de uma forma humilde: hoje parece surreal, mas na altura os meus pais não tiveram sequer forma de criar um memorial para a Margarida.”

É a essa humildade a que diz agarrar-se, quando é preciso. “Quando eu torno a minha vida um bocadinho mais desajustada, preciso de me lembrar disto. São marcas que me ajudam a recentrar e perceber o quanto a vida tem valor”.

Tinha apenas 9 anos quando despertou para o que se anunciava como uma vocação. “Nas férias, lá na minha paróquia de Semide, estavam por lá 8 ou 9 seminaristas, de várias congregações. Eu achava graça, porque quando eles vinham de férias ajudavam à missa, e deixavam-me subir ao altar e ajudar também. Aquilo enchia-me o peito”. Passado o verão, quando todos regressavam ao seminário, crescia no pequeno João Paulo a vontade de ir, também.

Quando contou aos pais que queria ser padre, encheu-os de contentamento. Porém, ambos acharam “que era muito cedo, sobretudo para sair da família”. E essa era, desde sempre, “tradicionalmente religiosa”. João Paulo é o terceiro de cinco irmãos, três homens e duas mulheres. Esperou cinco anos para entrar no Seminário, de onde só sairia quase uma década depois. De permeio, só na adolescência vacilou, cansado de esperar que os pais o autorizassem a seguir, para sempre, a vida religiosa. “A certa altura, aborreci-me com a conversa. Já pensava para mim ‘vou casar, vou ser pai de filhos, e vou ser sacristão e pronto’.” Mas quando chegou ao 9º ano os pais perguntaram-lhe se era mesmo o que queria. E era.

Uma mão no missal, outra na guitarra

O padre João Paulo não sabe ao certo quando foi que começou a ser músico, em simultâneo, embora reporte esses primórdios ao seminário. Pensando bem, essa já era a herança que carregava. “Toda a minha família sempre viveu num ambiente musical. Todos os meus irmãos tocam. A minha irmã mais nova canta, tal como os meus pais. O meu pai tinha um gosto tremendo de ver os filhos tocar e cantar. Por isso sempre foi este o ambiente em nossa casa”, conta ao Observador.

"Nos anos 60, 70 e 80 era a fase onde se fazia música a sério. Não se fazia música a metro [como agora]. Era música pensada, construída. Ainda hoje ouço muito. E hoje, com o Spotify e todas as plataformas é fantástico. É uma das coisas boas desta palermice que é o mundo de hoje."

No Seminário, por volta dos 16/17 anos, começa a compor. Era uma nova faceta do rapaz que sempre cantou, ao lado dos irmãos. O mais velho, agora com 62 anos, terá sido a grande influência musical. “Eu sou um aficionado pela música dos anos 60/70, para lá dos anos 80 que marcaram a minha adolescência”, confessa. Nos tempos livres, ouve Camel, Led Zepplin, Genesis (ainda com Peter  Gabriel), enquanto lhes aprecia a beleza das composições, os acordes. “Eu considero que era a fase onde se fazia música a sério. Não se fazia música a metro [como agora]. Era música pensada, música construída. Ainda hoje ouço muito. E hoje, com o Spotify e todas as plataformas é fantástico. É uma das coisas boas desta palermice que é o mundo de hoje.”

“Vou descobrindo agora muitas dessas coisas que me agradam tremendamente, dessa fase, e que eu não tinha (outra) forma de conhecer, porque não havia hipótese de comprar discos.” Em casa da família Vaz, o dinheiro era curto. Valia-lhes um primo “que tinha possibilidades” e que, por isso, uma coleção de discos enorme. O irmão gravava-os em cassetes.

Os pais casaram novos, ela com a terceira classe, ele com a quarta, ambos a trabalhar na cidade de Coimbra. Anos depois, o pai começa a estudar à noite, no curso da antiga escola comercial e industrial, de onde haveria de trazer também três prémios: melhor aluno da escola, melhor aluno do ano e do ensino noturno, já com dois filhos. A mãe continuava “a servir” nas casas de senhores abastados. Mais tarde, o pai consegue um lugar no banco, e a vida da família melhora.

Nesse tempo de tostões contados, os discos eram uma miragem. Por isso tem bem presente o primeiro que comprou: Stationary Traveller, o décimo álbum dos britânicos Camel. “Ouvi-os centenas de vezes. Tenho-o ainda, tal como o gira-discos. Foi um orgulho tremendo poder comprá-lo, com o dinheiro que ganhava nas férias.” Teria 17 ou 18 anos anos, e desde os 13 que empregava os meses de verão como ajudante de canalizador. “Havia aquela ideia lá atrás, que eu acho maravilhosa — e que hoje não é possível — de que um filho de família mais humilde, que estudasse, nas férias ia trabalhar para ajudar os pais nas despesas. Lá em casa todos fizemos isso. E esse trabalho moldou-me muito, fez-me não ter medo do que são os desafios da vida”.

Além do disco dos Camel comprou outro, na mesma altura, da mesma onda: Mike and the Mechanics.

Aos poucos, foi juntando dinheiro para comprar (por módulos) a aparelhagem. “Era o meu espólio, que acabei por levar para o Seminário”, conta o padre João Paulo, reportando-se ao tempo em que começa a compor. “Depois das influências tirei partido delas. E escrevi a minha própria história musical.” Nesses finais dos anos 80, acaba por reunir numa (primeira) banda alguns colegas seminaristas. “A banda Casal das Couves, que cantava e tocava coisas sobre a juventude, nos bailes, com os amigos. Coisas muito rústicas.”

A validação da pessoa humana como um manancial de riquezas, o relacionamento com os outros e a relação com Deus. É dessa trilogia que nascem as canções de João Paulo Vaz. "Hoje não seria padre se o meu pai e a minha mãe me tivessem feito a vontade."

Ao fim de semana divide o tempo entre os arraiais de verão e qualquer coisa que lhe deixou muita saudade: “As tardes de domingo, com os rapazes e raparigas da nossa idade, a correr pinhais, de uma aldeia para a outra, a tirar partido uns dos outros, a pé ou de bicicleta.” Regressavam depois ao clube da terra, para grandes partidas de matraquilhos. Está bem de ver que sempre haveria de trabalhar com jovens, ao longo da sua caminhada. E a música de permeio. Nunca a encarou como algo paralelo, mas sempre de forma integrada. “Aquilo que sou tem sempre esta presença e influência da música.”

Depois de ordenado padre, João Paulo Vaz começou por trabalhar no Colégio São Teotónio, em Coimbra, enquanto assistente espiritual e responsável pela animação religiosa. Quando o bispo o chamou para lhe comunicar a função, já sabia que era músico. E advertiu-o de que “a música não era tudo, pois que agora havia outras responsabilidades”. “Eu ouvi, claro, mas com a certeza de que não era verdade. Porque, para mim, uma coisa nunca esteve separada da outra. O certo é que não vivo para a música, mas não vivo sem ela. Seja naquilo que escuto seja naquilo que componho.”

Em português há nomes que o acompanham desde sempre: Fausto, à cabeça, e depois Sérgio Godinho, passando por Sétima Legião e Jorge Palma. Também ouviu muito José Mário Branco e Zeca Afonso. “Isso nota-se no tipo de composição que faço.”

Nem tudo o que compôs foi de índole religiosa, mas “a melodia está sempre ao serviço da mensagem, seja ela com palavras ou não”. E identificou algumas linhas orientadoras para as letras, que aborda sempre: a validação da pessoa humana como um manancial de riquezas, o relacionamento com os outros e a relação com Deus. É dessa trilogia que nascem as suas canções. “Depois, há outra escrita que nada tem a ver com isto, que é mais popular.” E desse registo também gosta. Ficam-lhe na memória os almoços de família que acabavam com grandes espetáculos, as violas e os cavaquinhos já iam no carro. E hoje ainda canta “uma série de medleys”, inclusive com Quim Barreiros — “acho maravilhoso”.

Na música, como na vida, João Paulo Vaz acredita que “cada estilo tem o seu lugar”. A conversa cruza agora as duas dimensões da sua vida: “É a mesma coisa que acontece hoje, e que é uma atrocidade: alguns noivos pedem para uma celebração religiosa de um casamento músicas que nada têm a ver, temas que animaram um momento qualquer do seu namoro. E se formos desmontar aquilo, nada tem a ver com o que estamos a celebrar.”

Obrigar é preciso

Os Escuteiros entraram cedo na sua vida. Fez a promessa aos 16 anos, então como sénior — atuais pioneiros —, seguindo depois como caminheiro, dirigente, trabalhando ainda na estrutura regional do Corpo Nacional de Escutas (CNE).  Muitos conheceram-no como “o padre dos escuteiros”, assistente regional durante 14 anos. Na paróquia da Tocha — que antecedeu a ida para Pombal — fundou mesmo um agrupamento. “Sempre considerei muito os benefícios da pedagogia escutista na vida dos jovens.” No escutismo fez uma descoberta que considera fantástica: “Conciliar a fé, a vida espiritual, o sentido do transcendente, com a natureza, a habilidade manual e a presença no mundo.” João Paulo Vaz entende que “isso é transversal à religião”. E cita Baden Powel, o fundador, para lembrar que “não há escuteiro sem religião. Mesmo sem fé”, acrescenta.

Esse trabalho com as crianças e jovens tem marcado todo o percurso do padre. “Cresci muito com eles, nos acampamentos, no convívio, e não só no sentido da fraternidade, mas também no sentido de uma paternidade — que assumo de uma forma diferente.” E isso trouxe do colégio de São Teotónio, desde logo, a experiência que o fez “assumir como pastor de uma forma mais integrada”, e logo depois ao assumir o secretariado diocesano da Pastoral Juvenil. De resto, só deixaria essa responsabilidade na última década, quando lhe foi entregue a paróquia de Pombal, que reputa de “muito exigente”. “E, sendo esta tão numerosa, com tantos grupos de catequese, tive que continuar a trabalhar nessa área.”

Pedro Ferreira

João Paulo encontra grandes diferenças entre os primeiros jovens com quem trabalhou, há quase três décadas, e os que agora crescem. “Mas tenho que reconhecer que a diferença também está em mim. Na verdade, temos diferenças sociais e culturais com uma consequência muito grande. Com todos os benefícios que o progresso nos trouxe — tudo o que hoje temos nas mãos é quase incomensurável. Quando pegamos num telemóvel e podemos fazer tudo com ele, isso nota-se. Eu não tive capacidade de integrar isto com a rapidez com que nos foi proposto. E os nossos jovens também não.” O padre admite que hoje é mais difícil e complexo lidar com os mais novos: “A oferta é muito boa, mas é tanta que os dispersa. Eles disparam em muitos sentidos e por isso não conseguem focar-se, dar prioridade a algo. Tudo é relativamente importante, mas nada é muito importante. Por outro lado, também sinto que os jovens hoje estão mais afunilados naquilo que podem ser as experiências da sua vida. É como dizer que um ecrã tátil lhes chega. E daí a importância dos escuteiros, que ainda apresentam outras formas, outras possibilidades. Aquilo que o Papa Francisco diz: não olhar o mundo só pela varanda. E há 40 anos nós queríamos experimentar o mundo, porque tínhamos muito pouco.”

“É estranho a Jornada [JMJ] ser em Portugal e o grupo português ser apenas o quarto grupo em número de inscritos”, considera o autor do hino. Justifica-o com esse afunilamento latente, apesar de haver “muita informação”. “Mas tudo o que toca à Igreja hoje é muito sancionado. Há uma triagem natural. E os canais de informação ficam truncados. Como os nossos jovens lêem pouco, não chegam a saber. E os que sabem, são capazes de reconhecer que aquilo até tem valor, mas não querem.” O padre revela que fez essa mesma experiência com as famílias de acolhimento, e não esconde a deceção. Apesar de muita dinamização, foram muitas as que recusaram. “Não sei se é só uma questão de comodismo, ou medo do desconhecido, de não saber quem aí vem. Os próprios jovens questionam ir por receio de não terem onde carregar o telemóvel! Parece-me que falta aqui alguma valorização dos processos.”

De certa maneira, diz que já estava preparado para este banho de água fria. Porque depois de ter participado em todas as Jornadas Mundiais da Juventude, “isto acontece em todos: o país acolhedor nunca é o que tem mais inscritos”. Ainda assim, está convicto de que “isto depende muito da forma como apresentamos a proposta. E não é pela falta de comunicação. Isto faz-nos passar a outro lado da questão: as nossas famílias, os nossos professores, nossos educadores. A forma como apresentamos e como motivamos. E a forma como obrigamos”. João Paulo Vaz admite que esta sua postura pode fazê-lo parecer “muito antigo ou quadrado”, mas assume o risco. “Eu não consigo separar a ideia de um pai ou uma mãe que ama um filho e que às vezes tem de o obrigar a fazer algumas coisas que ele não quer. É pelo seu próprio bem. Se eu não obrigar o meu filho a ir à JMJ ele nunca mais o vai fazer. E não terei mais oportunidade de o obrigar sequer.”

A validação da pessoa humana como um manancial de riquezas, o relacionamento com os outros e a relação com Deus. É dessa trilogia que nascem as canções de João Paulo Vaz. "Hoje não seria padre se o meu pai e a minha mãe me tivessem feito a vontade."

Certo de que essa experiência traz consigo uma “transformação” — “como eu vi o quanto aquilo os tocou e ainda toca” —, lamenta essa falta de determinação. “É por isso que gosto muito daquela rábula do Raul Solnado: ‘o meu pai, que é um homem liberal, um dia disse-me: meu filho, quer tu queiras quer não queiras, tens de ser bombeiro voluntário!”

Essa “incapacidade” das famílias será transversal a várias áreas da sociedade, para lá da religião. “Tem a ver com o desporto, com a escola, com as próprias relações, os namoros, tanta coisa que hoje não acontece porque há uma certa demissão dos papéis, muitas vezes para não ficarmos mal na fotografia. Como não temos tanta certeza das nossas relações afetivas, temos medo de perder. E os pais têm medo de perder o afeto dos filhos.”

João Paulo Vaz recusa ser um conservador, mas apela à firmeza de separar “o importante do acessório, o essencial do urgente”. “Provavelmente, hoje não seria padre se o meu pai e a minha mãe me tivessem feito a vontade e me deixassem ter ido para o Seminário aos 10 anos. Provavelmente não teria corrido bem, como não correu para muitos. E se o meu pai me tivesse satisfeito aquele capricho de ir, porque os outros amigos mais velhos iam, eu não sei se hoje seria padre.”

A Jornada que “vai ficar muito cara”

Ao princípio, também ele embarcou na expetativa do milhão e meio de jovens em Lisboa, mas também porque Portugal “é um país apetecível, que em muitas pessoas do mundo só é visitado numa circunstância destas”. Perante a realidade, que foi reduzindo os números, está convicto de que “não é grave se vier só metade” do número admitido pela organização. “Para mim, o maior problema está nas questões práticas: não teremos um milhão e meio pelo facto de os jovens não quererem vir, ou por ser Portugal, onde temos fama de organizar bem as coisas. Será pelas questões que aponto. Muitos dos grupos que declararam interesse em vir, depois não confirmaram. Uma das razões é o preço das viagens.” Na sua paróquia, em Pombal, esperava 1500 peregrinos, mas os números de inscritos apontam agora para 600. “Esta jornada vai ficar muito cara aos nossos jovens”, sublinha. E haveria forma de ficar mais barata? “Não. Em 2008, quando participei na Jornada de Sidney, já paguei 200 euros só de inscrição. E 2.100 de viagem.” E a saúde do Papa, que chegou a suscitar algumas dúvidas sobre a sua vinda, não terá pesado nessa decisão? João Paulo Vaz duvida. Até porque, da experiência que tem, “os jovens não vão a uma Jornada para se encontrar com o Papa X, Y ou Z, mas sim com o Santo Padre. É um encontro de Igreja”.

Com o Papa João Paulo II não partilha apenas o nome. Identifica-se muito com todo o seu pontificado. Também reconhece Francisco como “um Papa de topo, que consegue passar-nos a profundidade da mensagem numa linguagem muito simples, que toda a gente entende, reconhece e respeita. Uma simplicidade que nos atordoa. E isso é único na história da Igreja”. Mas não hesita em afirmar a sua preferência: “O Papa da minha vida é São João Paulo II.” Viu-o de perto, em criança, no Estádio Municipal de Coimbra, marcou-o em toda a juventude e na chegada à idade adulta, na fé. Porém, reconhece também no Papa Bento XVI “a mestria e sabedoria de Deus. Porque entre um João Paulo II e um Francisco, tinha que haver um Bento XVI. Que lançou para a Igreja as bases doutrinais e teológicas que nos possibilitam perceber muito bem a aplicação que o Papa Francisco faz”.

Nem progressista, nem conservador. João Paulo Vaz considera que lhe assiste alguma criatividade “muito própria”, que não se enquadra em nenhuma das correntes. “Não sou progressista. No sentido em que não esqueço o que é da configuração da Igreja”. Para mais, deixa o exemplo: na pandemia, levava a viola para o altar e musicava os salmos. “E por isso sou progressista? Não. Porque ao mesmo tempo acho maravilhoso toda a música sacra cantada a quatro vozes e acompanhada com a solenidade de um órgão de tubos. Acho que a Igreja tem que responder àquilo que são as necessidades da sua liturgia, sem fechar portas. Mas há uma solenidade por trás de todas as coisas: se eu for a uma sessão solene não vou de calções! É preciso saber estar. O que me aborrece é a falta de comunhão e sintonia nas normas. Eu posso discordar. Não tenho é que ser uma carta fora do baralho. Não vou cantar músicas do Quim Barreiros numa celebração litúrgica. Assim como não vou à Kiay (discoteca da zona) cantar músicas de entrada da missa.” Noutros palcos, continuará a cantar as músicas que compõe, ora com a sua própria banda, ora com a “Banda da Paróquia”, ou ainda com o grupo de fados que também integra. Os amigos dizem ser um mistério esse milagre que arranja todos os dias, para fazer tanta coisa. Para ele, “Há pressa no ar”, sempre.

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