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Foi a primeira vez que entrou num jornal. Nesse ano de 1963, ele, que é dado a pressentimentos, sentiu que faria da imprensa uma forma vida. Marcelo Nuno tinha 14 anos e andava no que corresponde hoje ao 9.º ano, no Liceu Pedro Nunes, quando participou numa visita de estudo ao Diário Popular — que ainda pertencia à família de Francisco Pinto Balsemão. Impressionou-se com a redação. Vibrou com a forma como as notícias chegavam de todo o mundo. Ficou entusiasmado quando viu a rotativa a imprimir as páginas com aquele cheiro a tinta que o acompanharia tantas vezes em longas noites de fecho de edição. Dias depois, o adolescente escrevia uma composição sobre aquela experiência num teste de Português, que se pode consultar no arquivo da Biblioteca de Celorico de Basto: “Será difícil exprimir tudo o que senti naquele momento em que começava a apreciar aquela organização modelar: uma força sobrenatural chamava-me, a realidade impelia-me!… Com o cair do sol daquela tarde abafada, um peso caía também sobre o meu coração, como fora um traço indelével, a marca da minha sina.” Era verdade. Uma premonição. Marcelo viveria dos jornais e para os jornais.
Era uma “sina”: Rebelo de Sousa havia de fundar projetos jornalísticos e de inventar a sua própria personagem nas páginas impressas ao longo dos anos 70 e 80. Mais tarde, com a perda de importância da imprensa, passaria para a rádio e para a televisão. Seria um dos pais fundadores do jornalismo político português do pós-25 de Abril. Mais do que jornalismo, faria política nos jornais. Foi fundador do Expresso em 1973. Aos 24 anos já era um dos colunistas políticos mais influentes do país. Quando chegou a diretor, aos 31, criou a Revista do Expresso, desenvolvendo sem olhar a gastos um dos projetos mais marcantes do jornalismo de referência. Anos depois, fundou o Semanário: lançou a Olá e, com isso, foi precursor das revistas cor-de-rosa. Abriu a tendência para políticos se tornarem comentadores na televisões. Era o criador de factos políticos. Intrigava da primeira página até às colunas de coscuvilhices.
No sentido rigoroso do termo, nunca foi verdadeiramente um jornalista, mas até hoje nunca deixou de pensar como tal. Antes de chegar a Presidente, era capaz de se referir a um profissional de informação como aquele “nosso colega”.
Esta quinta-feira, o Presidente da República esteve outra vez entre os antigos camaradas de profissão — Marcelo é pelo menos colega de juristas, professores e jornalistas — na entrega dos Prémios Gazeta. Falou de jornalismo num discurso curto, para falar das “cores escuras” do panorama da imprensa portuguesa: “Quero deixar uma palavra para adensar as cores escuras com que pintei há um ano o panorama nacional de muita da nossa comunicação social. Estamos a sair da crise das finanças públicas, crescemos mais do que esperávamos, o emprego aumentou, mas houve mais alguns jornais a morrer ou a sofrer agruras para sobreviverem. Mais jornalistas foram despedidos, as tiragens mirraram até valores inimagináveis, as rádios conheceram limitações enormes na sua viabilidade quotidiana, e até as televisões enfrentam desafios complexos”, disse, numa curta intervenção depois de dar os prémios e a palavra aos galardoados. Também afirmou que o jornalismo “não vai morrer”. E que é um fundamento da democracia. Mas não se alongou. Se quisesse, podia ter contado a história da sua vida.
Uma cunha de Caetano para dizer mal do regime
O pequeno Marcelo Nuno tinha recebido há dois ou três anos uma máquina de escrever portátil, um verdadeiro luxo, com um teclado AZERT, no qual dactilografou o primeiro artigo que publicou na imprensa nacional. Devia ter 15 anos quando o seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, meteu uma cunha ao diretor de O Século para o miúdo se estrear naquilo que repetiria milhares de vezes ao longo da vida. A sua peça inaugural foi a defender a regionalização. Mais tarde, escreveria crítica de cinema no jornal da Juventude Escolar Católica e no jornal do liceu Pedro Nunes, chamado Perspectiva.
Na faculdade, passou para outro patamar. O melhor estudante da Faculdade de Direito de Lisboa já procurava as páginas impressas para influenciar. Mesmo em ditadura. O jovem estava cada vez mais próximo da Ala Liberal de Pinto Leite, Sá Carneiro e Pinto Balsemão, e dos tecnocratas do Governo de Marcello Caetano, como João Salgueiro, secretário de Estado do Planeamento, que tinha como assessor jurídico Luís Nandim de Carvalho — futuro grão-mestre da maçonaria. Eram amigos. Conheciam-se há anos da faculdade e das partidas de ténis nas férias do Estoril. Agora começavam a jogar à política nos jornais. Nandim tinha participado numa coluna de opinião coletiva e anónima, assinada Coesus, na página sete do Diário Popular. Com a sua suprema lata, Marcelo Rebelo de Sousa havia de meter uma cunha ao próprio Marcello Caetano para escrever uma coluna de opinião n’ A Capital, que tinha um dos amigos do Presidente do Conselho como diretor. E assim recriava a coluna dos Coesus com Nandim de Carvalho. Os artigos eram escritos rotativamente por Marcelo e Nandim, e por outros amigos, e que tinham que ver essencialmente com a renovação do regime: era preciso mudar o ensino, a política, a sociedade e eram cortados pela censura.
No verão de 1970, Marcelo envia uma carta a Caetano informando-o de que vão começar estas intervenções jornalísticas e políticas, dado que a existência da coluna de opinião tinha sido facilitada pelo próprio. E dá-lhe uma ideia sobre a tendência ideológica dos Coesus, uma estranha fórmula política, pedindo-lhe “compreensão para este primeiro passo de jornalismo” e uma certa atenção. Esta é uma tendência “marcelista de centro-esquerda” em apoio das “linhas avançadas do Governo”. No fundo, diz-lhe que será um apoiante crítico. Prepara-o.
Com esta carta, Marcelo pede autorização para publicar os seus artigos ao chefe da ditadura e promete enviar-lhos para aprovação. Não fica exatamente explícito que a coluna é de autoria coletiva, embora Marcelo se refira a um “pseudónimo comum”. O problema é que, apesar de todas as garantias de Rebelo se Sousa, a experiência corre mal e Caetano zanga-se. Nos dois volumes do livro Cartas a Marcello Caetano, onde consta parte da correspondência privada do ex-presidente do Conselho, o historiador Freire Antunes publica a seguinte nota de rodapé: “Depois de ter procedido à leitura [dos artigos], Maurício de Oliveira [diretor de A Capital], transmitiu a Caetano a opinião de que eles não haviam sido escritos, na sua totalidade, por Sousa, dada a variação de estilo e de ideias.” O engano, confusão ou mal-entendido deixa Marcello Caetano exasperado.
As prosas fazem o presidente do Conselho sentir que foi traído pelo seu protegido. Nesse momento, a relação esfria. Mas ainda esfriaria mais no passo seguinte dado por Marcelo Nuno no jornalismo político: a fundação e lançamento do Expresso, a nova tribuna da Ala Liberal.
Contratado para o Expresso com a persiana à volta do pescoço
Na primavera de 1972, o Expresso é uma ideia. Avançará decisivamente com a chegada do verão. A família de Francisco Pinto Balsemão já tinha vendido o Diário Popular e ele começava agora a trabalhar no projeto da sua vida, de forma quase doméstica, a partir de um oitavo andar no Marquês de Pombal, onde ocupa uma sala no escritório de advogados de André Gonçalves Pereira, um dos seus melhores amigos. O advogado é uma das figuras que lhe fala em Marcelo Rebelo de Sousa, que Balsemão já conhecia: era aquele jovem com reputação de aluno brilhante que aparecia com frequência na Assembleia Nacional quando a Ala Liberal ganhava protagonismo.
Em junho desse ano, Balsemão marca uma entrevista com o jovem jurista de 23 anos, recém-licenciado com uns raros 19 valores de média. Marcelo sobe ao escritório e aguarda na sala uns 15 minutos, sem resistir a uma inexplicável extravagância. Paula Calisto, secretária de Balsemão, recorda-se daquele momento original: “Ele era muito brincalhão e irreverente. Então, enrolou-se na fita da persiana e disse: ‘Se não for admitido enforco-me.’ Eis que Balsemão entra e o vê…” A secretária não se esqueceu a reação do chefe: “Lembro-me de Balsemão logo a seguir ter comentado: ‘O tipo para além de parecer genial é louco!…'”. Lançar um jornal liberal e democrata sem liberdade de imprensa também era um ato de loucura.
O semanário incorpora um projeto político para alargar a influência dos liberais e agitar as águas paradas do regime, defensor da democratização, do desenvolvimento económico e da descolonização (de forma mais vaga). O projeto abre uma janela de frescura na imprensa portuguesa. Como administrador-delegado — também será administrador mais tarde — Marcelo começa por ser responsável pela campanha de assinaturas. Acompanha o marketing, as campanhas de publicidade e a área comercial. Desde muito cedo, fica responsável pelas páginas dois e três, por onde passam as mais importantes notícias políticas. O jornal é lançado em janeiro de 1973. É Marcelo Rebelo de Sousa que leva António Guterres (seu amigo no grupo católico da Luz) a Pinto Balsemão, para o aceitar como um dos pequenos acionistas do projeto.
Marcelo Rebelo de Sousa inaugura então a coluna “Gente”, onde ironizará com os aspetos mais burlescos do mundo político, e que se mantém até hoje nas páginas do Expresso. Na segunda edição, a “Gente” aparece assinada pela única vez, e com o pseudónimo Tó-Patuto. Tendo apenas uma edição para fazer história, Tó-Patuto faz um desabafo que não foi cortado pela censura: “Gente gostaria de ser mais política, mas não pode. Por outro lado, só ela sabe como é difícil fazer crónica social entre nós sem melindrar os intocáveis.” Com o tempo, a coluna torna-se temível para esses intocáveis.
O primeiro artigo de Marcelo Rebelo de Sousa assinado com o seu nome verdadeiro só seria publicado um mês depois do lançamento do jornal. A primeira peça assinada com as iniciais N. S. – Nuno Sousa – é impressa na página dois a 10 de março, com o título: “Os caminhos da direita portuguesa.” Na edição seguinte, surgem as iniciais de M.R.S., sobre as vantagens em Portugal do associativismo político. Os artigos assinados com o nome completo de Marcelo Rebelo de Sousa são raríssimos. Terá sido combinado com Pinto Balsemão. O nome Rebelo de Sousa estava demasiado conotado com o regime: era um Rebelo de Sousa com graduação em Marcelo, nome excessivamente fascista para quem estivesse contra a ditadura. Pelas mesmas razões, continua a evitar a assinatura verdadeira mesmo depois da revolução. Em 1974, usa pseudónimos como Nuno Sousa ou Duarte Fernandes (nome de família da mãe) e por vezes as iniciais MRS.
Se Marcelo já dormia pouco, em 1973 passa a dormir ainda menos. As negociações com a censura são da sua responsabilidade, o que o leva a ter de esperar até altas horas da noite pela aprovação dos textos. As prosas regressam do Bairro Alto censuradas e, entre as três e as cinco da manhã, estão na Duque de Palmela, onde funcionava o jornal. Só depois de ter as páginas fechadas é que dorme umas horas. Às nove da manhã, está na Faculdade de Direito a dar aulas.
A relação com o Exame Prévio — novo nome dado pelo marcelismo à censura — obedece a esquemas para iludir os coronéis, nem sempre eficazes, com resultados frustrantes para os autores dos textos. Poucos meses depois de o Expresso ser lançado, Mário Bento Soares toma posse como presidente do Exame Prévio, que Rebelo de Sousa procura exasperar sistematicamente. Ele tratava-o por dr. Mário Soares e o censor respondia-lhe: “dr. Mário Bento!” E ele insistia: “Sim, dr. Mário Soares!” Marcelo diverte-se a gizar planos para apoquentar os censores, com manobras de evasão na esperança de uma brecha: envia os artigos de política o mais tarde possível na madrugada, por entender que era o turno dos censores mais fracos, para ter os homens do lápis azul a baixar o zelo com a vontade de irem para casa dormir. Abrindo outra frente para tentar fintar a censura, Marcelo começa a publicar na Gente as suas fábulas chinesas e medievais com personagens fictícias e acontecimentos figurados, mas que permitem aos leitores informados descodificarem os alvos.
Uma edição gloriosa: Marcelo desobedece à censura no 28 de Maio
Em maio de 1973, Balsemão aceita um convite do seu amigo espanhol, o jornalista Juan Luís Cébrian – que lançaria o El País – para uma conferência em Espanha e afasta-se pela primeira vez do jornal. Apenas com 24 anos, Marcelo Rebelo de Sousa fica com rédea solta a comandar o Expresso: um perigo, uma deriva louca, um rapaz imprevisível achando-se um génio intocável ou um libertino criativo, manda publicar textos como se vivesse num país que ainda não existe. O jornal será publicado no dia 2 de junho. Marcelo acha que a edição é um ato de heroísmo épico, um gesto de liberdade pela medida grande.
A manchete dá conta das polémicas do primeiro congresso dos combatentes do Ultramar: “Direita radical em congresso: política separa os combatentes que se reúnem.” A Revista publica um longo trabalho sobre os 47 anos do golpe de 28 de maio, que abriu caminho para Salazar fundar o Estado Novo. O título sugere a morte do regime: “A Autópsia Política do 28 de Maio.” A manchete secundária vai ao coração do ministro do Interior: “STA [Supremo Tribunal Administrativo] anula despacho de Rapazote.” No canto inferior direito da primeira página, o Expresso viola o maior tabu do regime e dogma intocável, ao dar conta sem rodeios da realidade mais grave em Portugal, ausente dos jornais: “Situação diplomática e militar na Guiné.” Marcelo expõe o proibido, os mortos em combate e o revés militar no Vietname português.
O texto noticia a operação “Ametista Real” e cita comandos das Forças Armadas na Guiné a dizer que “houve uma fortíssima reação do inimigo, enquadrado e reforçado por numerosos mercenários estrangeiros. Segundo dados oficiais, as tropas portuguesas sofreram 11 mortos e 48 feridos”. Como se não bastasse, a notícia diz que “recrudesceu, como é evidente, o panorama da guerrilha na Guiné, como fora anunciado logo após a morte de Amílcar Cabral“. E ainda sublinha que se realizara o Congresso do Povo guineense, onde o general Spínola disse que pretendia “fazer entrar aquele território no processo democrático”. Impensável.
Na página seis, o editor do internacional Martins Lopes quase escreve um manifesto comunista sob o título “Inglaterra: sindicatos conformistas.” O texto começa assim: “Escreveu Engels que a classe operária da Grã-Bretanha lutou árdua e mesmo violentamente, durante anos, pela carta do povo. (…) Por sua vez, Marx acreditou até ao seu último dia de vida, que os operários ingleses dariam em breve o sinal da revolução (…), uma população que nunca experimentou a repressão fascista.” No suplemento Revista, a autópsia do cadáver do 28 de maio é seguida de um longo artigo sobre os cinco anos do maio de 68, onde se faz uma história dos países comunistas e leninistas e se classifica o maoísmo, o trotsquismo e o anarquismo.
Patrão fora, “Marcelete” em casa. Nas páginas de opinião, o jornal foge à tradição de publicar textos dos liberais e imprime um artigo de opinião de Mário Soares, exilado em Paris, que entretanto já tinha fundado o Partido Socialista na Alemanha. O texto foi entregue em mão a Marcelo pela própria Maria Barroso, dado que o marido estava exilado no estrangeiro. No editorial, o Expresso critica o passadismo de um discurso do ministro do Interior, Gonçalves Rapazote: “Continuação fiel, com alterações de pormenor, de uma política velha com mais de quatro décadas.”
Feitas as contas, Marcelo terá desrespeitado umas dezenas de cortes da censura. Mais do que era hábito às sextas-feiras, conduz o seu Fiat 127 todo satisfeito a cofiar a pera, pela madrugada, até ao Estoril, insuflado por esta obra magnífica, uma maldade terrível, um atrevimento do suposto afilhado de Marcello Caetano que era era um ato para ficar nos anais.
Às cinco da manhã chega a casa. O telefone toca. Marcelo atende.
– Estou! Marcelo? Fala Feytor Pinto!… – Pedro Feytor Pinto era o diretor dos Serviços de Informação, que tinha sobretudo o pelouro das relações com a imprensa estrangeira. Quando havia bernarda da grande, ligava a Marcelo para o avisar.
– Você prepare-se que isto vai ser o fim do mundo! Aqui está tudo de cabeça perdida com o que vai sair no jornal… O Pedro Cardoso vai ligar-lhe daqui a dois minutos… – Depois, quando havia mesmo bernarda, quem intervinha era o diretor-geral de Informação, Pedro Geraldes Cardoso.
Marcelo desliga. O telefone volta a tocar sem que passem os dois minutos.
– Está? Dr. Rebelo de Sousa? Fala Pedro Geraldes Cardoso. O senhor doutor está louco?
– Porquê? Sr. diretor-geral, não estou a compreender, estou cheio de sono… Como? Se eu vi como saiu este jornal? Eu não sei como é que saiu este jornal. Não, não sei…
– Viu bem que não respeitou 54 cortes da censura!…
– Não, eu realmente… bom… já estava muito cansado, mandei desrespeitar porque já era muito tarde… era só meia dúzia ou uma dúzia…
Irritado com as sonsices, Pedro Geraldes Cardoso informa Marcelo que a partir daquele momento o Expresso passa a estar sujeito a prova de página. Para o jornal, podia ser uma fatalidade.
A brincadeira havia de sair cara. Quando Francisco Pinto Balsemão regressou de Espanha, apanhou um susto. O Expresso foi castigado com prova de página. Era preciso paginar tudo e mandar à censura. Se houvesse um corte de três linhas, era preciso voltar a paginar e mandar de novo para a censura, o que atrasava a distribuição e a impressão. O grande problema desta burocracia é que tornava impossível fechar a edição do jornal a horas de distribuir o Expresso em todo o país ao sábado. Chega a haver edições distribuídas ao domingo.
O jornalista excêntrico: ditar dois textos de cada vez
No início da atividade jornalística, Marcelo tinha começado por escrever à mão com a sua letra arredondada e feminina, os artigos que as secretárias depois batiam à máquina. Mas a velocidade a que vivia levou-o a adotar um método que ficará nos anais do Expresso como mais um mito sobre a estereofonia invulgar daquele cérebro. Marcelo ditava dois artigos ao mesmo tempo a um par de secretárias que os escreviam à máquina, atendia chamadas pelo meio de frases incompletas e retomava os textos de seguida sem perder o fio do raciocínio nem das palavras que tinha deixado penduradas. “Sim, sim, onde é que vamos, minha filha, onde é que vamos? Então, tal, tal e tal”, e continuava o ditado, imperturbável. “Eu vi”, conta a jornalista Maria João Avillez. “Vi-o ditar notícias diferentes à sexta-feira, para o fecho do Expresso, a duas ou três secretárias.” O pretexto era para poupar tempo.
Os artigos acabavam por ser longos e discursivos, como um professor a dar aulas, cheios de contextualização, com algumas notícias pelo meio e alfinetadas com objetivos políticos.
Se o método já era de uma invulgaridade sem precedentes, Marcelo tornaria a situação mais inusitada quando subiu para cima da mesa a discursar textos para as secretárias. Mais tarde, nos anos 90, quando fazia o Exame na TSF, usava o método contrário. Se nos jornais ditava os textos em voz alta, na rádio — pelo menos numa primeira fase — lia os textos que trazia preparados de casa.
Tinha espírito jornalístico, faro para a notícia, mas nunca teve a seriedade nem as preocupações éticas de um jornalista, diz outro contemporâneo do Expresso. Muitas vezes não confirmava as notícias nem cruzava a informação. Toda a gente gostava dele, era respeitado, mas poucos confiavam muito nele, diz um amigo de longa data que também passou pelo jornal.
Havia uma certa relatividade na maneira como relatava os factos, conta Vicente Jorge Silva: “O Marcelo era a pessoa que dava as notícias da primeira página, eu diria que as fabricava, porque ele era capaz de construir uma notícia a partir de um sururu qualquer. Ele tem esse lado pérfido, mas havia sempre alguma verdade nessas notícias, porque arranjava as coisas de maneira que a informação fosse sustentada.” Intrigava. Fazia notícias e opinião muitas vezes com segundas intenções. Não dava ponto sem nó.
Balsemão era mais cuidadoso na filtragem das notiícias, servia de contrapeso aos repentismos de Marcelo. Por vezes exigia saber quem eram as fontes de certas informações pouco plausíveis, que acabavam por cair. “Passei pelo jornalismo e nunca fui nem serei um jornalista”, diria Marcelo em 1982 numa entrevista ao Portugal Hoje, já como secretário de Estado.
Em 1976, a Sojornal lançava o Jornal da Costa do Sol e publicava um documento único: uma entrevista conduzida pelo próprio Francisco Pinto Balsemão, diretor do Expresso, ao jovem Marcelo Rebelo de Sousa, apenas com 27 anos e um poder precoce para a idade. Na entrada do texto, Balsemão assume ser amigo de Marcelo há três anos, escreve que ele é inteligente, rápido, divertido e generoso, mas assume que “nem sempre” compreende os seus “esquemas, contradições e ambições”. Os esquemas referidos por Balsemão são as notícias que ele considera artificiais, que interessam a Marcelo para proteger ou promover alguém, ou para se promover a si próprio.
Mas o jovem jornalista é a alma e a energia criadora do Expresso, um estatuto comprovado pelos resultados de um inquérito do jornal aos leitores, onde Rebelo de Sousa é a grande estrela. A secção Gente é a mais popular: 96% dos inquiridos dizem que “leem sempre” os mexericos de Marcelo. Na parte séria, o comentador é uma âncora fundamental: 94% leem sempre a análise da página dois (contra 73% do Editorial) e 83% dos inquiridos dizem que lhes “agrada muito”.
Não é possível separar o Marcelo-jornalista do Rebelo de Sousa-político, que coexistiam na vida e nas páginas do jornal. Não hesitava em usar as notícias a seu favor, mesmo quando era ele próprio o protagonista da intriga. Um exemplo: na primeira página do Expresso de 23 de novembro de 1974, dia de arranque do Primeiro Congresso do PPD, uma fotografia mostra o senador norte-americano Edward Kennedy numa mesa redonda do Expresso (com Balsemão, Marcelo, e outros jornalistas). Ao lado, aparece a notícia redigida por Marcelo sobre si mesmo, sobre a sua eventual saída do PPD antes do congresso que estava prestes a realizar-se, mais uma prova de como usava o jornal: “Um dos pontos mais especulados na semana que passou foi a eventual saída do PPD de Marcelo Rebelo de Sousa, administrador da empresa proprietária do Expresso. Indagado acerca da sua posição atual, Marcelo Rebelo de Sousa disse-nos”, e a notícia seguia assim:
“Tenciono ir ao congresso do PPD. Não escondo que, embora nunca chegasse a formalizar qualquer pedido de demissão (como afirmei ao Diário de Notícias, divergi ultimamente de várias orientações, estruturas e atuações pessoais dentro do Partido. Ilustrando, eu concebo o PPD como um verdadeiro partido social-democrático (o que me parece corresponder às intenções dos fundadores) e não como um partido liberal, com verniz mais ou menos socializante. (…) Estou confiante, surpreenderá alguns observadores pela sua nítida opção de esquerda.”
Já nessa época aparecia como a “esquerda da direita”, como ele próprio se auto-intitulou na campanha das presidenciais. A sua vida era frenética. Dava aulas, ia para o jornal, era deputado constituinte e ainda se candidatava à distrital de Lisboa do PPD. Para ter um quotidiano ainda mais infernal, havia o Expresso Extra, a edição especial de quarta-feira para cobrir a torrente de notícias da revolução. Fechava um jornal à sexta, descansava sábado, reunia domingo (ou mesmo no sábado) a preparar a edição de quarta, fechava-a à terça e lançava a edição normal na própria quarta-feira. A aventura do Expresso Extra terminaria em 1976, e seria responsável pelo prejuízo que o jornal teve nesse ano.
O escândalo dos sete mil contos
A Gente continuava a ser alimentada pelo colunista mesmo quando estava a banhos no Algarve. Nessas circunstâncias, ditava as prosas ao telefone: era a Gente de Verão. Poucas coisas dão mais prazer a Marcelo do que apoucar os pontos fracos dos outros, em privado, em público ou no jornal. Certa vez, em 1977, contaria a história de um sábado em que o Expresso esgotou no Algarve, em que toda a gente tentava comprar uma edição no quiosque, mas a jornalista Maria João Seixas – que gagueja – não conseguiu comprar o seu “exemplar porque se atrasou a pe-pe-pedir que-que-que lho man-man-mandassem.” Uma maldade, como tantas que fez naquelas breves notícias carregadas de veneno, ironia ou apenas divertimento.
Aquela página ultrapassa largamente o burlesco quando descreve as estranhas torturas feitas aos militares detidos depois do 25 de novembro de 1975. É verdade, o Expresso publicou isto numa Gente:
“Assim, na Polícia Militar – onde as torturas não ficavam aquém das praticadas pela ex-PIDE/DGS – os detidos eram obrigados a limpar com a língua a parada e a práticas sexuais aberrantes com cavalos.”
Nesse verão, em Pedras d’el Rey, um aldeamento recente na zona de Tavira, Marcelo sabe de uma história que vai marcar o ano político de 1977 e contribuir para o desgaste do Governo socialista. Encontra um velho amigo dos tempos do Lar da Criança que tinha uma familiar próxima a trabalhar num banco na Suíça e lhe tinha contado esta história: umas semanas antes, um governante português, portador de passaporte diplomático, tinha depositado num banco suíço uma fortuna para a época, sete mil contos, quando o país se deparava com sérios problemas de divisas. Marcelo telefona para Lisboa a passar a história, que será trabalhada pelo jornal, e volta aos mergulhos. Ainda não são os Panama Papers, mas a notícia tem um enorme impacto naquela época.
O escândalo fica conhecido como “o caso dos sete mil contos” e abre uma guerra do Expresso com o Governo socialista liderado por Mário Soares. “Investigação do Expresso avança na Suíça e em Portugal apesar das crescentes dificuldades e intimidações”, noticiou o semanário em manchete no dia 20 de agosto de 1977. Dias depois da publicação da primeira notícia, o Governo reage, através do secretário de Estado Manuel Alegre, com uma nota oficial a dizer que “a notícia, a ser verdadeira, teria uma enorme gravidade política e moral – afeta a reputação e o bom nome do Governo no seu conjunto, visto que não indica o nome da pessoa que se procura atingir.” Os jornalistas procuram ver se detetam as iniciais dos membros do Governo nos voos para a Suíça, sem sucesso. O enviado do jornal é posto fora daquele país por estar a tentar violar o sagrado sigilo bancário.
“Nós entendemos que a liberdade não é sinónimo de irresponsabilidade e de libertinagem de atitudes”, reage Manuel Alegre à entrada de um conselho de ministros. “E há que ver em que lado da barricada estamos nós: do lado dos que querem a liberdade e a democracia, se do lado daqueles que, a pretexto de uma utilização abusiva da liberdade, querem enterrá-la e destruí-la na nossa terra.” A democracia é jovem, os políticos não estão habituados a lidar com os escândalos, e os jornais estão alinhados com os partidos.
Rebenta uma guerra na imprensa, onde uns procuram investigar e aprofundar a história do Expresso e outros tentam desacreditá-la. O jornal socialista A Luta, dirigido por Raul Rego, insinua que a filha do ex-primeiro-ministro Vasco Gonçalves comprara uma casa na Suíça. O Comércio do Porto cita fontes a concluir que o caso é fraudulento e que alguém se fez passar por membro do Governo. A Edição Especial apura que o dito membro do Governo vivera em Londres e já tinha os sete mil contos há anos fora do país. O correspondente de O Tempo em Genebra diz que o homem teria pertencido aos governos provisórios de Vasco Gonçalves. A agência noticiosa ANOP qualifica a notícia como “vasta manobra internacional contra o escudo”. O Diário de Lisboa escreve que “a direita [personificada pelo Expresso] pretende desacreditar” a moeda portuguesa. Marcelo diverte-se, ao longe, a ver a tenda pegar fogo depois da sua dica. Nunca se apura o nome do governante e, perante a dimensão do escândalo, a fonte de Marcelo assusta-se e recua para não dar mais informações e revelar a identidade do visado.
Aos 29 anos, o colunista tem um poder de influência desproporcionado para a idade. Inteligente e sagaz, sobredotado, sabe de tudo, lê tudo e vive do acesso privilegiado ao poder e gosta de mostrar que tem poucos deveres de vassalagem. O que faz dele único é o somatório destas qualidades invulgares conjugadas com a infantilidade, a traquinice, a pequena maldade e a escorpionice de não conseguir deixar de ferrar a vítima que passa por perto. A maior parte das pessoas no Expresso aprecia-o. Toda a gente o respeita. Mas poucos confiam nele.
Uma pequena loucura que se torna lenda: o “lelé da cuca”
Em apenas cinco anos, o Expresso torna-se o jornal mais poderoso do país, embora mantenha um estigma de proximidade ao PSD cuja perceção é difícil mudar. Durante uma pausa no Pabe, o restaurante ao lado do Expresso, Marcelo discute com Margarida Salema — irmã de Helena Roseta e futura presidente a entidade das contas dos partidos — o problema da isenção do semanário. O jornalista argumenta que tem liberdade para fazer o que quiser, da análise política às puras notícias ou às bisbilhotices da Gente, a sua liberdade é total. Ela desafia-o. Diz-lhe que não é capaz de dar “uma porrada” a Balsemão.
Marcelo é capaz de qualquer pequena patifaria inconsequente para se divertir: costuma escrever frases desgarradas no meio dos textos da Gente que só os visados conseguem perceber. Regressa ao jornal e escreve na margem da prova de página uma frase que aparece descontextualizada dentro do texto. É suposto os gráficos enxertarem na prosa aquela coisa louca e sem sentido, rabiscada à mão sabe-se lá porquê, não era a primeira vez que o fazia, mas era a mais grave.
No dia 5 de agosto de 1978, o texto é publicado assim no jornal:
“Divergências: O Diário de Lisboa da quarta-feira passa- da titulava perentório, que Eanes, no seu discurso, não quisera ser o Sidónio Pais de Mateus. O Balsemão é lelé da cuca. No mesmo dia, Manuel Alegre investia, duro, contra o discurso do presidente Eanes. Comentário de um diplomata estrangeiro: “O Manuel Alegre e o Piteira Santos devem ter-se desencontrado para almoçar.”
Nesse dia nasce mais uma lenda: “O Balsemão é lelé da cuca.” A frase perseguirá Marcelo toda a vida como exemplo de loucura irresponsável ou divertida. Mas Balsemão não gosta de ser ridicularizado no seu próprio jornal. Está no Algarve de férias quando lê a estranhíssima Gente sem ponta de humor. Pega no telefone e liga a Jorge Galamba Marques, diretor comercial, também com a incumbência de fechar as páginas do jornal na gráfica. Pergunta-lhe se tinha lido a Gente. Mas Galamba Marques não se recordava daquele artigo. Então pega no jornal com mais atenção e dá com aquilo. “Faça uma coisa, ó Jorge”, diz-lhe Balsemão, “se isto não tem nada a ver com o Diário de Lisboa, vá lá acima procurar os originais e veja se é obra do Marcelo, mas acho isto muito estranho…”
Jorge Galamba Marques estava em casa mas vai ao jornal. Sobe ao arquivo, procura as provas e encontra-as: “Tirei os originais da Gente e lá estava, tudo escrito à máquina pela secretária Assunção Charters. Vi uma chaveta lá no alto da página, escrita à mão, para inserir ali a frase ‘o Balsemão é lelé da cuca’.” E a letra de Marcelo era inconfundível. A seguir telefona a Balsemão: “Bom, tenho isto aqui à frente, estou a ler, e é a letra do Marcelo…”
Furioso, Pinto Balsemão decide regressar a Lisboa e pede para convocarem o engraçadinho para uma reunião na segunda-feira. Assim que chega à Duque de Palmela, o irredutível Marcelete é chamado ao gabinete do diretor. Jorge Galamba Marques é convidado por Balsemão a testemunhar o encontro. A conversa azeda. Rebelo de Sousa fica em pé, ao lado da secretária. Com a prova na mão, Balsemão pergunta calmamente se aquela era a letra dele e se ele podia justificar o injustificável. Embora corra uma versão de que Marcelo terá começado por negar a autoria da brincadeira, segundo a única testemunha da conversa, Marcelo terá assumido que não tinha justificação.
– Escreveu isto?
– Escrevi… É uma secção humorística…
– Mas eu acho demais! Acho que isto é uma coisa intolerável! O que é que você fazia na minha posição?
– Depende… Se tivesse sentido de humor aceitava. Mas não tendo sentido de humor, se acha que é intolerável, demita-me. Se é inaceitável só há um corolário lógico. Olhe, tenho muita pena porque terminamos uma relação de anos… Vou para a rua! Acho estranha e excessiva a reação, mas se me diz que está mortalmente ofendido…
Marcelo estava aflito por ter feito aquilo. Pediu desculpa a Balsemão, disse que lhe deu “um vaipe”, expressão que costuma utilizar para justificar as suas pequenas extravagâncias deste tipo. Balsemão manda-o então sair do gabinete mas não o despede do jornal. Não é homem de virar a mesa e Marcelo é demasiado valioso. A brincadeira cai mal na redação. Toda a gente acha aquilo um disparate sem justificação, mais uma loucura infantil de Marcelo, que desta vez expõe o jornal ao ridículo. Nessa semana, nem participa na reunião de edição. A partir daquele dia, e durante muito tempo, os jornalistas têm de viver numa redação em que dois diretores não se falam. Vicente Jorge Silva dirá a Balsemão: “Ó Francisco, isto é muito desagradável, mas você tem de voltar a falar com o Marcelo, pá! Então mas ele continua aqui e vocês não se falam? Têm de falar, têm de encontrar uma maneira…”
Marcelo chega a diretor do Expresso e refunda a Revista
O nome de Marcelo Rebelo de Sousa aparece no cabeçalho do Expresso como diretor-interino no dia 5 de janeiro de 1980, sete anos depois da fundação do semanário. Tem apenas 31 anos. Augusto de Carvalho continua como subdiretor e Francisco Pinto Balsemão retira-se assinando “uma explicação” na primeira página, onde justifica a saída da liderança do periódico para ser ministro adjunto de Sá Carneiro no Governo da AD. Nunca mais voltará à direção editorial dos seus jornais. Marcelo permanece no gabinete antigo, um dos piores do Expresso, e não ocupa o de Balsemão, que continua simbolicamente livre, passando a ser usado para reuniões. No seu primeiro editorial, Marcelo avisa: “Nem um milímetro sequer se afastará o Expresso das linhas orientadoras da sua política editorial” e sublinha que Balsemão não “espera do Expresso qualquer subserviência, favor, parcialidade ou contributo espúrio para o Governo em que se integra”. Nesta fase, Marcelo exime-se de qualquer atividade política no partido.
Uma das grandes marcas de Marcelo Rebelo de Sousa na imprensa portuguesa desenha-se ali. Já tinha inaugurado o comentário e a análise política que havia de fazer escola nos jornais, e mais tarde nas rádios e televisões. Agora transformava a Revista do jornal numa publicação com um formato moderno, que ia reunir alguns dos melhores repórteres portugueses. Uma revista com planos a cores era bastante cara para os padrões contidos de Francisco Balsemão. Mas, além de inovar na forma, o novo diretor do Expresso investia em conteúdos de qualidade internacional: havia de comprar o exclusivo da biografia de Henry Kissinger – ex-secretário de Estado norte-americano – para ir publicando capítulo a capítulo e as entrevistas polémicas da jornalista Oriana Falacci, incluindo uma a Kaddafi realizada na respetiva tenda. Na política, mais gastos: é Marcelo que inaugura as sondagens regulares da Norma, uma novidade no panorama jornalístico português, que custam uma fortuna e que irritam o primeiro-ministro Sá Carneiro. Em nome de Balsemão, o administrador Luiz Vasconcellos tenta controlar as finanças do jornal. Mas Marcelo gasta o que for preciso para o Expresso dar o salto.
Sem olhar a custos, o novo diretor renova o painel de colunistas. São convidados José Freire Antunes e José António Saraiva, que se tornará diretor do jornal em 1985. Como Vasco Pulido Valente – que escrevia o “País das Maravilhas” na primeira página –, tinha ido para o Governo, é substituído por António Barreto, um dos “reformadores” que saíra do PS e se aproximara da AD. Mas a maior conquista do novo diretor é ter o escritor Vergílio Ferreira a publicar na última página.
De junho a agosto de 1979, inaugura uma espécie de jornalismo social com equipas de jovens a percorrer praias, a ver festas, à procura de histórias divertidas e de políticos para escrever bisbilhotices. Em 1980, começa a fazer os almoços no Pabe, uma entrevista informal – que dura até hoje no Expresso –, onde os jornalistas levam as personalidades relevantes para uma refeição acompanhada por conversas sobre política.
Expresso crítico do Governo de Balsemão? O sr. Facto Político vai para o Governo
Sá Carneiro morre na avioneta em Camarate, em dezembro de 1980. Depois de alguma convulsão interna no PSD, Francisco Pinto Balsemão sucede-lhe na chefia do Governo da AD. Assim que o dono do Expresso toma posse, Marcelo Rebelo de Sousa inicia um ciclo de análises que criticam explícita ou veladamente o primeiro-ministro e desgastam continuamente a imagem do Governo. É uma prova de liberdade do jovem promovido a diretor efectivo e uma marca de tolerância democrática por parte do patrão.
O primeiro editorial com Balsemão em São Bento deixa um aviso sincero para o que vai acontecer nos meses seguintes: “O desejo de boa sorte [do Expresso], muito sinceramente formulado, não vale pois como um cheque em branco, mas significa antes que estaremos sempre prontos a elogiar o que de positivo houver nas posições governamentais, como também a denunciar criticamente tudo aquilo que se nos afirmar negativo, nomeadamente por chocar com os princípios editoriais que nos regem ou por revelar falta de capacidade para governar Portugal”.
Os textos de Marcelo não ajudam o dono do jornal: É preciso que o primeiro-ministro “apareça como um verdadeiro líder e não apenas como um primus inter pares“. E vai mais longe: “Francisco Pinto Balsemão tem agora de mostrar que tem fibra de governante, que não é um primeiro-ministro de passagem, de remendo, de ocasião, presidindo a um governo que vai durando menos por mérito próprio do que pelo facto de não haver neste momento ninguém para o substituir.”
A enxurrada de críticas da “Página Dois” será uma das razões por que Balsemão tira Marcelo do Expresso e o puxa para perto de si: o primeiro-ministro pensa que Rebelo de Sousa está demasiado à solta, que precisa de ser filtrado e controlado, um papel que ninguém tem agora, o que no seu entender se reflete no jornalismo praticado. A única maneira de calar Marcelo é tirar-lhe a tribuna. Levá-lo para o Governo. Apesar de ser de mais à esquerda, Augusto Carvalho, o novo diretor interino, tem uma abordagem menos criativa que Marcelo, o que reduz os sarilhos, embora Balsemão tenha reservas quanto aos seus critérios de hierarquização noticiosa. Estas são as más razões para promover Marcelo na política. A boa razão é que o primeiro-ministro precisa de um excelente jurista perto de si e nisso sabe que Marcelo não falha. “Balsemão nunca me deu essa razão” – de afastar Marcelo do Expresso –, comentaria Freitas do Amaral, “embora pudesse pensar nela”. Para o então líder do CDS, “a decisão de convidar Marcelo Rebelo de Sousa para secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros baseou-se na sua elevada competência jurídica”.
Precoce desde sempre, Marcelo chega ao coração do Governo aos 32 anos no dia 4 de setembro de 1981, como um dos poucos secretários de Estado que se podem sentar nas reuniões do Conselho de Ministros. Quando é público o seu regresso à política, o semanário O Jornal descreve-o na “figura da semana”, como temido “profundamente” pelos políticos por causa das análises que ditava “para um gravador todas as sextas-feiras. Havia ministros a ligarem às segundas para ver se conseguiam marcar hora com ele às sextas para intrigar ou meter notícias no jornal, se possível ambas as coisas”.
A Revista do Expresso consagra-o com um inquérito especial e uma capa: uma fotografia de Marcelo mais a sua pera hirsuta, olheiras de mal dormido e olhar penetrante, apenas com o título, “O facto político”. O facto político era Marcelo. A equipa do jornal oferece-lhe a chapa de impressão durante um jantar de despedida no restaurante Mónaco, onde “apareceu em grande forma, mostrando sempre no tango e no bolero aquela sua agilidade criadora”, segundo uma Gente publicada na semana seguinte. Ele era também o “que passa por pai do conceito” do facto político, como dizia o texto introdutório do dossier.
O próprio Rebelo de Sousa escreve um artigo com um título muito sério, contrário à sua fama, inclinado para o académico, sem reputar muito bem o facto político derivado da intriga: “Fala-se em facto político como sinónimo de expediente de conjuntura, de jogada de ocasião, de manobra de diversão, de cortina de fumo (…) Mal vão os órgãos de soberania (e os seus titulares) se e quando aviltarem a criação de factos políticos a este jogo de conveniências ou a estas manobras estratégicas ou táticas.” Só era possível ler este texto com um sorriso. E havia de acrescentar que “os povos não se governam com truques de ilusionismo, com gurus fantasmagóricos, com sortes de magia”.
Na página ao lado do texto de Marcelo, Eduardo Prado Coelho escreve outro texto onde faz uma análise que mais de 30 anos depois serve na perfeição para compreender a longa carreira do comentador. “O facto político, na inovadora aceção de Marcelo, é portador da sua própria intriga imediata (…). Donde resulta que um facto político só existe se as pessoas começarem imediatamente a falar nele. (…) O facto político só existe se saltar imediatamente para a primeira página dos jornais. A noção de facto político, na conhecida aceção de Marcelo, resulta do cruzamento da classe dos jornalistas com a classe dos políticos. O facto político faz vender jornais. (…). Pretende ser sempre um acontecimento fundamental na narrativa política.” A conclusão é viperina: “A ideia de facto político, na conceituada aceção de Marcelo, tende a opor-se a um projeto de produção de ideias ou de trabalho ideológico (…) Se os produtores de factos políticos produzem demasiados factos políticos, acabam por se devorar a si próprios.”
Num pequeno perfil publicado no Expresso, Maria João Avillez escreve que o seu principal handicap é “a acusação (permanente) de ser sinuoso, de preferir os bastidores à luz, a intriga à ação. Ou de, como alguém diz, confundir os factos políticos com a iniciativa política”. Em declarações ao “seu” jornal, Marcelo reconhece que tem de reconstruir a sua imagem:
“A minha atuação no Governo tem sido prioritariamente orientada no sentido de desfazer a péssima imagem que obtive por fazer durante oito anos seguidos análise política.”
No jantar de despedida do Expresso, Marcelo contará uma das suas histórias cheias de detalhes de cuja veracidade muitos dos presentes desconfiam: “Foi num dia em que se distribuiu a todos os membros do Conselho um pequeno relatório com especiais recomendações de confidencialidade. Mal as recomendações foram feitas, Marcelo sentiu, sobre si, olhares suspeitosos. E, para não deixar lugar a dúvidas, pegou fogo ao seu relatório, enchendo a sala do Conselho de Ministros de uma fumarada alarmante.”
A criação do Semanário: uma nova aventura político-jornalística
Os jornais já tinham dado conta das novas movimentações de Marcelo quando, no começo de 1983, Vítor Cunha Rego o abordou, ainda Rebelo de Sousa estava em funções como ministro dos Assuntos Parlamentares. Este jornalista tinha sido chefe de gabinete e ex-secretário de Estado adjunto de Mário Soares, mas no fim dos anos 70 acabaria por se converter à Aliança Democrática e a Sá Carneiro. Cunha Rego propõe-lhe fazer uma remodelação de A Tarde, jornal que dirigia, ou então lançar um novo semanário.
Em simultâneo, entre as eleições de abril de 1983 e a tomada de posse do novo Governo de coligação em junho, Pedro Santana Lopes e José Miguel Júdice seduzem Marcelo para intervir no partido de forma mais ativa. Estudam a formação de uma sensibilidade no PSD. Conceição Monteiro, ex-secretária de Sá Carneiro, ajuda Júdice a juntar Marcelo com Santana, que não se apreciavam nem confiavam um no outro. Eram muito jovens. Marcelo tinha 34 anos e Santana apenas 25. A fundação informal da Nova Esperança, que será primeiro conhecida como grupo de Lisboa ou fação Estoril-Cascais, acontece num restaurante da linha.
Como sempre, a imprensa para Rebelo de Sousa é uma arma. O novo semanário será fundado a partir do grupo de A Tarde, mas esta é apenas uma das possibilidades. Victor Cunha Rego traz cinco financiadores e acionistas para o novo projeto: a família Batista da Silva, ligada à Mocar; Joaquim Silveira, do setor da construção civil; Fernando Pizarro, da área automóvel; Carlos Bento de Oliveira, também empresário da construção civil, e António Figueiredo de uma empresa de transitários. O ex-diretor do Expresso é um ativo cobiçado. Carlos Barbosa, seu amigo e dono do Correio da Manhã – com quem joga ténis na companhia de João Lagos –, explica-lhe que também quer lançar um jornal semanal. Em simultâneo, Rebelo de Sousa é contactado pelo milionário D. Diogo Pereira Coutinho, através de João Maria Oliveira Martins, marido da sua secretária. Através deste porta-voz, D. Diogo mostra-se interessado em investir num projeto de imprensa.
Com três grupos de investidores, Marcelo trabalha a partir do verão de 1983 na composição acionista. Encontra-se no Lorde com D. Diogo Pereira Coutinho, explica-lhe o projeto específico do Semanário, e Pereira Coutinho passa o cheque mesmo ali: 16 mil contos. Marcelo nunca tivera tanto dinheiro de uma só vez na mão. Um grupo de independentes onde estava o advogado Proença de Carvalho, José Miguel Júdice ou Francisco Sarsfield Cabral ficam a deter 20% da empresa. O grupo dos cinco acionistas de A Tarde entra com uma participação semelhante à dos Pereira Coutinho. O presidente do conselho de administração e alma do projeto é Marcelo Rebelo de Sousa. Tanto José Miguel Júdice como Carlos Barbosa são administradores. Victor Cunha Rego é o diretor editorial.
No contexto daquele ano, O Semanário havia de surgir como um jornal de centro-direita associado à Nova Esperança. O presidente do conselho de administração congrega as vontades dos vários acionistas e procura dar um corpo político coerente ao projeto. Carlos Barbosa queria um jornal de direita, conservador, embora mais popular do que ideológico, à imagem do Correio da Manhã. Havia de abandonar a administração do jornal pouco tempo depois, para ser substituído por João Pedro Guimarães, um gestor da confiança de D. Diogo. Os Pereira Coutinho desejavam um jornal que, acima de tudo, apoiasse uma solução presidencial de direita e isso encaixava perfeitamente nos pressupostos da tendência de Marcelo e de Júdice.
O jornal tenderá para a direita: será acentuadamente anti-Bloco Central e muito crítico do Presidente da República, Ramalho Eanes. O jornalista Carlos Plantier é o adjunto de Cunha Rego na direção, e José Mendonça da Cruz o chefe de redação. O rol de colunistas alinhados à direita marca a opinião: o jovem Paulo Portas, Jaime Nogueira Pinto, Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, e depois uma coluna de economia, que ficará famosa pelas posições liberais, chamada «Mão Invisível», onde alternam nomes como António Borges, Manuel Lucena, os irmãos Pinto Barbosa ou Miguel Beleza.
O primeiro número é publicado a 26 de novembro de 1983. No estatuto editorial é evidente o pensamento democrático e conservador, mas liberal na economia, de pendor nacionalista: “A liberdade é indissociável da política e dela não abriremos mão. A Pátria é permanente e entendemos que é indiscutível. (…) O Estado é cimeiro. Requeremos a sua organização. Mas porque lutamos pela bondade e dignidade do Estado, recusamos o seu descrédito atual. (…) O processo económico deve ser movido pela iniciativa privada e, porque falta cumprir a democracia económica, negamos a economia do regime.” No primeiro editorial, Victor Cunha Rego escreve: “Um jornal não substitui um compêndio de história ou, sequer, um governo. E não se criam empresas com artigos. Mas pode ser decisivo quando o momento o for também. É o papel que lhe cabe.” O Semanário era um jornal de intervenção. Não era incolor nem inodoro.
O artigo de opinião de Marcelo Rebelo de Sousa deixa de ser publicado na página dois, como no Expresso, e passa para a «Penúltima Página», que dá o nome à coluna. Os textos perdem em análise o que ganham em compromisso político. A sua primeira crónica é impressa com o ferro da Nova Esperança, ao escrever sobre a estratégia presidencial de Mário Soares.
A histórica Gente do Expresso dá lugar à indiscreta Meia Desfeita, de teor sobretudo social, porque as “bocas” políticas emparelham com a Penúltima Página, numa coluna chamada Facto Político. Não são assinadas, mas não é difícil imaginar de quem são os principais contributos.
A saída do Semanário por causa de uma polémica com Angola
Três ou quatro anos depois da fundação do jornal, os objetivos políticos do Semanário desvaneceram-se. Em janeiro de 1986, Mário Soares foi eleito Presidente da República em vez de Freitas do Amaral. Desde maio de 1985 que Cavaco Silva liderava o PSD e meses depois chegava ao Governo. A Nova Esperança desfizera-se a seguir ao Congresso da Figueira da Foz. O comentário político estava menos interessante, e Marcelo já não tinha combates políticos a travar. Meio deprimido, o Semanário já não o entusiasmava. Agora passava horas noctívagas a ver canais estrangeiros: comprara uma parabólica. Tinha-se fascinado com essa nova maravilha da tecnologia quando viu uma, pela primeira vez, na casa do advogado Daniel Proença de Carvalho.
A confirmação do poder de Cavaco foi simultânea com a eleição de Santana Lopes para o Parlamento Europeu. Marcelo seria convidado para um jantar de despedida “do Pedro” no restaurante Pescador, em Cascais. Vão poucas pessoas. No fim do jantar, Marcelo e Santana dão um passeio a conversar sobre o futuro do Semanário e do jornalismo em Portugal. O frentismo que tinha havido no Semanário esgotara-se. O objetivo era levar a direita ao poder, e isso estava cumprido com Cavaco Silva, apesar da derrota de Freitas nas presidenciais.
As relações de Marcelo com Victor Cunha Rego também já não eram as melhores – o diretor irritava-se por vezes com as notícias breves que, sempre que podia, o presidente do conselho de administração punha na última página do jornal. Mas isso não era o mais grave. Marcelo escrevera um artigo violento contra Carlos Monjardino, com o título “A rapina do Oriente”, porque este tinha renegociado o jogo de Macau como membro do Governo e agora falava-se nele para presidente da Fundação Oriente. Rebelo de Sousa acha um escândalo que um membro do Governo trabalhasse para o setor que tutelou e perguntou como é que Mário Soares concordava com isto. Cunha Rego ficaria chocado com o artigo, é amigo de Monjardino, que processa Marcelo.
O presidente do conselho de administração deixa de ir para o jornal otimista e energético. A quebra dos seus entusiasmos pode equivaler a essas fases de maior desencanto. A crise do Semanário evolui no verão de 1987. Está marcada uma visita do presidente angolano José Eduardo dos Santos a Portugal e o jornal decide fazer um suplemento especial temático, que tem o título: “E Ainda… sobre Angola”. O chefe de redação é o jornalista Raul Vaz, que encomenda prosas a um especialista em África como Xavier Figueiredo e compra textos de Nicole Guardiola à Lusa. Como Victor Cunha Rego está de férias, Marcelo toma conta da edição: fala com Raul Vaz, pede uma sondagem à Norma sobre a perceção dos portugueses acerca da questão angolana e manda inserir duas páginas com uma entrevista a Jonas Savimbi, da UNITA, nas 12 páginas do suplemento.
O problema seriam os negócios em Angola de D. Diogo Pereira Coutinho, que não queria melindrar o presidente angolano. Quando percebem o que está para ser publicado, os acionistas pedem ao administrador João Pedro Guimarães para ultrapassar o presidente do conselho de administração e retirar as duas páginas sobre Savimbi. Nessa sexta-feira, o administrador que representava D. Diogo vai à gráfica, ao Bairro Alto, com Raul Vaz para fechar o jornal. Guimarães leva instruções para mandar parar as máquinas e suspender o suplemento. Nunca foi publicado.
Os interesses falavam mais alto. Marcelo fica irritado e conversa com Victor Cunha Rego:
– Ó Victor, você acha isto normal? Não se pode criar um precedente para o acionista dizer: “Esta notícia não pode ser, e tira-se!…”
É a primeira vez que Marcelo se vê confrontado, não com diferenças de opinião, mas com uma intervenção direta por cima do diretor e de si próprio. “Eu quero ficar aqui com isto assim?”, pensa. Por coincidência, na mesma semana, sai uma notícia muito negativa sobre obras públicas e outro acionista, António Figueiredo, telefona-lhe a fazer pressão sobre as notícias do jornal. Não era apenas mais uma crítica, como tinha acontecido noutras ocasiões. “Vou-me embora!…”, decide, e comunica a demissão a Daniel Proença de Carvalho, presidente da Assembleia Geral.
O advogado José Miguel Júdice ainda tenta evitar a demissão: “Marcelo, se tu sais, estás a dizer que todos os que ficam aceitam pressões. No Conselho de Administração tens maioria para votar a favor da publicação do suplemento.” O Conselho de Administração acabaria por nunca fazer a votação porque Marcelo quis demitir-se e imprimir um lado plítico à sua saida do jornal. Júdice volta a avisá-lo: “Marcelo, tu nunca mais na vida vais dizer que saiste do Semanário por causa do suplemento de Angola. Se disseres isso, eu desmascaro-te! Vais-te embora porque queres.”
Essa impressão dissemina-se entre os jornalistas: Marcelo estava farto, perdera o entusiasmo. Tinha vontade de abandonar o Semanário desde que Cavaco ganhara o congresso. Já tinha parado há dois meses de escrever as crónicas e inventara o problema com a entrevista da UNITA para criar um incidente que o levasse a sair, sem que o ónus pelo abandono do projeto fosse seu. “Esta saída do Semanário representa para mim um corte definitivo com o mundo da comunicação social, pelo que não voltarei a aparecer como colunista de qualquer jornal, nem sequer ligado a eventuais projetos de empresas do setor”, diria Marcelo citado por O Jornal. Quer focar-se na gestão da faculdade e preparar as provas de agregação. Tinha-se doutorado em 1984.
Não era verdade. Ou, pelo menos, era uma meia verdade. Muitos anos mais tarde, Marcelo volta a ter uma coluna fixa num jornal: o seu “blogue” no jornal Sol. É certo que nunca mais fundou um jornal nem meteu dinheiro em projetos jornalísticos. Foi aqui o ponto final na vida de Marcelo jornalista, mas não acabou a sua intervenção na comunicação social. Se até aqui fizera um misto de edição, jornalismo, comentário e opinião, estava para nascer a figura do Professor Marcelo, o comentador por excelência. Primeiro na TSF, entre 1993 e 1996, faz o Exame em que dá as célebres notas aos políticos. Está na rádio quando a rádio importa.
Como de 1996 a 1999 lidera o PSD, não tem atividade de comentarista. Regressa em 2000, na TVI. Estreia-se na televisão e é obrigado a ultrapassar a fobia que tinha das câmaras. Fica até Pedro Santana Lopes ser primeiro-ministro e sai na sequência da crise com Rui Gomes da Silva, que critica os seus comentários altamente desgastantes para o Governo. A partir de 2005, faz comentário na RTP, até que a saída de António Vitorino — que noutro dia da semana servia de contrapeso político a Marcelo no canal público — faz com que também tenha de sair. Volta à TVI em 2010, de onde sai em 2015, para anunciar a sua candidatura à Presidência da República.
Depois de mais de 45 anos de presença consecutiva na comunicação social, agora como Presidente da República, Marcelo disse aos seus “colegas” esta quinta-feira nos Prémios Gazeta que o jornalismo é fundamental. Falou apenas três minutos: “Sem informação forte não há democracia forte. E estes prémios têm o mérito adicional de serem um sinal de esperança, porque traduzem um gesto de resistência virada para o futuro”. E vaticinou: “O jornalismo não vai morrer nunca, como não morrerá a liberdade de falar, escrever, criticar, denunciar, publicar, difundir, e emitir. Como não morrerá em Portugal o direito a vivermos em liberdade, em pluralismo e em democracia”.
Vítor Matos é autor da biografia de Marcelo Rebelo de Sousa e a maior parte do texto é uma adaptação do livro, de que fazem parte as fonte citadas.