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©2018 José Avillez, All Rights

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José Avillez e os negócios. A história de uma carreira com mais sucessos que derrotas

O chef acaba de confirmar que encerrou três espaços, um deles nem um ano de funcionamento tinha. Nesta fase inédita na sua carreira recente, vale a pena recordar o trajeto do português.

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As dúvidas já existiam há algum tempo: Conseguirá o chef José Avillez manter tantos restaurante a funcionar? O cozinheiro cascalense é um dos mais estrondosos casos de sucesso no ramo da gastronomia e até há pelo menos um mês detinha 21 restaurantes entre Lisboa, Porto e, mais recentemente, Dubai. Como as dúvidas existem para ser esclarecidas, soube-se esta sexta-feira, 14 de junho, que Avillez fechou três espaços de uma assentada, o Za’atar (que detinha em parceria com Joe Barza, um chef libanês), a Pitaria e a Cantina Zé Avillez.

O final de 2017 e início de 2018 foi um período de tempo altamente frenético para o chef do Belcanto e para o grupo Arié, que pertence a uma das famílias mais ricas do país e que funciona como seus principais sócios e financiadores. Em seis meses o chef abriu seis espaços novos — Jacaré, Tasca Chic, Barra Cascabel (os três no El Corte Inglés Gourmet Experience), Pitaria, Cantina Zé Avillez e Cantinho do Avillez Parque das Nações — e comprou também dois grandes grupos de restauração, o Cafeína, um conglomerado de cinco restaurantes espalhados entre a baixa do Porto e a zona da Foz, e o Doca de Santo, gigante cujas 12 casas que o compõem ocupam, por exemplo, a totalidade da zona das Docas, em Alcântara. O ritmo de aberturas e compras intensificou-se de tal forma que não havia como não pensar na sustentabilidade do grupo José Avillez.

Os três encerramentos foram justificados como sendo “opções de negócio”, o fim de projetos que “tiveram o seu sucesso” mas que tinham chegado ao fim da linha. Mesmo tendo em conta que pelo menos dois deles serão “reciclados” em novos conceitos a estrear em 2020, justifica-se voltar atrás no tempo e perceber como é que José de Avillez Burnay Ereira se transformou num gigante que emprega várias centenas de pessoas e serve milhares de refeições diariamente.

Afinal não é só um, são três os restaurantes que José Avillez fechou em Lisboa

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“Se possível, um bom cozinheiro”

A 30 de dezembro de 2002, um jovem de 23 anos via as suas palavras serem transcritas pela primeira vez um artigo de jornal. Na extinta coluna “Boa Vida” do Diário de Notícias, José Avillez Ereira, como é referenciado, falava com o jornalista Duarte Calvão sobre a sua tese de mestrado, um estudo em que esse miúdo de ar relaxado pretendia perceber as ramificações da imagem e identidade da gastronomia portuguesa. Motivado pelo estágio de três meses que tinha feito na Fortaleza do Guincho, quando esta ainda era dirigida pelo francês Marc le Ouedec, o jovem Avillez começou a perceber que o seu futuro ia ter de passar pelas cozinhas, não pela comunicação empresarial. “O meu objetivo é agora ser cozinheiro profissional. Se possível, um bom cozinheiro”, afirmou na altura. Foi a partir daqui, depois das mais de 14 horas de trabalho diário na Fortaleza e da tese que lhe rendeu 16 valores,  que começou o seu percurso no mundo da cozinha.

A primeira entrevista de José Avillez data de quando o chef tinha 23 anos e acabara de concluir a sua tese de mestrado.

Mesa Marcada

Daí para a frente seguiram-se os estágios dentro e fora de Portugal: as aulas com Alain Ducasse que, segundo o que contou ao Público em 2009, custavam “mil e 500 euros em dois dias” mas que José Bento dos Santos, seu padrinho gastronómico, lhe ofereceu; e a passagem pelo elBulli, o templo de Ferrán Adrià que Avillez só conheceu em 2007 à segunda tentativa porque “ajudou ter um amigo em comum, que fez a ponte” — só lá tinha estado um português antes dele que ao fim de uma semana desistiu.

Em 2005, quando estagiava no Hotel Bristol, em Paris (três estrelas), Avillez recebe a importante distinção ‘Chef d’Avenir’, galardão da Academia Internacional de Gastronomia que premeia os jovens talentos da cozinha, e aos poucos começa a desenhar-se uma carreira a solo. O ano de 2004 já tinha sido importante, já que foi aí que se estreou em sociedade com Ljubomir Stanisic e Frederico Simões de Almeida no primeiro 100 Maneiras, que morava no Hotel Albatroz, em Cascais. Essa experiência é fugaz e abandona o projeto antes deste “rebentar” nas mãos de ‘Ljubo’– primeiro à conta do sucesso e depois, em 2008, quando chegou a falência. Pelo meio, a partir de 2006, cria o Life Style Cooking, projeto que depois acaba por dar origem à sua primeira grande marca, a “JA”. O “JA em Casa”, um serviço de comida take-away, inaugura em 2007 mas acabaria por correr mal. Antes disso, porém, surge a primeira grande oportunidade — é lhe dada a chefia de cozinha do Tavares Rico em 2008.

Tocando nas estrelas pela primeira vez

Joaquim Figuriredo foi um dos últimos grandes cozinheiros portugueses a ocupar o lugar de chef deste Tavares, antes de Avillez lá chegar. Foi nessa altura que chamou David Jesus, o seu indispensável braço direito que o segue até aos dias de hoje, e os muitos que duvidavam que o miúdo de 29 anos iria conseguir dar a volta a um monólito já decadente em pouco tempo engoliram as suas palavras. Numa ascensão meteórica, Avillez recebe a sua primeira estrela Michelin em 2009, um ano depois de ter abraçado este projeto.

Avillez foi sempre recatado a falar de números — hoje então ainda mais –, daí haver pouca informação disponível sobre dados exatos dos seus negócios. Contudo, é num artigo do jornal Expresso datado de 2010 que se consegue pela primeira vez ter uma noção dos valores que gravitam à sua volta. Por essa altura José Avillez trabalhava 16 horas por dia no Tavares (tinha uma pequena participação no negócio) e dessas, 10 eram só para supervisionar a cozinha e criar novos pratos. Descanso só ao domingo. O que lhe rendia tudo isto? A faturação de um milhão de euros por ano, 200 mil euros a menos que o projeto paralelo que ia mantendo, o tal serviço de comida para fora e catering ao qual se juntou em 2009 um pequeno espaço de pronto a comer na zona de Santos, o “JA à mesa” de que o blog Mesa Marcada fala e hoje pouco ou nada se conhece.

Nesse mesmo trabalho do semanário Expresso é explicado que só esses três projetos “JA” correspondiam a 60% dos tais 1,2 milhões que faturava à parte, o resto ficava dividido entre os vinhos — criados em parceria com a Quinta do Monte d’Oiro, do seu mentor José Bento dos Santos –, livros (o seu primeiro, “Um Chef em Sua Casa”, foi um sucesso estrondoso, vendeu mais de 15 mil cópias) e consultorias noutras áreas da restauração. Apesar de não ser nada dado à exposição mediática, nesta altura já contava com um programa na RTP1 e até chegou a aparece na célebre série infanto-juvenil da TVI “Morangos com Açúcar” — infelizmente não foi possível encontrar registos videográficos ou fotográficos desta aventura.

Por esta altura José Avillez e o seu negócio já não era “só mais um”. O seu talento para o negócio começou a transformá-lo numa marca, as pessoas começavam a reconhecê-lo e esta ascensão não passou despercebida aos olhos dos Arié, família de origem judia que se mudou para Portugal há três gerações e é uma das mais ricas do país. Corria o ano de 2010 quando Ana Arié tem a ideia de criar um negócio de sanduíches entregues em escritórios e lembra-se de pedir ajuda ao chef cascalense, contou o Jornal de Negócios em 2018. Logo no primeiro encontro houve uma química imediata e uma nova reunião, agora com todo o clã Arié — a família detém as lojas Perfumes & Companhia e é um dos principais representantes de marcas de cosméticos em Portugal –, fez a base daquele que é hoje o um dos mais importantes impérios gastronómicos do país.

José Avillez nos tempos em que liderou a cozinha do Tavares Rico, em Lisboa. Assumiu a chefia em 2008, ganhou a estrela em 2009 e saiu em 2011. D.R.

D.R.

O império que nasceu num Cantinho

“Venho anunciar que, a partir de hoje, deixo o lugar de chef Executivo do restaurante Tavares. Ao longo dos últimos três anos, desempenhei esta função com absoluta dedicação e com o apoio de uma equipa extraordinária, à qual presto a minha homenagem e deixo o meu agradecimento público” — é assim que começa o comunicado oficial que José Avillez enviou à imprensa no final de janeiro de 2011. Desgastado pelos frequentes problemas de gestão que assombravam o histórico (e estrelado,à altura) restaurante lisboeta, Avillez decidem sair (David Jesus só o faria depois). Ao mesmo tempo, a vontade de se aventurar em novos projetos começava a morder os calos, especialmente depois de perceber que podia contar com o apoio económico da poderosa família Arié.

No início de setembro de 2011 é inaugurado o Cantinho do Avillez, a primeira pedrada no centro do charco que hoje domina, o Chiado. Apresentado como um “espaço descontraído e confortável” onde dominava uma cozinha mais simples que aquela que praticava no Tavares (e com preços mais acessíveis), esta casa foi a que Anthony Bourdain conheceu em dezembro de 2012, quando passou pela capital e lá almoçou com o músico e produtor Tozé Brito. Ao mesmo tempo, porém, foi anunciado que Avillez tinha outra carta na manga, um espaço mais “sério” que outrora já tinha pertencido à sua família. O Belcanto.

Só em janeiro de 2012 é que a primeira versão do Belcanto nas mãos de José Avillez foi inaugurada. Aquela que é hoje a sua joia da coroa surgiu quase um ano depois da saída do Tavares e com o Cantinho do Avillez e a Empadaria do Chef pelo meio. Este último projeto foi uma tentativa de penetrar no mercado dos food courts de grandes espaços comerciais e tinha tudo para dar certo, principalmente o facto de nascer associado a Albano Homem de Melo, António Carvalho Araújo e Miguel Van Uden, três responsáveis pelo sucesso do franchising H3 (que na altura já tinha 37 unidades em Portugal, uma em Madrid, outra em Varsóvia e preparava-se para inaugurar outras duas em São Paulo). Contudo, tal não aconteceu: sem ninguém se aperceber  e de forma discreta, padrão que ainda hoje acompanha os encerramentos associados ao chef, o projeto acabou por fechar portas, à semelhança do negócio JA, de take-away.

“Os primeiros sete meses do Belcanto superaram todas as minhas expectativas em termos de clientes e de crítica, pensei que ia demorar mais tempo a conseguir atingir este ponto”, revelou o próprio cozinheiro numa entrevista em agosto de 2012.

O Belcanto, por sua vez, começou desde cedo a ser um exemplo brilhante do enorme valor de José Avillez — na cozinha e fora dela. A receção do público à esta aventura a solo do cozinheiro não podia ter sido melhor: as críticas foram muito positivas, os pedidos de reserva acumulavam-se e até no estrangeiro já conheciam este homem que quando era menino queria ser carpinteiro, basta ver que ainda antes do Belcanto abrir, Avillez já tinha apresentados alguns dos seus pratos novos aquando da sua segunda apresentação no Madrid Fusion (estreou-se em 2009, foi o primeiro português a fazê-lo), uma das mais importantes concentrações gastronómicas do mundo. “Os primeiros sete meses do Belcanto superaram todas as minhas expectativas em termos de clientes e de crítica, pensei que ia demorar mais tempo a conseguir atingir este ponto”, revelou o próprio cozinheiro numa entrevista em agosto de 2012. Foi algures nesta altura que decorreu um dos vários episódios que compõem a mística do Belcanto.

Frank Bruni, conceituado crítico norte-americano que escrevia, na altura, para o The New York Times, visitou o espaço de Avillez nesse período e escreveu uma crítica fantástica e elogiosa. Uns tempos depois, em Lisboa, o staff do restaurante reparou que quase todos os clientes eram norte-americanos. Os mesmos não tardaram a aperceber-se disso, também, e quando começaram a falar descobriram que todos estavam ali por causa de Bruni. Celebraram o acontecimento com um brinde ao crítico.

Todo este alarido consumou-se na primeira estrela Michelin que surge ainda antes do Belcanto fazer um ano, em novembro de 2012. Na altura eram muito poucos os jornalistas convidados para assistir à cerimónia de entrega das estrelas e Duarte Calvão, ex-jornalista e blogger no Mesa Marcada, era um dos poucos que tinham essa sorte, realidade que o transformava no arauto do Guia Vermelho, a pessoa que avisava das vitórias e derrotas. Foi ele que notificou Avillez nas suas duas primeiras conquistas (no Tavares e no Belcanto). Foi a ele que Avillez disse o seguinte: “Quando me telefonou da outra vez, ficou espantado por eu ter ficado tão sereno. Pois agora estou ainda mais. Tinha esperança, mas o restaurante só abriu em Janeiro. Nesta manhã, reuni a minha equipa e disse-lhe que acontecesse o que acontecesse, amanhã teríamos que estar motivados para trabalhar da mesma maneira.” O estoicismo sempre foi seu apanágio e isso continua igual. Celebrou a conquista com as suas duas equipas, a do Cantinho e a do Belcanto, e assumiu sem rodeios que se sentia capaz de chegar à segunda. Dessa mesma cerimónia saíram notícias mais tristes para Aimé Barroyer: o célebre cozinheiro francês que chegou a formar Avillez e que o tinha substituído no Tavares perdeu a estrela. Desde então o mítico restaurante nunca mais a reconquistou.

https://www.youtube.com/watch?v=TzKgOmGmNtc

Uma pizza e um café entram num mini-bar…

No dia 19 de novembro de 2014 a Michlein atribui a segunda estrela ao Belcanto e, mal a notícia sai da boca de Michael Ellis, o dirigente do guia na altura que discursava num palanque do hotel Los Montanares, em Marbella, Avillez abraça-se a David Jesus. Apesar de muito se ter anunciado na altura que o chef tinha sido o primeiro português a conquistar a distinção, a verdade é que o Escondidinho, no Porto, chegou primeiro e garantiu-as entre 1936 e 39. Contudo, ninguém tira a José Avillez o título de primeiro a conquistar duas estrelas na história da cidade de Lisboa.

Nessa altura o chef revelou alguns detalhes sobre as finanças por trás de um negócio como o Belcanto. Num trabalho da revista Sábado afirma logo que todos os projetos paralelos em que se foi envolvendo (os livros, os programas de televisão e até o programa de rádio que fazia nessa altura, O Chef Sou Eu) não são uma espécie de boia de salvação económica para os espaços estrelados: “Ninguém fica rico com IVA a 23%, mas é rentável. Tenho gosto em dizer que todos os projetos são rentáveis, nenhum precisa de outro para se suportar.” É explicado também que o Belcanto, em média, gastava cerca de 500 mil euros por ano em compras e que isso tudo traduzia-se em mais números, desta vez adaptados aos preços cobrados. Por exemplo, nessa altura, no Belcanto, um prato que fosse vendido a 30€ custava entre 10 e 12, ou seja, havia uma média de lucro a rondar os 20€ por prato. Em março de 2018, numa entrevista ao Observador o chef admite que “o Belcanto serviu muito para lançar a marca [José Avillez]”, mas que atualmente, se ficasse sem ele, “os outros espaços sobreviviam e bem.”

É impossível dissociar a entrada em cena da família Arié do crescimento da sociedade que em 2010 ficou legalmente nomeada de Ja Cooking Lda., mas que a 28 de julho de 2014 mudou para Grupo José Avillez Lda. (assim o confirma o relatório corporativo a que o Observador teve acesso). A partir da inauguração do Belcanto, em 2012, o chef e os seus financiadores foram inaugurando projetos novos aos pares, a cada ano: em 2013 abre a Pizzaria Lisboa, um espaço que ainda hoje é arrendado por D.Duarte de Bragança, e o Café Lisboa; um ano depois, em 2014, surge o Mini-Bar (que tantas vezes já foi apontado como possível vencedor de estrela), primeiro, e logo a seguir é inaugurada a primeira sucursal do Cantinho do Avillez, no Porto. O ritmo foi-se mantendo assim até que em 2015 não houve novidades pela primeira vez, o chef preparava-se para aquilo que seria o seu maior empreendimento até à altura — o Bairro do Avillez.

De uma assentada o Grupo José Avillez ficou com mais 78 pessoas e esse acréscimo fez com que as 12 que trouxe consigo do Tavares, em 2011, passassem a ser 260.

Já eram tantas as pessoas que nesta altura diziam que o Chiado era o bairro do chef Avillez que foi no coração desta cosmopolita zona lisboeta que a ideia se materializou em jeito de “5 em 1”. Debaixo do guarda-chuva “Bairro do Avillez” nasceu então uma mercearia, uma charcutaria, uma taberna com petiscos e um restaurante de peixe e marisco com dois andares e zona para grupos. Nunca ninguém tinha feito algo assim em Portugal e até mesmo para Avillez este empreendimento foi um ponto de viragem, o seu maior investimento até à altura (os números nunca foram divulgados). De uma assentada o Grupo José Avillez ficou com mais 78 pessoas e esse acréscimo fez com que as 12 que trouxe consigo do Tavares, em 2011, passassem a ser 260. A partir daqui o negócio do mais bem sucedido chef português em Portugal ganhou um ritmo ainda mais acelerado.

Em frente e a todo vapor

Entre março de 2017 e fevereiro de 2018 o Grupo José Avillez abriu sete restaurantes novos. Primeiro foi o Beco – Cabaret Gourmet, depois seguiu-se a estreia nas parcerias com chefs estrangeiros ao juntar-se a Diego Munõz para abrir a Cantina Peruana (ambos os espaços dentro do Bairro do Avillez). Seguiu-se o triplo empreendimento ligado ao El Corte Inglés e, finalmente, dois dos três espaços que agora fecharam as portas, a Pitaria e a Cantina Zé Avillez. No meio disto tudo, porém, surgiram novidades noutra frente: em julho de 2017 o Expresso noticiava que os Arié (controlavam, em 2016, 45,9% do capital do Grupo José Avillez) tinham comprado a Bernardo Dupiás o seu Grupo Doca de Santo.

Desta forma, o gigante composto por 12 restaurantes que incluía referências como as quatro pizzarias Capricciosa — o grupo foi depois rebatizado como Grupo Capricciosa e Ana Arié, que era diretora comercial dos negócios de José Avillez, foi nomeada sua diretora geral — ou praticamente todos os restaurantes da zona das docas, passou a ser propriedade do chef e da sua máquina empresarial. No meio disto tudo, no que a gastronomia diz respeito, Avillez começava a receber fortes críticas pela falta de inovação que parecia dominar no Belcanto, o seu restaurante bandeira.

José Avillez aquando da abertura do seu Café Lisboa, um dos primeiros projetos a seguir ao Cantinho original e ao Belcanto. D.R:

D.R.

Quando o abriu trouxe consigo muitos pratos do Tavares como o famoso “Mergulho no Mar” ou o “Paisagem Alentejana”, mesmo assim, só seis dos 15 pratos que compunham a primeira carta do Belcanto eram repetições. Em jeito de curiosidade é de relembrar que nessa mesma ementa existiam dois menus de degustação: o “Menu do Desassossego”, que incluía composto seis pratos e custava 72,50€ por pessoa;  e o “Menu de Estação”, com três momentos (entrada, prato principal e sobremesa) e um valor de 55€ por pessoa. Hoje em dia continuam a existir dois menus de degustação, o “Evolução” e o “Clássicos”, sendo que cada um custa, por pessoa e sem vinhos, 185€ e 165€, respetivamente.

“Estou mais interessado em obter consistência naquilo que apresentamos, tentar que todos os pratos fiquem sempre o melhor possível nos mínimos detalhes. Os pratos novos surgirão naturalmente”, dizia o chef em agosto de 2012, data do primeiro encerramento para férias do Belcanto. José Avillez assumia logo aí não ser “prisioneiro da novidade”, mas no início de 2018 isso começava a ser fonte de dores de cabeça. Todos diziam que o chef tinha estagnado mas ele não vacilou — pelo menos não logo no início já que numa outra entrevista em 2017, quando questionado sobre se tanto empreendedorismo não tinha feito com que algumas coisa tivessem ficado para trás, Avillez respondeu assim: “Pode haver sempre algo que fica para trás, mas pode acontecer o mesmo sem mais nenhum projeto. O trabalho que temos desenvolvido fez-nos aprender muito e digo com convicção que hoje somos melhores em tudo o que fazemos. Acredito na qualidade e consistência acima de tudo e é nisso que temos trabalhado. E, na verdade, acho que estamos mais criativos que nunca no Belcanto. Tem sido desenvolvido um grande trabalho interno e logo, logo… teremos novidades.” Essas novidades começaram a surgir em maio desse mesmo ano quando Avillez introduziu o totalmente novo “Menu Evolução”. As hostes acalmaram mas o ritmo de aberturas nem por isso.

https://www.youtube.com/watch?v=7TRULk57VAA

Em junho de 2018, depois da abertura do Cantinho no Parque das Nações (maio) e antes da inauguração do Mini-Bar Porto (julho), o Grupo José Avillez dá outro salto enorme ao comprar o Grupo Cafeína, um aglomerado de cinco espaços portuenses (quatro na Foz e outro na Baixa) que voltaram a baralhar as contas e a estrutura deste império que cada vez crescia mais. Nesse mesmo mês, a Diretora de Comunicação do chef, Mónica Bessone, explicou ao Negócios que “da parceria entre o chef José Avillez e a Arié Investimentos” iria nascer uma holding detida em partes iguais por “diferentes sociedades de restauração”, ou seja, o chef José Avillez seria “o gestor responsável pelo Grupo José Avillez, Ana Arié pelo Grupo Capricciosa” e “Vasco Mourão o gestor responsável pelo Grupo Cafeína”.  Segundo as contas feitas por esse mesmo jornal, a junção do número total de espaços e trabalhadores destes três vértices mostrava que essa holding passava a ter 1.200 colaboradores espalhados por um total de 37 restaurantes. Quanto é que isto tudo vale? É difícil contabilizar ao certo mas sabe-se que em 2016 a faturação do Grupo José Avillez foi de 11, 8 milhões de euros e a do Grupo Cafeína foi cerca de quatro, sem IVA.

E agora?

Desde então já foi inaugurado mais um Cantinho, agora em Cascais, e o dois-em-um Rei da China e Casa dos Prazeres, outro projeto a meias com um chef estrangeiro, o talentosíssimo Estanislao Carenzo. A também recente “transladação” do Belcanto para a porta ao lado  foi mais uma mudança acentuada na história daquele que, muito provavelmente, será o primeiro chef português com três estrelas Michelin (já todos acharam que seria no passado mês de novembro, a cerimónia do guia que se realizou em Lisboa).

O Belcanto de José Avillez cresceu e mudou (para a porta ao lado)

Para todos os efeitos é precoce (e injusto) tirar ilações precipitadas dos três encerramentos que ocorreram no início deste mês de junho de 2019. As justificações oficiais apontam para “decisões de negócios” e libertação de espaços para novos projetos mais para a frente, contudo o senso comum diz-nos que tantos projetos novos em tão pouco tempo são difíceis de sustentar e tornar rentáveis. Portugal vive um período de afluência de turistas totalmente sem precedentes e o próprio cozinheiro assumiu há TVI em março de 2018, no Summit Shopping Tourism & Economy Lisbon, que  apesar de ter uma clientela metade portuguesa, metade estrangeira, o consumo dos turistas vale “70% da faturação nos restaurantes”. Clientes, portanto, não parecem faltar. Será mesmo assim? Só o tempo o dirá.

Pela sua carreira, José Avillez aparenta ser um empresário com uma visão impressionante, basta ver o seu trajeto e todos os objetivos que já conquistou, um dos mais recentes a abertura da Tasca no Dubai, o seu primeiro projeto no estrangeiro. É completamente ingénuo continuar a vê-lo como o cozinheiro que está todos os dias de volta dos fogões, cada vez afasta-se mais dessa realidade — mas garante que o processo criativo começa sempre numa inquietação sua e só depois é que passa para a sua equipa mais próxima no Belcanto –, trocando-a pela das holdings, negócios e papeis. Quando a este terreno já por si fértil se adiciona o poderio financeiro dos Arié, as possibilidades parecem infinitas.

Ao longo de mais de uma década de carreira, foram poucos os negócios que encerrou e isso pode ser  mais um sinal de que estes encerramentos foram, como garante o próprio Grupo, apenas decisões de negócio. Um aspeto, porém, é digno de nota: O caminho gastronómico de José Avillez parece ser o total oposto daquele mais empresarial. Enquanto num lado, no da comida e dos pratos, o chef afirma não ser “prisioneiro da novidade” e valoriza a consistência, no outro, o dos negócios, tudo isso não significa nada. É abrir, fechar (se for caso disso), e seguir.

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