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João Lourenço assumiu a presidência em 2017, mas foi sempre perseguido pela sombra do legado de José Eduardo dos Santos
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João Lourenço assumiu a presidência em 2017, mas foi sempre perseguido pela sombra do legado de José Eduardo dos Santos

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João Lourenço assumiu a presidência em 2017, mas foi sempre perseguido pela sombra do legado de José Eduardo dos Santos

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José Eduardo dos Santos, o nome que vai marcar a campanha eleitoral em Angola

Angola vai às urnas a 24 de agosto e avizinha-se uma campanha competitiva entre MPLA e UNITA. João Lourenço tentará capitalizar com o nome de JES — e tudo começa no funeral.

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“Mataram o Zedú! Ninguém vota!” Este era o grito repetido por um grupo de manifestantes que atravessava uma rua de Luanda, horas depois de ser anunciada a morte de José Eduardo dos Santos (JES), audível num dos vídeos que começaram a circular rapidamente nas redes sociais.

https://twitter.com/sara_brigite/status/1545405307932889089?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1545405307932889089%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fobservador.pt%2F2022%2F07%2F08%2Fprotestos-em-luanda-mataram-o-zedu-joao-lourenco-assassino%2F

Um apelo a um boicote eleitoral às presidenciais, que estão marcadas para o próximo dia 24 de agosto, é um sintoma claro de que a morte do antigo Presidente pode influenciar em muito a votação. João Lourenço procura a reeleição, mas enfrenta uma campanha que se adivinha difícil: a sua popularidade está em queda, devido à forte crise económica que se vive no país, e a oposição liderada pela UNITA vive um dos seus melhores momentos.

Afetado pela crise, João Lourenço faz angolanos elogiarem “Zedú”

As eleições de 2022 vão provavelmente ser as mais disputadas desde que o país se tornou independente, devido aos danos reputacionais ao MPLA, bem como à periclitante campanha anticorrupção e ao progresso lento das reformas lançadas por João Lourenço”, decretaram mesmo os analistas da consultora Eurasia no passado sábado.

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No meio deste cenário de descontentamento, o nome de José Eduardo dos Santos já não provoca o desagrado de outrora, como se tornou visível nas reações nas redes sociais aquando da visita do antigo chefe de Estado a Angola, em 2021. “Papá chegou, agora já haverá pitéu”, “São muitas as saudades, só valorizamos o que temos depois de perdermos” e “O povo está muito feliz com a sua chegada” foram algumas das reações.

JES, o “hábil gestor de silêncios”, está de volta a Angola e calado. Mas ainda pode ter uma palavra a dizer

“Para muitos, José Eduardo dos Santos continua a ser o ‘Arquiteto da Paz’. Por mais que tenha desgovernado o país economicamente (e até politicamente), nos últimos tempos começou a ser visto de forma mais benevolente por comparação aos cinco anos de João Lourenço”, resume ao Observador Paula Cristina Roque, investigadora especialista em Angola. “Os erros e dificuldades de governação que Lourenço teve nestes cinco anos — uns por serem herdados, outros por cálculos errados dele — fizeram com que as pessoas começassem a ver o legado de José Eduardo dos Santos de uma forma mais positiva.”

Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, os três líderes históricos do MPLA

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Para isso, contribui sobretudo a crise económica agravada pela Covid-19, que afeta sobretudo os mais jovens. No programa eleitoral de 2017, o MPLA prometia uma redução da taxa de desemprego em um quinto. À altura, estava nos 24% — hoje ultrapassa os 30%. E se o combate à corrupção foi inicialmente bem recebido pela maioria, hoje, João Lourenço está algo descredibilizado nessa área. Os processos judiciais têm caído com força sobre a família de JES, é certo, mas não têm incomodado outros que em tempos foram próximos do antigo Presidente, como Manuel Vicente.

Filhos mais velhos de Eduardo dos Santos aceitam funeral nacional, mas só depois das eleições

No meio deste clima, surge agora a notícia da morte de José Eduardo dos Santos — e logo envolvida em escândalo, com as acusações da filha Tchizé, que responsabiliza diretamente o Presidente angolano e o MPLA pela morte do pai. É por isso que os especialistas ouvidos pelo Observador não têm dúvida de que a campanha eleitoral que se avizinha irá ser profundamente marcada por este facto: “O nome de José Eduardo dos Santos vai ser invocado desde o primeiro minuto da campanha”, sentencia Eugénio Costa Almeida, investigador do ISCTE especializado na política angolana. “E não apenas pelo MPLA. Vai ser invocado por todas as forças políticas, incluindo a oposição, e provavelmente por familiares como Tchizé, que tem sido das mais arrivistas quanto à situação de saúde do pai.” Nas ruas, o nome de “Zedú” já circula. Não tardará a que seja mencionado pelos políticos.

Uma campanha onde “está tudo em aberto”. UNITA será cautelosa com JES

O primeiro efeito da morte de JES na campanha eleitoral foi sentido imediatamente, ainda esta sexta-feira. Embora oficialmente em pré-campanha, tanto o MPLA como dois dos partidos da oposição — a UNITA e a CASA-CE — tinham comícios marcados para este sábado, em Luanda. Com o luto nacional decretado (inicialmente por cinco dias, depois alargado para sete), tanto o MPLA como a UNITA já anunciaram que vão suspender as atividades políticas ao longo destes dias.

O líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, é muito popular entre os jovens

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A forma como os dois principais partidos reagiram à notícia da morte de José Eduardo dos Santos em público foi semelhante: condolências à família e o epíteto de “filho de Angola” foram repetidos. Mas, em privado, as reações terão provavelmente sido diferentes, tendo em conta como o cancelamento dos comícios afeta de forma diferente as duas forças políticas: “Para uns, caiu mal, porque há toda uma logística enorme que é posta em causa e assim inviabiliza-se a atenção que alguma comunicação social daria ao comício”, diz Costa Almeida, referindo-se ao MPLA. “Para outros, é uma bênção.”

Funeral de Estado para José Eduardo dos Santos. Um problema para João Lourenço e para a família do antigo Presidente de Angola

A “bênção” é provavelmente para a UNITA, atualmente liderada por Adalberto da Costa Júnior, que antevia um comício pouco acompanhado pelos media angolanos e com menor projeção, por ocorrer no mesmo dia que o do partido que está no poder. O partido que em tempos enfrentou o MPLA numa sangrenta guerra civil vive agora um dos seus melhores momentos políticos, assumindo-se como força da oposição forte face a um Presidente enfraquecido.

“A UNITA perdeu muitos dos seus quadros com José Eduardo dos Santos durante o massacre de Outubro de 1992, mas após a morte de Savimbi muitos dos seus líderes foi acolhidos e protegidos. JES foi ao mesmo tempo benevolente e sangrento com a UNITA”.
Paula Cristina Roque, investigadora

Precisamente por isso, não dá passos em falso — e isso inclui em relação com o nome de “Zedú”, ainda querido por muitos. Na sua reação oficial à morte do antigo Presidente, o porta-voz da UNITA, Marcial Dachala, disse que este “não é o momento para julgar o que José Eduardo dos Santos fez e o que não fez”. Uma reação de “cuidado”, segundo Eugénio Costa Almeida, já que “as coisas estão muito quentes neste momento”.

“A UNITA vai ser um pouco contida oficialmente [em relação a JES]. Agora, individualmente, poderá haver alguns militantes que se excedam durante a campanha eleitoral”, avisa o académico. Paula Cristina Roque, que estudou a UNITA na sua tese de doutoramento em Oxford, alerta que o historial do partido com o antigo Presidente “não é linear”: “A UNITA perdeu muitos dos seus quadros com José Eduardo dos Santos durante o massacre de Outubro de 1992, mas após a morte de Savimbi muitos dos seus líderes foram acolhidos e protegidos”, explica. “JES foi ao mesmo tempo benevolente e sangrento com a UNITA”.

O historial do massacre de Outubro assombra precisamente alguns dos dirigentes do partido, que recordam que, da última vez que estiveram perante eleições tão competitivas como estas que se avizinham, tudo terminou em violência. Em 1992, nas primeiras eleições na História de Angola, nem José Eduardo dos Santos nem Jonas Savimbi alcançaram maioria absoluta na primeira volta. A segunda volta, porém, nunca se chegou a realizar, porque milhares de pessoas — na maioria membros da UNITA — foram mortas.

Rally In Angola Before Elections

Apoiantes de José Eduardo dos Santos durante a campanha eleitoral de 1992, que terminou em violência

Getty Images

A perspetiva de João Lourenço ter um mau resultado por causa da popularidade atual da UNITA poderia levar o MPLA a unir-se e a ultrapassar a divisão interna entre os apoiantes de José Eduardo dos Santos e os de João Lourenço. Mas Paula Cristina Roque crê que não é o que está a acontecer: “Foi uma transição de poder mal feita. Foi vingativa, foi pessoal, não foi uma luta anti-corrupção abrangente. E isso pode ter criado uma mágoa tal que nem o desafio da UNITA é suficiente para criar esta união”.

Eugénio Costa Almeida, contudo, desvaloriza o desafio apresentado pela UNITA. “Vamos ser honestos: eles não têm qualquer hipótese. Não vou dizer que vai haver fraude, mas… Haverá certamente quem vá tentar gerir as coisas à sua vontade. Não há sequer observadores eleitorais que não sejam afetos a uma das partes”, aponta o investigador do ISCTE. “O que não significa que o MPLA não vá perder muito face ao que teve noutras eleições, porque vai.” O académico, porém, diz que a dúvida não é se o MPLA vence, mas sim se terá maioria absoluta ou relativa. “Está tudo em aberto. E, agora, com a morte de José Eduardo dos Santos, está ainda mais”, avisa.

Funeral com pompa e circunstância em Angola é “vital” para João Lourenço

Com a pré-campanha oficialmente suspensa pelo luto nacional, João Lourenço continua, porém, a fazer política. A insistência em conceder um funeral com honras de Estado ao antigo Presidente — contra a vontade das filhas — é não só um sinal de respeito, mas também um cálculo político.

João Lourenço quer aproveitar uma grande homenagem a José Eduardo dos Santos para desfazer a ideia que se instalou de que ele não foi correto nem leal para com o seu antecessor e de que o perseguiu e à sua família”, afirma ao Observador Xavier de Figueiredo, diretor do Africa Monitor. Foi precisamente a necessidade de assegurar a transladação do corpo para Angola que terá feito com que o Presidente se envolvesse tanto na fase final da vida de JES, enviando um ministro para Barcelona, crê o jornalista.

“A um mês das eleições, isto é absolutamente vital para João Lourenço. Umas cerimónias fúnebres com muita pompa e circunstância podem colocar um fim político a isto. Mas o contrário também é nefasto para ele. Se o corpo não for transladado para Angola, isto ficará sempre como uma demonstração de que aquela bulha entre eles era real.”
Xavier de Figueiredo, diretor do Africa Monitor

“A um mês das eleições, isto é absolutamente vital para João Lourenço. Umas cerimónias fúnebres com muita pompa e circunstância podem colocar um fim político a isto”, resume. “Mas o contrário também é nefasto para ele. Se o corpo não for transladado para Angola, isto ficará sempre como uma demonstração de que aquela bulha entre eles era real.”

E mesmo que o Presidente consiga ultrapassar os desafios legais colocados pela filha Tchizé — que envolveu a Justiça espanhola para tentar impedir a transladação — e o corpo de “Zedú” vá para Angola, está por provar se os angolanos irão ver um funeral de Estado como suficiente para acreditar que estaria tudo bem entre os dois homens. “As pessoas sabem a humilhação que José Eduardo dos Santos sofreu nos últimos cinco anos. A memória das pessoas é comprida nestas áreas, dentro e fora do partido”, considera Paula Cristina Roque.

A sintonia não é total dentro do MPLA em relação à posição de João Lourenço para com José Eduardo dos Santos — ainda esta semana, o secretário para os Antigos Combatentes do MPLA, Pedro Neto, deu uma entrevista ao jornal O País onde disse estar a haver “aproveitamento político” em torno da morte de JES.

E os angolanos, como reagirão às tentativas de Lourenço de mostrar que tudo estava bem com José Eduardo dos Santos? Terá um funeral de Estado impacto na votação? Eugénio Costa de Almeida diz que é impossível prever, porque todos os eleitorados “são voláteis”. “Talvez os mais jovens evitem o MPLA, porque no final da presidência de JES ainda apanharam algum desemprego e instabilidade social, como o caso dos 15+2 [Luaty Beirão e outros 16 condenados por ataque às instituições]. E agora os tempos de João Lourenço têm sido maus. Entre os mais antigos, alguns não tenho dúvidas de que olham para Zedú com um carinho especial e são capazes de pôr a cruz no MPLA por isso. Outros não ligarão. E alguns dirão que foi com ele que começou a queda do sistema”, resume. “É uma total incógnita.”

João Lourenço (esquerda) quer provar que estava de boas relações com José Eduardo dos Santos (à direita)

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Certo é que João Lourenço não vive o seu melhor momento — e sabe-o. “O líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, tem muita popularidade e creio que isso assusta muito o Presidente”, diz Xavier de Figueiredo. Perante uma campanha eleitoral difícil, o Presidente de Angola prepara-se para retirar todo o capital político que conseguir da morte do seu antecessor.

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O primeiro passo será garantir que o corpo de José Eduardo dos Santos volta ao seu país e que João Lourenço lhe pode dar uma cerimónia histórica em homenagem. “João Lourenço é um homem com pouca confiança em si próprio e no sistema que o apoia”, considera Figueiredo. “Acho que neste momento o Presidente vive obcecado com a ideia de realizar o funeral em Angola para provar que tudo está bem com os Dos Santos. Isso é vital para a sua sobrevivência política.”

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