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José Eduardo dos Santos, antigo Presidente de Angola, morreu esta sexta-feira às 10h10 na clínica de Barcelona onde estava internado nos cuidados intensivos. A informação foi avançada pela Presidência de Angola num comunicado à nação publicado na respetiva página do Facebook. O Observador está a seguir a notícia ao minuto neste liveblog.

“O Executivo da República de Angola leva ao conhecimento da opinião pública nacional e internacional, com um sentimento de grande dor e consternação, o falecimento de Sua Excelência o ex-Presidente da República, Engenheiro José Eduardo dos Santos, ocorrido hoje às 11h10, hora de Espanha, certificada pelo boletim médico da clínica, em Barcelona, após prolongada doença”, pode ler-se.

João Lourenço endereça depois os sentimentos à família e pede serenidade: “O Executivo da República de Angola apresenta à família enlutada os seus mais profundos sentimentos de pesar e apela à serenidade de todos neste momento de dor e consternação”.

Desconhece-se ainda como e onde será o funeral, embora seja previsível a trasladação do corpo para Luanda, onde é expectável uma cerimónia de Estado, diz ao Observador fonte próxima do governo angolano.

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Há vários anos que José Eduardo dos Santos era tratado na cidade catalã a um cancro, e desde 2019, dois anos depois de abandonar a presidência, que residia oficialmente numa casa em Pedralbes, conhecido como “bairro da elite”.

José Eduardo dos Santos, o pai da Corte de Luanda

Nos últimos dois meses, o seu estado de saúde agravou-se, levando a mulher, Ana Paula dos Santos, com quem não vivia desde 2017, ano em que o líder angolano deixou o poder, a mudar-se para Espanha para cuidar dele.

Também as três filhas, Isabel, Tchizé e Joseane se terão fixado mais em Barcelona. Ainda na sexta-feira, dia 24, Isabel, a mais velha, foi vista a entrar na clínica onde estava o pai com um semblante preocupado.

Dnte 16 dias tornou-se pública e notória a divisão dentro da família sobre o que fazer depois de os médicos, na terça-feira da semana passada, dia 6, terem tentado em vão despertá-lo do coma induzido.

A família foi então informada de que teria lesões cerebrais irreversíveis e Tchizé imediatamente começou a dizer que queriam desligar as máquinas do pai e que ela e os irmãos não o permitiriam enquanto o seu coração batesse. Lançou a suspeição sobre Ana Paula dos Santos, o médico que há 17 anos acompanha o pai e até o governo angolano. Não se ficou pelas palavras e fez mesmo uma denúncia na polícia sobre uma alegada tentativa de homicídio do pai, que tinha caído em casa, feito uma paragem cardio-respiratória e só foi encontrado por alguém 15 minutos depois.

O seu estado clínico foi-se sucessivamente agravando até que morreu na manhã desta sexta-feira, começando então uma outra batalha encabeçada por Tchizé: não permitir que o corpo fosse entregue às autoridades angolanas sem uma autópsia, depois de, na véspera, ter interposto uma providência cautelar para evitar que o corpo seja trasladado para Luanda.

Funeral de Estado para José Eduardo dos Santos. Um problema para João Lourenço e para a família do antigo Presidente de Angola

Entretanto o governo de Angola decretava cinco dias de luto, depois alargado para sete, constituía uma comissão para preparar o funeral em Luanda e tentava apaziguar os receios de Tchizé e Isabel no regresso a Luanda.

Com a morte de um dos líderes que mais tempo esteve no poder presidencial — o segundo chefe de Estado africano e o terceiro não monarca do planeta — fecha-se assim a página do “eduardismo” em Angola. O seu reinado é não só um capítulo longo de 38 anos a dominar com poder absoluto os destinos do país, como também uma parte fundamental e decisiva da história de Angola.

A Corte de Luanda, parte I: O Viajante

Seja qual for o prisma escolhido para olhar para a história, o nome de José Eduardo dos Santos ficará para sempre ligado ao processo de paz. Foi sob a sua batuta que terminaram 27 anos da violenta guerra civil que se seguiu à independência de Angola de Portugal, a partir de 1975.

Aliás, era como “arquiteto da paz” que sempre se quis imortalizar. Este cognome começou a colar-se-lhe à pele com a ajuda de slogans e cartazes que foram proliferando a partir de 1991, no primeiro dos três acordos de paz, o de Bicesse. Intervenientes portugueses no processo elogiam o esforço de José Eduardo dos Santos para terminar a guerra. Silencioso, com uma boa rede de contactos internacionais, sucedera em 1979 ao primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto.

O seu lado pacificador não é, no entanto, consensual. Muitos não esquecem, por exemplo, o “Massacre do Dia das Bruxas”, em 1992, quando a UNITA (partido opositor e inimigo na guerra, liderado por Jonas Savimbi) foi decapitada. Ou a sua intervenção dúbia no 27 de maio de 1977 nas lutas internas do MPLA quando milhares de pessoas ligadas ao partido foram mortas. Ou a sua alegada ação na execução de membros do ANC, a sua inação perante a força dos “esquadrões da morte” já neste século, quando, desde 2002 (ano em que Savimbi foi morto) se vivia em paz.

Ou a perseguição dos adversários políticos, ou ainda, num outro tipo de raciocínio, quando deixou que o seu povo vivesse e morresse na miséria enquanto construía um império familiar assente nos petrodólares e alimentava um regime ditatorial marcado pela corrupção.

A Corte de Luanda, parte II: O Chefe. Como José Eduardo dos Santos segurou e perdeu o poder

Na verdade, corrupção é uma palavra que mancha para sempre o currículo do homem que ergueu as bases de Estado numa nação dilacerada pela guerra. Os escândalos de ostentação de riqueza da sua larga família (tem dez filhos oficialmente reconhecidos de quatro mulheres diferentes) ofuscaram os últimos anos do seu mandato.

Senhor do MPLA, o partido de Estado no poder desde 1975, começou a sofrer contestação nas ruas pelos jovens a partir de 2015, quando já sofria os efeitos da crise do petróleo. Com menos dinheiro para sustentar a sua rede clientelar, em 2017 deixou o palácio cor-de-rosa da Cidade Alta.

O homem, que nasceu a 28 de agosto de 1942 num bairro pobre de Luanda, e segurou com mão férrea, mas discreta e enigmática, o poder, estava cansado e doente. Para trás ficavam os tempos da adolescência, em que entre o futebol e a música, entrara nos grupos clandestinos contra o regime colonial. E os da fuga para o Zaire, dos estudos em Engenharia de Minas em Baku, na Rússia, ou da guerrilha no mato antes de se tornar figura central nos corredores diplomáticos de todo o mundo e um dos delfins de Agostinho Neto até chegar à presidência (para um perfil do já chamado Rei Sol de Angola, leia aqui ou ouça aqui e aqui dois podcasts).

Por muitos considerado um ditador, saiu pelo seu pé, sem imaginar que o seu sucessor, João Lourenço, iria tocar nos seus filhos. Na sua luta contra a corrupção, o atual Presidente atingiu principalmente Isabel dos Santos, que já foi a mulher mais rica de África e o filho Filomeno, Zenu, que acabou mesmo na prisão.

Combate à corrupção: a bandeira de João Lourenço que se tornou numa espada de dois gumes

Dois anos depois, desgostoso com o que o novo poder fazia à sua família e à oligarquia que criara, partiu para Espanha, onde acabou por morrer.

“Arquiteto da paz” ou pai da corrupção, ditador ou agregador de vontades, a verdade é que a vida de José Eduardo dos Santos se confunde com a de Angola pós-independência. Para o bem e para o mal.