Os portugueses que têm crédito à habitação com taxa variável, sobretudo aqueles que compraram casa nos últimos anos, devem chegar ao fim deste ano com aumentos das prestações que devem aproximar-se dos 100 euros por mês – subidas em torno de 25% em relação às prestações médias pagas por estes novos contratos. Este é o impacto previsível do agravamento das taxas de juro, sobejamente sinalizado pelo BCE, nas prestações de crédito à habitação – mas poderá ser ainda pior se a subida dos juros nos mercados continuar a surpreender pela rapidez.

Até ao momento, a realidade tem superado a ficção. Se em meados de fevereiro o Observador avisava, com base em indicadores de futuros de mercado, que a Euribor a 12 meses poderia subir para “terreno” positivo em junho, à chegada a este mês de junho não só esse indexante a 12 meses está bem acima de zero (0,361%) mas, também, a Euribor a seis meses está muito próxima de passar, também ela, para um valor acima de zero.

Em Portugal, cerca de metade de todos os créditos à habitação (a taxa variável) são indexados à Euribor a 6 meses, que está neste momento em -0,068%. Mas nos últimos anos, os bancos têm celebrado contratos de crédito privilegiando a indexação à Euribor a 12 meses, o que faz com que uma percentagem maior dos clientes esteja exposta ao aumento de um indexante que começou o ano de 2022 abaixo de -0,5% e já está acima de 0,35%.

Taxas Euribor nos últimos cinco anos. Indexante a 12 meses já está perto de 0,35% e Euribor a seis meses também perto de voltar a “terreno” positivo. FONTE: Euribor-rates.eu

Segundo cálculos do economista Nuno Rico, ligado à DECO Proteste, os créditos feitos em 2020 (o ano mais recente para os quais o Banco de Portugal já divulgou dados oficiais) os novos contratos de crédito terão nesta altura uma prestação média de 338 euros por mês. Relativamente a 2021 ainda não há dados mas é provável que eles venham a mostrar que a prestação média seja ainda mais elevada, afirma Nuno Rico.

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Em parte fruto do aumento dos preços das casas, estes créditos mais recentes são tendencialmente mais volumosos, com 119 mil euros em dívida, em média, e 33 anos de prazo. Estes dois valores contrastam com os 62 mil euros que são a média de todos os créditos ‘vivos’ em Portugal, incluindo os mais antigos e os mais recentes, com prazo médio de 21 anos.

Nos casos destes créditos mais recentes, se a Euribor (12 meses) subir para 1% então a prestação irá saltar para 424 euros, segundo os cálculos do economista da DECO Proteste – um aumento de 86 euros, ou 25%.

O risco, porém, é que a Euribor a 12 meses possa terminar o ano de 2022 num nível até superior a 1%, sobretudo se a escalada da inflação continuar a não dar tréguas e o BCE (e os outros bancos centrais ocidentais) tiver de aumentar as taxas de juro de forma mais rápida, uma possibilidade que Christine Lagarde não descarta.

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Mercados antecipam Euribor a seis meses nos 0,88% no final do ano

Os atuais dados de mercado indicam que a taxa Euribor no prazo de seis meses poderá terminar o ano em 0,88%. Não existem dados comparáveis para o prazo a 12 meses mas o diferencial atual entre os 6 e os 12 meses, neste momento, ronda os 42 pontos-base (ou seja, a diferença entre os -0,068% a seis meses e os 0,361% a 12 meses).

Mesmo que esse diferencial se estreite nos próximos meses, é provável que se a Euribor a 6 meses atingir mesmo os 0,88% então a Euribor a 12 meses facilmente irá ultrapassar 1% ainda antes do fim do ano de 2022. Nesse caso, a mesma prestação de crédito média – atualmente de 338 euros – poderá subir para perto de 450 euros antes do final do ano, subindo mais de 100 euros.

Este aumento das prestações “irá ocorrer numa altura de aumento dos custos de vida, devido à inflação, o que poderá trazer estas dificuldades acrescidas para muitas famílias”, afirma Nuno Rico, da DECO Proteste. Esta terça-feira o INE revelou que a taxa de inflação acelerou para os 8%, valor mais alto desde fevereiro de 1993.

Preços voltam a acelerar em maio. INE calcula inflação em 8%

Vai depender de caso para caso quando é que cada família vai sentir o aumento das prestações. Conforme se o indexante é a três, seis ou 12 meses, só na altura da revisão da prestação (que acontece nos respetivos prazos) é que os novos valores serão refletidos. Mas, por hipótese, alguém que tenha revisão da prestação com a média deste mês de maio já vai sentir um agravamento de algumas dezenas de euros, conforme o indexante que está no contrato.

Sublinhando que este é um fenómeno de aumento dos juros que é normal – e teria vindo mais cedo se não tivesse sido a pandemia –, Nuno Rico recorda que “entre 1999 e finais de 2021 a média da Euribor situou-se nos 2%“, com períodos bem acima disso (mais de 5% em 2008 foi o pico) e outros períodos muito abaixo, incluindo em níveis negativos, como se viveu nos últimos anos. Mas a média histórica ronda os 2% e “é expectável que vá convergindo para um valor semelhante a isto”.

“É necessária muita proatividade por parte do consumidor”

Nuno Rico antecipa que “iremos ter de lidar com taxas Euribor entre 1% e 2% nos próximos tempos“. A incógnita é a velocidade a que se chegará a esses níveis: “se a subida for muito rápida, vai ocorrer num contexto em que as famílias voltaram a aumentar o endividamento”, desde logo com o contínuo aumento dos preços das casas, que atingiram recordes apesar do impacto da pandemia.

Para fazer face a estas subidas, antes de mais o economista diz que “é neste momento que é necessária muita proatividade por parte do consumidor“, que tem de gerir o(s) seu(s) crédito(s) como gere, por exemplo, as promoções nas “compras no supermercado, para evitar surpresas”. Isso começa, diz Nuno Rico, por “contactar o banco e pedir para se calcular exatamente o que acontecerá à prestação se a Euribor subir para 1% ou mais”.

Se o aumento fizer a prestação aproximar-se muito da “taxa de esforço de referência dos 35% do orçamento familiar, ou até superar esse valor, então é importante agir de imediato” e não esperar por entrar em dificuldades para atuar, alerta Nuno Rico.

Uma das hipóteses, nesse caso, seria renegociar as condições do contrato. Muitas pessoas têm spreads de 2% ou mais e, por inércia ou desconhecimento, não tentam renegociar com o banco – “facilmente se consegue melhor” no spread, que é a margem de lucro do banco que é somada ao indexante (Euribor).

Mesmo que o banco torça o nariz, numa fase inicial, “a única coisa que o cliente tem de fazer é obter umas simulações e apresentá-las ao seu banco, que o banco normalmente vai aceitar porque não quer perder o cliente”, diz Nuno Rico. Caso o banco não queira baixar o spread, a transferência de crédito é uma opção a considerar – sobretudo porque muitos bancos tratam de tudo e não cobram quaisquer custos.

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Porém, se o cliente “já tiver condições muito vantajosas, incluindo spreads abaixo de 1%, então será menor o espaço para renegociar o custo da prestação”, diz Nuno Rico. “Porém, mesmo aí, se o aumento da prestação não for comportável, pode haver outras soluções como o alargamento do prazo ou pedir um período de carência (em que, durante algum tempo, só se paga juros ou se paga menos capital).

Por outro lado, quem tiver essa possibilidade deve equacionar amortizações antecipadas do crédito, que podem depois reduzir a prestação mensal. “Se eu tiver poupanças acumuladas e se o retorno dessas aplicações for mais baixo do que a taxa cobrada no crédito então deve-se amortizar”, aconselha Nuno Rico.

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