Perante o iminente aumento das taxas de juro por parte do BCE, os principais banqueiros portugueses passam uma mensagem de tranquilidade embora reconheçam que “haverá um impacto nas prestações” de crédito pagas pelos cidadãos, designadamente no crédito à habitação. Há “fatores mitigantes” que fazem com que não se preveja uma crise causada por essa subida dos juros, desde logo porque, como referiu o presidente da Caixa Geral de Depósitos, “estamos a falar de valores historicamente baixos e muitíssimo distantes” da crise de 2008.

Poucas horas depois de a presidente do BCE, Christine Lagarde, admitir finalmente que a autoridade monetária poderá começar a trajetória de subida das taxas de juro já em julho próximo, os cinco principais banqueiros portugueses participaram num debate televisivo (organizado pelo Expresso e pela SIC na noite de quarta-feira) e, embora reconheçam que pode haver algum “impacto no crédito”, sublinharam que há um “conjunto de atenuantes”.

“Há maior poupança nas empresas e nas famílias, do que na crise anterior, na economia em geral; o valor dos imóveis não baixou, como na outra crise; há o valor do desemprego, que está muito menor e, por isso, haverá muito menos pessoas a entregar a casa, esperamos todos nós”, afirmou Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos, que esta quinta-feira vai apresentar os resultados do primeiro trimestre em conferência de imprensa.

Presidente do BCE admite subir taxa de juro no início do verão

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Parece certo que “as taxas de juro vão aumentar”, mas há que recordar que “elas estão em níveis historicamente baixos”. Neste momento, “fala-se de três subidas pelo BCE (de 25 pontos base cada uma, até ao fim deste ano). Se forem estes valores, as taxas vão continuar muito baixas”, reforçou Paulo Macedo: “Estamos a falar de valores historicamente baixos e muitíssimo distantes daquilo que foram as Euribor de 400 pontos da crise financeira de 2008/2010”, concluiu.

Outro banqueiro, António Ramalho, reconheceu que Portugal “se financia muito na base da indexação” a taxas variáveis, o que contrasta com a maioria dos países da Europa e, por essa via, deve existir uma cautela. Porém, o presidente do Novo Banco argumentou que os “empresários estão mais preocupados com a subida dos custos da energia e das matérias-primas do que os custos do financiamento, que se têm mantido baixos”.

A expectativa é que a “Euribor poderá acabar o ano ligeiramente positiva, o que significa que as empresas vão ter um crescimento razoavelmente contido nos custos de financiamento”, disse António Ramalho, garantindo estar “convencido que a situação está controlada e temos as medidas possíveis para passar o ano de 2022 com alguma tranquilidade”.

“A cada semana que passa, os efeitos da guerra vão ser piores na economia”

O que preocupa mais os banqueiros, incluindo Miguel Maya, do Millennium BCP, é o prolongar da guerra e os efeitos na economia. “Uma guerra com esta dimensão tem sempre efeitos na economia”. “Cada mês que passa, cada semana que passa, os efeitos vão ser piores na economia”, sublinhou o presidente do BCP.

O efeito dessa guerra pode ser ainda mais danoso porque, como acrescentou Pedro Castro e Almeida, do Santander, veio na sequência de uma crise pandémica, o que originou o “momento muito atípico” em que vivemos. Ainda assim, o banqueiro afirmou que não está “demasiadamente preocupado” mesmo reconhecendo que “vai haver impacto no rendimento das famílias”,  desde logo porque “o rendimento disponível das pessoas, de um modo geral, vai diminuir consideravelmente”, devido aos custos dos bens e dos transportes.

Porém, o banqueiro lembrou que Portugal nunca teve taxas de poupanças tão elevadas como agora, o turismo no sul da Europa pode dar um impulso à economia e, por outro lado, a execução do “Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pode acrescentar dois pontos percentuais ao PIB todos os anos”. É por fatores como esses que o presidente do Santander Portugal está seguro de que a subida das taxas de juro “não vai ser um risco para a solvabilidade da banca”.

Nesta linha, João Pedro Oliveira e Costa, do BPI, sublinhou que “situações de disrupção também criam oportunidades” e, por isso, deve ser uma prioridade “desenvolver as empresas, incluindo as grandes empresas”. “As PME são muito importantes mas as maiores empresas são as que criam maior inovação e atrair talento”, afirmou o banqueiro, considerando que “o pacote fiscal que existe [em Portugal] é muito difícil para as grandes empresas e para os salários”.

BCP diz ter outras condições, que não tinha, para avaliar Novo Banco

A eventual operação de venda do Novo Banco também foi tema do debate e, aí, o presidente do Millennium BCP, Miguel Maya, modificou um pouco a resposta em relação àquilo que habitualmente disse, nos últimos anos, sempre que lhe perguntaram se o BCP poderá comprar o Novo Banco.

Repetindo que “o BCP não tem na sua estratégia de crescimento outra coisa que não a via orgânica” (ou seja, sem aquisições de outros bancos), Miguel Maya garantiu que a compra de outras instituições “não é, de todo, a estratégia”. Porém, Miguel Maya afirmou que “se aparecer uma operação no mercado o BCP irá olhar para ela”. Essa declaração não é nova, mas o banqueiro acrescentou que, se o BCP vier a olhar para uma possível compra do Novo Banco, irá fazê-lo “com as condições que tem hoje e que se calhar não tinha há quatro, cinco, seis anos”.

Já o CEO do BPI, outro banco que por vezes é ligado ao Novo Banco (via uma compra pelos espanhóis do Caixabank e fusão das operações), João Pedro Oliveira e Costa salientou que o BPI “felizmente tem tido bastante sucesso” e “é esse o caminho que vamos seguir”.

As polémicas de Ramalho em seis (conturbados) anos à frente do Novo Banco

De saída, António Ramalho não quis fazer comentários sobre quem poderá comprar o Novo Banco (se poderia ser algum dos participantes do debate) e preferiu falar sobre o plano de reestruturação que liderou, nos últimos seis anos, numa instituição que era e é sistémica na banca portuguesa.

Após vários anos marcados por sucessivas polémicas, desde as chamadas de injeção pública de capital, Ramalho defendeu que um dia no futuro “com tempo, alguns poderão avaliar a qualidade do serviço que foi realizada, tendo em conta a expectativa da Comissão Europeia e do mercado” sobre o que aconteceria ao Novo Banco.

E terminou com uma palavra de agradecimento aos colaboradores do banco, “muitos dos quais vieram do Banco Espírito Santo e continuaram a trabalhar, mesmo tendo tido os seus momentos de quebra emocional”, tanto que Ramalho ter visto vários, muitas vezes, “com as lágrimas nos olhos”.