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De regresso a Portugal, 20 anos depois, Karpov protagonizou uma prova simultânea de xadrez e um congresso na Maia
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De regresso a Portugal, 20 anos depois, Karpov protagonizou uma prova simultânea de xadrez e um congresso na Maia

(Rui Oliveira/Observador)

De regresso a Portugal, 20 anos depois, Karpov protagonizou uma prova simultânea de xadrez e um congresso na Maia

(Rui Oliveira/Observador)

Karpov. O "Pelé do xadrez" veio a Portugal jogar com 20 miúdos

Anatoly Karpov, antigo campeão mundial de xadrez, esteve na Maia. Recorda como descobriu o tabuleiro com o pai, acredita que o talento pode estar onde menos se espera e defende o xadrez nas escolas.

Chega sereno a uma das salas do edifício da câmara municipal da Maia, onde as bandeiras de Portugal e da Rússia estão juntas e dão nas vistas. É recebido pelo autarca e vereadores com pompa e circunstância, afinal, não é todos os dias que o país recebe um dos melhores do mundo no xadrez. A última vez que Anatoly Karpov visitou Portugal foi há precisamente 20 anos, num torneio no Seixal, e regressa agora, com 70 anos, como convidado do Festival de Xadrez da Maia.

É um dos nomes maiores da modalidade, foi campeão do mundo 16 vezes — de 1975 a 1985 e de 1993 a 1999 — e apaixonou-se pelo xadrez quando tinha apenas 4 anos. “Comecei a jogar com o meu pai e os amigos dele. Ele nunca participou em competições, mas observava-o muito e foi assim que o meu interesse cresceu. Foi ele que me explicou todas as regras, a mais importante para mim foi a do Roque, uma jogada que envolve a movimentação de duas peças num único lance — o rei e uma das torres — e onde o objetivo é proteger o rei, tirando-o do centro”, explica.

Aos 15 anos conquistou o título de mestre nacional, mais tarde formou-se em economia, especializou-se no xadrez rápido e foi presença assídua em vários torneios internacionais, alcançando cada vez mais experiência e derrotando grandes nomes como Lev Polugaevsky ou Viktor Korchnoi. Com uma memória invejável, Karpov recorda a sua partida mais longa, em 1979, onde jogou 16h e 30 minutos durante três dias. Quanto ao jogador mais difícil que enfrentou durante a sua carreira, a resposta parece ser simples: “Eu próprio”. “Nem sempre é fácil manter o foco, a concentração e a sincronização. A minha carreira é uma mistura entre superar os outros e superar-me a mim próprio”, acrescenta.

É um dos nomes maiores do xadrez mundial, tem escolas espalhadas por 42 países e acredita que a modalidade tem crescido

(Rui Oliveira/Observador)

Se em frente a um tabuleiro costuma ter um ar sério, inacessível e recatado, longe dele é capaz de sorrir, mesmo através da máscara, e até de expressar o que sente com as mãos. Fala com orgulho das escolas que tem em nome próprio espalhadas por 42 países em todo o mundo e do desejo de ver incluída a modalidade no plano curricular das escolas mais convencionais. “Seria bom realizar uma recomendação à União Europeia para incluir o xadrez no programa escolar. A modalidade desenvolve a capacidade de pensar bem e rápido, ensina a lidar com o lado mais surpreendente dos outros e a avaliar uma situação de forma eficaz”, diz.

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Karpov é embaixador da Unicef nos países de Leste e deputado da Duma, a câmara baixa do parlamento da Rússia há dez anos, garante que continua a competir, embora dedique cada vez mais o seu tempo a viajar pelo mundo a promover o xadrez. Satisfeito com o facto de o desporto milenar ter cada vez mais adeptos juntos dos mais novos, muito graças à boleia do universo digital, salienta, o antigo campeão do mundo deixa alguns conselhos para quem quer dedicar-se ao xadrez de uma forma profissional.

“Em primeiro lugar, quem quiser seguir esta carreira deve amar este desporto, mas também é preciso estar consciente de que é um trabalho como outro qualquer. O xadrez traz-nos uma tensão de nervos muito forte e para jogar bem é preciso saber concentrar-se durante cinco ou seis horas. Uma das maiores recomendações que faço é para não caírem no desânimo, pois toda a gente pode perder, inclusive os campeões do mundo”, assegura. O jogador russo acredita num desporto pacífico, democrático e igualitário. “Há muita igualdade de género no xadrez, hoje a mulher pode apresentar-se nas competições masculinas, embora também existam provas exclusivamente para mulheres. O nível do xadrez feminino tem crescido nos últimos anos, há dezenas de competidoras muito perigosas — e ainda bem.”

No que toca a Portugal, Anatoly Karpov considera que a qualidade “tem aumentado consideravelmente em competições mundiais e europeias”, não exclui a hipótese de abrir uma escola sua em território nacional no futuro, mas admite ser difícil prever onde podem surgir novos talentos no xadrez. “Eles não escolhem pontos no globo. Portugal pode ter um talento oculto, mas temos de o descobrir e ajudá-lo a crescer”, sublinha, acrescentando que uma coisa é certa: “O xadrez une o mundo”.

“Para nós, ele é o Pelé do xadrez”

Horas depois da formalidade na autarquia, Anatoly Karpov era esperado por 20 jovens numa escola primária, onde daria início ao festival com uma partida simultânea. O burburinho é grande, os mais novos libertavam a adrenalina ao sol com corridas e partidas de badminton e os mais velhos treinam numa sala quase em silêncio. “Para nós, ele é o Pelé do xadrez”, dizem. “Se alguém lhe ganhar hoje, vai ficar famoso”, ouvia-se no recreio, já preenchido com 20 tabuleiros, planilhas, bonés e garrafas de água.

Foi na escola Príncipe da Beira, em Gueifães, que Karpov competiu com 20 jovens durante mais de duas horas

(Rui Oliveira/Observador)

Diogo Pires tem 17 anos e é um dos que irá competir com a “lenda viva do xadrez mundial”. “Estou nervoso, estive a ver uma partidas dele no YouTube, mas não me preparei muito até porque não é um jogo oficial. Sei que não é todos os dias que se pode ter uma oportunidade destas, de jogar com um dos melhores do mundo, intimida sempre, mas não vou adotar nenhuma estratégia, vou deixar ir. Acredito que, por mais que invente no tabuleiro, ele terá sempre uma forma para me ganhar, só espero estar à altura do desafio, estou aqui para dar o meu melhor.”

O jovem natural da Maia descobriu o xadrez durante a pandemia e promete nunca mais o largar. “No confinamento não tinha nada para fazer em casa e comecei a jogar online. Quando a quarentena terminou decidi ter aulas e levar a coisa mais a sério. Agora estou no nível intermédio, mas sinto que ainda tenho muito para evoluir.” Para Diogo, o xadrez é, acima de tudo, “um jogo bonito”. “Há pessoas que olham para um quadro e acham bonito, eu olho para um tabuleiro e sinto isso. Gostava de seguir profissionalmente esta área, mas depende das qualidades que tiver no futuro”, sublinha.

As indicações são dadas, os lugares ficam ocupados, a partida começa e o silêncio instala-se. Anatoly Karpov passa lentamente em cada mesa para fazer a primeira jogada e durante duas horas e meia compete com 20 jovens ao mesmo tempo, vencendo um a um com a sua experiência. Durante a prova, muitos batem aceleradamente o pé na cadeira, outros debruçam-se sobre a mesa, ora com as mãos na cabeça ora a tirar apontamentos, mas quando se dá o xeque-mate todos dão um aperto de mão a Karpov, arrumam as peças no tabuleiro e levantam-se imediatamente.

Duarte António tem 10 anos e foi um dos primeiros a ser eliminado. “O jogo foi bom e difícil, ele deu muita luta. Enganei-me algumas vezes e aprendi com o erros. Achei que já não tinha muitas peças para conseguir combatê-lo e desisti”, conta, enquanto é acarinhado pelos professores da Academia de Xadrez na Maia. “Aprendi que desistir não é um erro e jogar com alguém experiente fez-me aprender ainda mais. Nunca imaginei um dia poder jogar com ele.”

Diogo, Manuel e Beatriz nunca imaginaram jogar com um dos melhores do mundo, mas no fim da prova garantem ter gostado da experiência

(Rui Oliveira/Observador)

Uma hora depois, é a vez de Beatriz Vieira, uma das três raparigas em competição, arrumar as peças e despedir-se dos colegas. “Não conhecia o Mr. Karpov, mas os meus pais deram-me um livro sobre xadrez que tinha o nome dele, então comecei a estudar algumas posições que ele costuma usar. Nesta prova aprendi jogadas novas e saio melhor preparada.” Aos 11 anos, Beatriz ambiciona ser xadrezista profissional e lutar contra a desigualdade de género no desporto. “É um trabalho que pouca gente tem e normalmente são só rapazes, mas acho que as raparigas também conseguem ter um bom desempenho nesta modalidade. Devia ser tudo mais equilibrado, é o trabalho que nos faz destacar.”

Sobravam poucos lugares na competição quando Manuel Paiva ouviu xeque-mate. “Gostei muito de jogar com ele, é realmente muito bom. A sua estratégia é ir ganhando vantagem gradualmente sem estarmos à espera, qualquer um sonha competir com um dos melhores. Não me preparei muito, confesso, ele joga o que quer e não há como preparar isso.” Com 19 anos e já a estudar na faculdade, Manuel descobriu o xadrez graças a uma série da Netflix, “The Queen’s Gambit”, coordena aulas online, mas não tem dúvidas de que o xadrez é “apenas um hobby”. “Em Portugal é muito difícil fazer disto uma carreira”, sublinha.

A série “Queen’s Gambit”, da Netflix, ajudou a pôr o xadrez na moda

“O xadrez teve um boom e está na moda”

A pandemia, a obrigatoriedade de ficar em casa e uma série da Netflix — onde a protagonista se torna um prodígio no xadrez numa história inspiradora — parecem ter contribuído para que a modalidade conquistasse mais curiosos em Portugal. “Existem cada vez mais adeptos, é um facto, o xadrez está na moda e teve um boom significativo”, diz Duarte Duarte da Academia de Xadrez da Maia, um dos organizadores do festival e responsável pela formação da modalidade na cidade, do pré-escolar à terceira idade.

Para o antigo campeão mundial, o xadrez deveria fazer parte do plano curricular das escolas europeias

O profissional garante que o desporto mudou bastante nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico e a partilha de conhecimento fizeram com que o xadrez se tornasse mais competitivo. “Antigamente as nossas ferramentas eram muito reduzidas, limitavam-se às revistas estrangeiras e à informação que existia nos clubes. Hoje, graças aos computadores e à internet, podemos jogar com alguém que está no Japão e aceder a todas as técnicas. Posso dizer que pratico há mais de 30 anos e na idade deles não jogava um terço do que eles jogam.”

Trazer Anatoly Karpov a Portugal era um “desejo antigo” da organização do festival, que este ano junta mestres cubanos, espanhóis, brasileiros, russos e venezuelanos. “Já o tínhamos convidado no ano passado, mas acabou por ser tudo adiado devido à pandemia. Felizmente conseguiu vir agora para provar o que já sabíamos. O xadrez é um desporto pacífico e ele é um símbolo dessa paz, é uma lenda viva e um bom exemplo para todos os jovens que queiram vingar no futuro.

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