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Kirill Stremousov nasceu na Ucrânia, mais concretamente em Holmivskyi (no oblast de Donetsk), mas é um fervoroso colaboracionista pró-Rússia. Acusado de traição pelas autoridades ucranianas, aos 45 anos é o vice-presidente da administração russa de Kherson. Bastante ativo nas redes sociais, é ele quem informava o mundo sobre o que se passa na cidade — ainda que podia estar a ser apenas a voz e o rosto de uma estratégia de contra-informação com o objetivo de criar uma armadilha para atrair as tropas de Kiev.
O colaboracionista pró-Rússia acabou por morrer esta quarta-feira após um acidente de carro. As circunstâncias ainda não são claras.
Na passada quinta-feira, Kirill Stremousov veio a público dizer aquilo que parecia indicar uma retirada militar russa de Kherson. “Muito provavelmente as nossas unidades e os nossos soldados vão abandonar e vão deslocar-se para a margem esquerda [oriental]” do rio Dnipro, afastando-se do centro urbano. Estas palavras surgiram pouco depois de a bandeira russa deixar de estar hasteada no centro administrativo de Kherson, o que deu origem a várias conjeturas sobre o que se passava no território que está desde março sob o controlo da Rússia (foi aliás o primeiro a ser controlado pelos homens de Putin depois da invasão).
Passadas mais de 24 horas, nas redes sociais, o administrador pró-russo voltou a pronunciar-se publicamente sobre a situação de Kherson. Por um lado, apelou novamente a que os civis saíssem o mais rapidamente possível da cidade da cidade; por outro, pareceu dar sustentação às dúvidas ucranianas de que tudo não passará de uma armadilha: Kirill Stremousov garantiu que a “Rússia vencerá” e avisou que poderá vir aí uma guerra urbana.
???????? #Ucrania | El lider ruso Kirill Stremousov quien lideraba Jerson, huyó con todas sus pertenencias en la parte trasera de su automóvil. pic.twitter.com/2C02vOjAUo
— Liberal Diario (@liberal_diario) November 3, 2022
“Os ucranianos nazis que quiseram quebrar as linhas de defesa não tiveram sucesso”, afirmou Kirill Stremousov num vídeo publicado esta sexta-feira no Telegram, garantindo que a cidade de Kherson ainda “está sob proteção das tropas russas”. “Protejam a vida dos vossos familiares, dos vizinhos e deixem os militares limpar a região de nazis”, disse o administrador pró-russo, acrescentando que os próximos alvos são Mykolaiv e Odessa. “Tudo ficará bem e ganharemos.”
Stremousov passou de uma mensagem que aparentava desalento na quinta-feira para uma bastante mais confiante e que aponta para um cenário de guerra urbana um dia depois. Mas qual delas se aproxima mais da realidade? O que se passará realmente em Kharson e que papel está a desempenhar Kirill Stremousov nesta batalha que pode mudar o curso da guerra?
Armadilha ou saída das tropas russas: tudo ainda está em aberto
Ainda não é claro o que se está a passar em Kherson, uma vez que as informações divulgadas nas últimas horas continuam a pautar-se pela falta de clareza e por versões contraditórias. O relatório diário do think tank Instituto para o Estado da Guerra dá conta dessa imprecisão que rodeia a situação na cidade do sul da Ucrânia.
Os analistas do think tank admitem que “as forças russas continuam a preparar-se para assumir posições de recuo” rumo à margem oriental do rio Dnipro, enquanto “estabelecem posições defensivas a noroeste da cidade de Kherson, transportando as unidades militares para lá”. Escrevem também que é de salientar a retirada da bandeira russa e ainda a “deslocação da administração local” russa para perto da fronteira da península da Crimeia, o que pode dar a ideia de que “as forças russas estão a preparar-se para abandonar a cidade de Kherson”.
Mas, por outro lado, os especialistas do think tank dizem também que a força naval e aérea da Rússia “continua a operar na margem ocidental” do rio Dnipro, sublinhando que o próprio Kirill Stremousov é uma “fonte pouco credível que anuncia constantemente tomadas de posição contraditórias”. Além disso, o relatório assinala que a retirada da bandeira e dos civis pode “indicar que se estão a preparar as condições para um combate urbano” na cidade.
Não estabelecendo qualquer conclusão, o relatório para o Instituto para a Guerra considera que as verdadeiras “intenções” de Moscovo podem ser vistas pelo lado da concentração da força aérea russa, que ainda continua na margem direita do rio Dnipro. A retirada de civis não seria assim indicação de uma possível retirada, podendo, em vez disso, funcionar como maneira de criar as condições ideais para a existência dos tais combates urbanos.
Sobre a retirada de civis, Vladimir Putin também abordou o assunto esta sexta-feira, aconselhando a sua retirada imediata da cidade de Kherson. “A população não deve sofrer com bombardeamentos, com ofensivas e contraofensivas. Deve sair das zonas com as ações militares mais perigosas”, recomendou o chefe de Estado da Rússia.
Para alegadamente proteger a vida de civis, foi também decretado (inicialmente) um recolher obrigatório durante 24 horas em toda a zona urbana de Kherson. Contudo, Kirill Stremousov, noutro vídeo publicado nas redes sociais, acabou por desmentir essa informação. “Não há absolutamente nenhuma restrição que possa limitar a vida da cidade.”
Antivacinas, acusado de traição e a viagem às Américas: as polémicas do “Che Guevara” de Kherson
O relatório para o Instituto para o Estudo da Guerra traça um retrato do atual vice-presidente da administração pró-russa de Kherson. Para além de lhe chamar uma “fonte pouco credível”, diz que é alguém que reage “emocionalmente” a certos acontecimentos. “As suas declarações públicas podem estar a ser afetadas por causa dos seus medos pessoais em perder a posição que ocupa no governo.”
Antes de ocupar uma posição de relevo no governo pró-russo de Kherson, Kirill Stremousov já tinha estado envolvido em várias polémicas. Para começar, é acusado de traição pelas autoridades ucranianas — que oferecem 500 mil hryvnias (cerca de 14 mil euros) a quem conseguir capturá-lo. Foi também alvo de sanções pela União Europeia por “minar a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia”.
https://twitter.com/oculusfiles/status/1524376474769403910
No entanto, um dos episódios mais marcantes da recente vida política de Kirill Stremousov pode criar-lhe inimigos no interior do próprio Kremlin. É que o administrador de Kherson sugeriu ao atual ministro da Defesa russo, Sergei Shiogu, que se suicidasse, culpando-o pelos fracassos militares da Rússia. “De facto, muitos dizem que se fossem um ministro da Defesa que permitiu o que se está a passar, eles poderiam, como oficiais, ter-se matado”, disse.
Oficial de Kherson nomeado pelo Kremlin sugere que o ministro da Defesa se deveria matar
Nascido em 1976, a vida de Kirill Stremousov, até então proprietário de uma empresa que vendia comida de peixe, mudou radicalmente em 2009, ano em que se decidiu demitir para criar uma organização não governamental ligada aos assuntos ambientais. Foi, no entanto, contou o próprio, uma viagem de negócios ao continente americano, um ano depois, que lhe mudou a vida, principalmente após ter convivido com tribos indígenas.
“Os índios interessavam-se de onde eu era. Eles nunca ouviram falar da Ucrânia e poucos sabiam da Rússia. Uma vez eu disse: ‘União Soviética’. E descobri que o nome de um país já inexistente era muito conhecido”, lembrou Kirill Stremousov, destacando que isso lhe mudou a sua visão sobre o mundo. Numa visita a Cuba, mais tarde, conheceu mais sobre o legado de Che Guevara, e isso consolidou a nova perspetiva que tinha entretanto ganhado. Gosta por isso da alcunha de ‘Che Guevara’ de Kherson.
Quando regressou à Ucrânia, Kirill Stremousov dedicou-se à organização de manifestações, aproximando-se de movimentos de esquerda e pró-russos. Além disso, chegou a fundar uma organização esotérica — que se reunia todas as semanas numa biblioteca. Ao mesmo tempo, envolveu-se com uma entidade que defendia a ideia da criação de um Estado eslavo unido, à semelhança dos objetivos do Kremlin.
Politicamente, o agora vice-administrador de Kherson apoiou a candidatura de Viktor Yanukovych, que, em 2014, acabou por resignar ao cargo após uma série de protestos (Euromaidan) que tinham como objetivo encetar uma aproximação da Ucrânia ao Ocidente e um afastamento face à Rússia. Desde aí, Kirill Stremousov opôs-se ao novo regime e também ao Presidente que o chefiava.
Kirill Stremousov chegou a envolver-se em desacatos com a polícia e até preparou um ataque aos serviços de informações ucranianos. Em 2018, tornou-se o chefe da distrital de Kherson do Partido Socialista da Ucrânia e, três anos depois, mudou de ideias e entrou num partido assumidamente pró-russo: o Derzhava.
Pelo meio, travou uma nova batalha. Kirill Stremousov era abertamente contra as vacinas que protegiam contra a Covid-19. Em vídeos nas redes sociais, o político divulgava teorias de conspiração, alegando que as autoridades norte-americanas tinham disseminado o vírus, tendo o mesmo sido criado em “biolaboratórios dos Estados Unidos na Ucrânia”. Apelou ainda à desobediência, dizendo aos cidadãos para não usarem máscara, nem para cumprirem as restrições vigentes na pandemia.
Tendo em conta o passado político, Kirill Stremousov tinha de estar na linha da frente na defesa da guerra desencadeada por Vladimir Putin. E cedo ocupou um cargo de relevo na administração de Kherson, tendo pedido ao Kremlin a criação de uma autoproclamada república. No entanto, um dia após a Ucrânia ter anunciado a sua contra-ofensiva para recuperar os territórios no sul do país, o vice-presidente da administração militar civil da cidade terá procurado refúgio num hotel na Rússia. Mesmo tendo publicado, como de costume, vários vídeos a garantir que em Kherson “estava tudo bem”, um ativista ucraniano diz que as gravações foram feitas a partir do hotel Marriott, na cidade russa de Voronez, para onde terá fugido. As imagens do hotel, denunciavam-no.
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⚡️Зрадник України і колаборант Стрємоусов втік з Херсону та розповідає, що росія у Херсоні назавжди… із Воронєжа на росіїЗавдяки багатьом небайдужим громадянам вдалось встановити, що вчора та сьогодні Стрємоусов записував свої відеозвернення із готелю Marriott у м. Воронєж pic.twitter.com/Hie6e3QKTy
— Serhii Sternenko ✙ (@sternenko) August 30, 2022
Veremos se este socialista esotérico continuará à frente da cidade, para onde voltou — ou se a Ucrânia conseguirá vingar-se daquele que considera um ‘traidor’.
Texto atualizado às 18h26 de dia 9 de novembro com a informação da morte de Kirill Stremousov.