Este é o 6.º de uma série de seis artigos sobre marcas de bebidas não-alcoólicas. Os anteriores podem ser lidos em:

Capri-Sonne

A Capri-Sonne remonta a uma empresa de produtos alimentares fundada por Rudolf Wild em Heidelberg, em 1931, e que pretendia recorrer apenas a “produtos naturais”. A bebida de laranja (ou limão) Capri-Sonne surgiu em 1969 e tinha a originalidade de ser comercializada em saquetas feitas de plástico e alumínio. O seu nome, “Sol de Capri” pretendia evocar, nos consumidores alemães, as soalheiras paragens mediterrânicas, onde crescem as laranjeiras e os limoeiros, e em particular a ilha de Capri, situada no Golfo de Nápoles. Há duas teorias principais para a origem do nome desta ilha: a que se rege pela etimologia grega sugere que virá de “kápros” (javali), a que segue a etimologia latina defende que virá de “capra” (cabra). A natureza ensolarada do clima da ilha está também patente na designação da sua elevação mais alta, o Monte Solaro.

Capri: Vista sobre a Baía de Nápoles a partir do Monte Solaro

A bebida só ganhou renome internacional a partir de 1979, graças a uma campanha publicitária maciça centrada no boxeur Muhammad Ali. Os sabores foram diversificando-se e a Capri-Sonne foi conquistando mercados e em 2004 ultrapassou a barreira dos 5.000 milhões de embalagens vendidas num só ano, um sucesso que, como acontece com a maior parte dos refrigerantes, se deverá mais à publicidade do que às suas virtudes alimentares e organolépticas (o sumo de laranja não é muito e o teor de açúcar é de 10 g/100 ml).

Nos países anglófonos, a bebida foi comercializada como Capri-Sun, mas nos países germanófonos e noutros (Portugal incluído), resistiu como Capri-Sonne até 2017, altura em que a Rudolf Wild Ltd. determinou que passaria a denominar-se Capri-Sun em todos os 119 países em que é vendida.

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A embalagem original de Capri-Sonne, 1969

TriNa

Não é uma alusão à natureza trina da divindade em que crêem os cristãos: é um refrigerante de laranja, sem gás, cujo nome já foi TriNaranjus. Foi criada, com o nome de Naranjina (de “naranja” = laranja, em espanhol) em 1933-34, em Valência, pelo químico Agustín Trigo Mezquita (1863-1952). Trigo fundara os Laboratorios del Dr. Trigo em 1896 e até então o seu produto de maior sucesso tinha sido o “citrato de magnésia efervescente”, que combinava os papéis de tónico medicinal e de refrigerante.

Agustín Trigo Mezquita

Em 1936, a Naranjina despertou o interesse de Jean-Claude Beton, um produtor de laranjas argelino, que lhe introduziu gás e a rebaptizou como Orangina e a fabricou na Argélia, até que a independência deste país, em 1962, levou à deslocação da produção para França. Apesar da grande popularidade de que a Orangina desfrutava em França – 500 milhões de garrafas vendidas em 1975 – a internacionalização só se iniciou em 1985.

Entretanto, a Naranjina continuou a ser produzida para o mercado espanhol e até ganhou a companhia de uma variante designada como TriNaranjus, nome que (supostamente) alude, em simultâneo, a Agustín Trigo e ao facto de a fórmula por ele criada combinar três variedades de laranja – Valencia, Salustiana e Cadenera – conceito que também estava patente na sua original garrafa, cuja parte inferior sugeria a fusão de três esferas/laranjas.

É duvidoso que a variedade das laranjas empregues na confecção do refrigerante fizesse (ou faça) diferença no produto final, pois o conteúdo de sumo da TriNaranjus é apenas de 10%, uma percentagem que é similar à empregue na grande maioria dos refrigerantes ditos “de laranja”: o resto é água e açúcar, eventualmente acrescidos de gás, corantes e conservantes.

Anúncio conjunto à Orangina e à TriNaranjus

Se a distinção entre Naranjina, Orangina e TriNaranjus (que chegaram a coexistir as três no mercado espanhol) nem sempre foi clara, também não será fácil distinguir estas da Laranjina C, uma “laranjada” inspirada nas de Trigo/Beton que foi lançada em Portugal no pós-II Guerra Mundial e que era produzida pela firma Francisco Alves & Filhos. A Laranjina C era comercializada numa garrafa de design invulgar (inspirado na garrafa da Orangina) e ganhou forte implantação em Portugal, até que a introdução da TriNaranjus no mercado português levou à sua extinção, o que costuma ser motivo para lamentação de gourmets e sibaritas que exaltam, saudosamente, o seu “gosto incomparável”, que talvez não seja mais do que uma fantasia de quem recorda o passado através de um véu róseo e narcísico.

Mas como os vínculos sentimentais que os consumidores estabelecem com as marcas, por mais destituídos de fundamento e irracionais que sejam, acabam por motivar as suas aquisições, os grandes grupos empresariais gastam fortunas para assegurar os direitos sobre marcas “históricas”, mesmo quando o produto já pouco tem a ver com o original (e mesmo que o original nem sequer tivesse nada de particularmente original ou meritório). Assim, as marcas Orangina e TriNa foram adquiridas em 2001 pelo grupo Cadbury Schweppes e hoje estão repartidas entre o grupo japonês Suntory, que detém os direitos para a Europa e Ásia, e o grupo Keurig Dr. Pepper, que detém os direitos para a América do Norte.

Guaraná Antarctica

O guaraná é um refrigerante cuja popularidade está sobretudo circunscrita ao Brasil, mas como este país é o 3.º maior consumidor de refrigerantes do mundo, não é de estranhar que o Guaraná Antarctica – o guaraná mais vendido no Brasil – esteja no top 15 das marcas de refrigerantes mais vendidas no mundo. A partir de meados da década de 1990, o Guaraná Antarctica conheceu alguma internacionalização e passou a ser também produzido em Portugal – pelos laços culturais entre os dois países e pela relevância da comunidade brasileira em Portugal – e no Japão – o que se explica pelo regresso às origens, a partir da década de 1980, de cerca de 100.000 brasileiros de ascendência nipónica.

Anúncio ao Guaraná Antarctica, Portugal, 2011

A designação do refrigerante resulta de ter como ingrediente um extracto de guaraná, o fruto de uma trepadeira com o mesmo nome, originária da bacia amazónica e cuja designação científica é Paullinia cupana. “Guaraná” provém, através do guarani, de “warana”, que na língua dos índios Sateré-Maué, que terão sido os primeiros a cultivar a planta, significa “olho dos deuses”. O fruto tem, com efeito, semelhanças com um olho e está associado a um mito em que um demónio, invejoso da bem-aventurança em que os índios da região viviam, assumiu a forma de uma serpente e matou a criança mais estimada da comunidade – os lamentos da tribo chegaram aos ouvidos dos deuses, que instruíram os índios para retirar os olhos da criança, plantá-los e regá-los com lágrimas, assegurando que deles nasceria a “planta da vida”, cuja ingestão providenciaria vigor e saúde a toda a tribo.

Guaraná (Paullinia cupana)

Os benefícios para a saúde do guaraná poderão estar por provar cabalmente, mas é indiscutível que o fruto exerce um efeito estimulante, resultante da presença de cafeína (duas vezes mais do que nas sementes do cafeeiro), teofilina e teobromina. Os índios do Amazonas usavam tisanas de guaraná para fins terapêuticos e como bebida energética “avant la lettre” e, sobretudo a partir do século XIX, os exploradores europeus que se aventuraram na região divulgaram, no regresso a casa, as propriedades do fruto, sobretudo na óptica das aplicações medicinais.

A ideia de usar o guaraná na produção de refrigerantes ganhou forma em 1905, com as pesquisas do médico brasileiro Luiz Pereira Barreto, que concebeu um processo para obter um xarope do fruto, e em 1906 a firma F. Diefenthaler, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, começou a comercializar o Guaraná Cyrilla. O sucesso deste foi mitigado, devido ao sabor amargo e adstringente, um inconveniente que só foi superado em 1921, com a criação do Guaraná Champanhe Antarctica pela Companhia Antarctica Paulista (com sede em São Paulo). Esta teve origem, em 1885, num matadouro de suínos, que, três anos depois, alargara, através de um investidor alemão, a actividade à produção de cerveja e se constituíra formalmente como Companhia Antarctica Paulista em 1891. A menção a “champanhe” no nome do produto tinha a ver com as semelhanças superficiais, na cor e nas bolhas de gás, com o prestigiado espumante.

Anúncio ao Guaraná Champanhe Antarctica, década de 1920

A Companhia Antarctica Paulista, que foi, entre 1891 e 1963, controlada pelas famílias Zerrenner (de ascendência alemã) e von Bülow (de ascendência dinamarquesa), focou-se no negócio das cervejas e refrigerantes, campo em que disputou a primazia no mercado brasileiro com a Brahma. Em 1999 os dois rivais fundiram-se, dando origem à AmBev (America’s Beverage Company), que era, à data, a maior empresa brasileira e a 3.ª maior da América do Sul, em valor bolsista; em 2004, a AmBev fundiu-se com a belga Interbrew, dando origem à InBev, e, após mais algumas aquisições e fusões, esta converteu-se, em 2008, na Anheuser-Busch InBev.

Anúncio ao Guaraná Champanhe Antarctica, década de 1950

A fusão da Antarctica com a Brahma, em 1999, levou a uma “limpeza” e rearranjo radical do vasto número de produtos à base de guaraná produzidos pelas duas empresas, que ficaram focados no Guaraná Antarctica (já sem “Champanhe” no nome), desdobrado por variantes como Zon, Ice, Black e Açaí.

O teor do extracto de guaraná no Guaraná Antarctica é, presentemente, de 0.013%, o que pode ser visto como uma dose generosa, se se atender a que o Guaraná Antarctica Black, que anunciava ser produzido com “frutas da Amazónia: guaraná e sabor açaí”, tem 0% do dito fruto; chamada a justificar a gritante ausência, a marca esclareceu que a bebida contém “notas de aroma natural de açaí”, mas acabou por ceder e alterar a publicidade.

Guaraná Antarctica Black: Quem espera de um refrigerante algo mais do que água, gás, açúcar e “notas de aromas”?

Guaraná Jesus

Num país como o Brasil, onde o cristianismo evangélico e, em particular, a teologia da prosperidade, gozam de grande popularidade, poderia pensar-se que o Guaraná Jesus teria sido concebido por um tele-evangelista do nosso tempo, ambicionando, simultaneamente, fazer dinheiro e cativar fiéis: Ou, sabendo da paixão dos brasileiros por futebol, que a triunfal passagem de Jorge Jesus pelo Flamengo teria inspirado o clube carioca a lançar uma bebida com o nome do treinador português. Porém o Jesus que deu nome a este guaraná era ateu, com inclinações comunistas e sem ligação ao futebol.

A marca foi lançada em 1927 por Jesus Norberto Gomes (1891-1963), dono de uma farmácia em São Luís, no Maranhão. Gomes, que provinha de uma família humilde, era analfabeto quando, aos 14 anos, começara a trabalhar como moço de recados numa farmácia, mas revelou um espírito tão vivo e empreendedor que aos 20 anos já conseguira reunir dinheiro para comprar o estabelecimento ao proprietário.

O Guaraná Jesus só é popular no Maranhão, onde vende mais do que a Coca-Cola

Gomes concebeu a ideia de fabricar leite de magnésia (uma suspensão de hidróxido de magnésio), que era popular como laxante e no alívio de dores gástricas, mas depois de ter adquirido o equipamento e milhares de garrafas, descobriu que outra empresa farmacêutica detinha direitos exclusivos para o fabrico de leite de magnésia no Brasil. Para dar aproveitamento ao material onde investira as poupanças, Gomes reorientou-o para produzir vários tipos de refrigerante, concebidos por si mesmo: o que teve maior sucesso foi o Guaraná Jesus, que se distingue, na profusão de marcas de guaraná no mercado brasileiro, pela invulgar cor rosada.

O Guaraná Jesus só é popular no Maranhão, onde vende mais do que a Coca-Cola, o que acabou por atrair o interesse do ramo brasileiro da Coca-Cola Company, que adquiriu os seus direitos em 2001 e transferiu a produção para as suas fábricas em 2016.

Milo

O pó solúvel de chocolate e malte Milo é hoje uma das 2000 marcas da multinacional suíça Nestlé, mas teve origem muito longe dos Alpes: foi criada na Austrália, em 1934, pelo químico industrial Thomas Mayne (1901-1995). Tornou-se popular um pouco por todo o mundo, mas a sua influência está hoje centrada no Sudeste Asiático, pois em muitos países a Nestlé optou por retirar o Milo do mercado, para não competir com o Nesquik. Foi o que aconteceu em Portugal no início da década de 1990, mas, devido a numerosos pedidos dos nostálgicos do sabor da mistura de chocolate e malte, a Nestlé portuguesa anunciou em 2013 a reintrodução do Milo (ainda que, na prática, seja difícil encontrá-lo).

[Anúncio a Milo na TV portuguesa, década de 1980:]

Desde o início que o Milo foi comercializado com aura de bebida saudável e desportiva, geralmente exibindo jovens atletas em acção sobre o fundo verde vivo da lata. O nome Milo veicula a mesma ideia, embora apenas um círculo restrito de helenistas (que provavelmente não praticarão desporto algum) esteja a par da existência do Milo de Crotona que baptizou o pó.

Milo foi um atleta que viveu na Grécia no século IV a.C. e que coleccionou vitórias como lutador, tendo-se sagrado campeão olímpico por seis vezes entre 536 e 520 a.C. (a primeira ainda na categoria júnior). Estes factos objectivos convivem com numerosas lendas, nomeadamente a de que terá carregado um boi aos ombros, ou de que terá salvo Pitágoras por ocasião da derrocada de um edifício, segurando o tecto da sala só com a força dos seus músculos, ou de que a sua dieta diária consistiria em 9 Kg de carne, outros tantos de pão e 10 litros de vinho (não há menções a leite achocolatado).

Consta também que seria também assaz vaidoso, exibicionista e auto-confiante, o que, de acordo com a lenda, terá ditado a sua morte: quando atravessava um bosque lembrou-se de rachar uma árvore ao meio só a força de braços e acabou por ficar com uma mão entalada – incapaz de libertar-se, acabou por ser devorado por um lobo. Os artistas dos séculos XVII-XVIII interessaram-se pelo tema (um paradigma do par hubris/nemesis recorrente na mitologia grega), mas, em geral, decidiram dar-lhe um fim mais digno e substituíram o lobo por um leão.

A morte de Milo de Crotona por Charles Meynier, 1795

A representação artística mais célebre da morte de Milo é a do escultor Pierre Puget (1620-1694), mas nela a ideia de conferir maior dignidade à morte de Milo fazendo intervir um leão acaba por ser contrariada pelo facto de Puget colocar a fera o morder as nádegas do campeão de luta. A publicidade à marca nunca fez alusão a Milo de Crotona e, muito menos, ao seu cruento destino, e limitava-se a proclamar que “com Milo, tu vales por dois!”.

Ovomaltine

O Ovomaltine nasceu no final do século XIX, em Berna, na Suíça, como pó “fortificante” para adicionar ao leite, feito a partir de ovo, malte e chocolate. Foi criada pelo farmacêutico Georg Wander, aperfeiçoada pelo seu filho Albert e o produto começou a ser comercializado em 1904 como “preparado médico” e foi publicitado como “alimento para convalescentes”.

Anúncio a Ovaltine numa publicação especializada em medicina, EUA, 1909

O produto difundiu-se pelo mundo, sob o nome de Ovaltine nos países de língua inglesa, e foi sofrendo variações na composição, de forma a agradar aos paladares dominantes em cada lugar e tempo: por exemplo, na Grã-Bretanha e na Índia de hoje a sua composição não inclui o ovo que lhe deu nome, e a versão Rich Chocolate Ovaltine não contém malte.

Nos EUA o Ovaltine é comercializado pela Nestlé, na maioria dos outros países é marca registada da Associated British Foods. Em Portugal, numa era em que, felizmente, se tornou difícil aos fabricantes publicitar qualidades não susceptíveis de confirmação, continua a ser comercializado como “fortificante”.