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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Lisboa desconfinou com um copo ao final do dia — e reencontros há muito esperados

No primeiro sábado em que restaurantes e esplanadas voltaram a poder abrir à tarde, amigos reencontraram-se após meses de distância. E na Rua Cor-de-Rosa voltou a ver-se gente.

Lia faz uma pausa para se lembrar desde quando não via Rui e Rafael, os amigos com quem partilha o final de tarde de sábado, numa esplanada na Ribeira das Naus, em Lisboa. “Dezembro? Janeiro? Acho que a última vez foi em dezembro”, conclui. Quando os três ouviram António Costa anunciar a reabertura das esplanadas e dos restaurantes após as 13h00 aos sábados, pensaram fazer o que há muito evitavam: sair de casa, ir a uma esplanada, a um restaurante. “O primeiro-ministro liberou então a gente vai. Com segurança, claro“, brinca Lia, brasileira há seis anos em Portugal.

É que a vida nas últimas semanas tem sido “só casa-trabalho-trabalho-casa”, sobretudo para o casal Rui e Rafael, que pouco tem visto a amiga. “Não temos recebido ninguém em casa, nem família, amigos, nada. Na passagem de ano, a minha irmã, que mora no mesmo concelho, ainda veio ter connosco, mas além disso, nada”, diz Rui, que também é natural do Brasil e está em Portugal há quatro anos. Neste sábado de alguma maior liberdade, e para contrabalançar os dias “que às vezes parecem todos iguais”, decidiram “fazer tudo”.

Rui, Rafael e Lia não se via desde dezembro

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“Como tínhamos folga no mesmo dia, disse: Vamos passear por Lisboa. Almoçámos em Santa Apolónia, num restaurante ótimo brasileiro, com aquela comida bem caseira, mesmo feijoada, em que come bem e paga muito pouco. Depois estivemos na cervejaria Musa [junto ao elevador da Bica]. Aí falei: ‘Vamos andar. Está um dia lindo’”. Até ao Cais do Sodré, passaram por “muita gente”, aponta Rui, surpreendido. “Parecia o verão.”

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Rui e Rafael têm sido particularmente cautelosos com a pandemia. Impedidos de teletrabalhar, reforçam os cuidados sempre que podem. Mesmo aos fins de semana pouco saem de casa — “A Neflix tem feito muito sucesso!” —, exceto para passeios higiénicos ou idas ao ginásio. Ali, na Ribeira das Naus, com a esplanada cheia, mas distanciamento a ser cumprido, sentem-se confortáveis com as medidas de segurança que encontraram. Mal seria se assim não fosse. “Nós até brincamos: se eu chego a apanhar Covid agora [na esplanada] é uma pena porque eu atendo entre 500 a 600 clientes por dia [num supermercado] e ainda não apanhei. Se for para ter agora é chato”, diz, entre risos.

Na Ribeira das Naus, o desconfinamento não é uma novidade. O passeio junto ao rio tem sido aproveitado por muitos para passeios higiénicos ou exercício físico. Só que é preciso recuar três meses e meio para encontrar uma esplanada aberta a um sábado à tarde. Com as mesas cheias, muitos acabaram a conviver em pé, junto ao rio. Outros já vieram preparados, com garrafas de álcool e colunas de som para passar o tempo.

Mas há outro sinal do desconfinamento: são os adormecidos tuk tuk que começam, timidamente, a reaparecer na Lisboa que antes nunca os perdia de vista.

[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador na primeira noite sem estado de emergência]

“Descobrir uma Lisboa diferente”. O filme da primeira noite sem emergência e desconfinados

Quatro clientes numa semana. “Não há turistas para todos”

Adalberto, 48 anos, salta à vista do Observador por conduzir um dos poucos tuk tuk que passam pelo Cais do Sodré. “Nas últimas duas semanas, houve cinco tuk tuk na rua, numa cidade que já teve mais de mil”, diz, pouco antes de dar o dia por terminado.

O negócio tem estado praticamente parado. Adalberto, que conduz tuk tuk há três anos, ficou sem trabalho nem direito a subsídio de desemprego (não tinha contrato). Por isso, teve de encontrar outros empregos, como de estafeta, para conseguir sobreviver. Voltou ao transporte dos turistas que resistem há uma semana. Nesse período, fez quatro viagens, com portugueses, espanhóis e ingleses, quando, antes da pandemia, chegava a ter perto desse número por dia. Se antes conseguia, nas melhores alturas, tirar para si 250 euros por semana, agora nem chegou aos 75 euros. Este sábado também não teve sorte, ao contrário de alguns colegas que conseguiram ter clientes, impulsionados pelo desconfinamento.

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Antes da pandemia, Adalberto, com licenciatura e mestrado em História — agora está a ler “Uma História Concisa de Portugal” —, chegou a arrendar um apartamento que lhe ficava por 500 euros. Mas agora depende da ajuda da Santa Casa para ter um quarto onde dormir, numa casa com outras duas pessoas e uma família de cinco. “O apoio é só durante um mês. Vou amanhã ver se renovam ou não. Espero que sim.”

Os últimos meses têm sido de “altos e baixos”, mas “se se tem vontade de trabalhar, não se pode deixar ir abaixo. Se fosse para ir abaixo já teria ido. Está tudo muito instável. A cabeça da gente fica muito… não sei o que fazer. Está muito complicado”. Perto das 21h00 ainda pisca o olho a potenciais clientes. “Hello!”, acena a um casal com ar de turista. Mas sem sucesso. O seu receio, além da falta de clientes, é que a “malta que esteve parada regresse” com o desconfinamento. “Só que não há turistas para todos”.

O movimento regressou à Rua Cor-de-Rosa

Quando, há cerca de dois meses, o Observador visitou a Rua Cor-de-Rosa, ali perto do Cais, para repescar as memórias dos bares e discotecas “a que fomos em liberdade há um ano”, o cenário era de uma cidade quase fantasma. “Na Rua cor-de-rosa, só as luzes dos ATMs estão acesas, todas as portas estão fechadas”, escrevíamos, no início de março. Mas o cenário agora é bem diferente: a famosa Rua voltou a ter pessoas.

A última noite: memórias dos bares e discotecas a que fomos em liberdade há um ano, antes do confinamento

No interior ou na esplanada, em restaurantes ou em bares convertidos em restaurantes para poderem funcionar,  a rua Cor-de-Rosa não chegou a estar cheia — pelo menos não como antes, quando quase não se podia por ali passar sem dar um ou outro encontrão. Mas o cenário deste sábado já parece dar outro fôlego à cidade.

É lá que um grupo de nove jovens, todos estrangeiros (um brasileiro e os restantes italianos) se reúnem para jantar. Não que o não tenham feito nos últimos meses — faziam-no em casa ou em restaurantes, em grupos mais pequenos. Mas desta vez não tiveram de dar asas à imaginação. Nas esplanadas, o limite máximo é agora de dez pessoas, e o amigo Lorenzo chegaria dali a pouco para completar a dezena — e a tempo da fotografia. “Lorenzo! Foto! São jornalistas, estiveram a entrevistar-nos”, explica-lhe um amigo, em italiano, enquanto o recém-chegado se aproxima do grupo.

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Aquele encontro estava marcado só para segunda-feira, dia 3 de maio (o calendário inicial anunciado por António Costa apenas apontava para essa data esta fase de desconfinamento). Mas o estado de emergência terminou na sexta-feira, e o de calamidade trouxe novas regras no sábado. Os estudantes de línguas, economia, engenharia e gestão conheceram-se em Lisboa e têm mantido o contacto como podem. A estadia não tem sido como tinham idealizado: alguns deles aterraram na capital a 15 de janeiro, o dia em que o país voltou a fechar — e, com ele, as aulas presenciais. Por isso, aproveitam-se agora os momentos que ainda restam, antes de cada um regressar ao país, no final de junho.

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Mais acima, no Bairro Alto, outro grupo de amigos, entre os 26 e os 30 anos, também aproveitou a mudança nas regras para se encontrar, finalmente, pela primeira vez. Neste caso, desde o verão. São oito, seis vivem em Lisboa, dois estão no Porto. De visita à capital, juntou-se o útil ao agradável do anúncio de Costa. “Tínhamos pensado em fazer almoço, mas depois quando soubemos que já dava para jantar hoje combinámos“, explicam. Ainda que este encontro já seja um consolo, há saudades que, sabem, ainda vão demorar a passar: a de uma ida a um bar (“mais do que a uma discoteca”), para “estar na conversa a beber um fino” (não fossem eles do Porto).

“Agora os planos são um dia de cada vez. Esta semana pode estar assim, mas a próxima já pode estar ao contrário”, diz um dos rapazes do grupo, que elogia a presença da polícia no local. “Têm estado a apelar às pessoas que não estão a comer para meterem a máscara”. O que os espantou foi, porém, a postura de alguns bares que estão a tentar “atrair as pessoas para o interior. “Não via isso há muito tempo. Convidaram-nos, o que não é muito normal. Temos de ir todos com muito calma. Os casos podem voltar a subir a qualquer momento.”

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“As pessoas estão com ânsia de beber, de dançar”

Essa calma não é o que se encontra noutras ruas do Bairro Alto. Depois de meses fechados em casa, muitos não perdem a oportunidade de se encontrarem nas esplanadas. Ou, quando não as há, em pé em pequenos grupos. Henrique Pereira, proprietário de um conhecido bar da zona, o Friends, reconhece que, ao contrário de muitos outros colegas, não se pode queixar. O bar está cheio — cumprindo as regras, garante — e a esplanada também. E tem sido assim nas últimas semanas, desde a reabertura. “Tenho tido a esplanada sempre cheia das 17h00 às 22h30 durante a semana”, refere.

O negócio foi adaptado logo no início da pandemia para que pudesse passar a servir comida e, assim, manter-se aberto quando os restaurantes podem funcionar. É que, segundo as regras, continua a não ser permitido beber na rua, nem em restaurantes se não houver comida a acompanhar, como frisou António Costa, no último briefing de Conselho de Ministros. A ideia era que estes locais não se transformassem em bares, que continuam fechados.

“Tive a sorte de poder ter aqui uma cozinha, mas conheço pessoas que não têm e não conseguem abrir por causa disso”. Henrique conta, porém, que muitas das pessoas que ali vão só querem beber. Assumidamente, diz que inclui sempre aperitivos e petiscos em todas as mesas para que não seja multado, mas reconhece que muitas vezes nem são consumidos. “Se eu coloco lá e as pessoas não querem consumir ou até consomem mas não querem pagar porque não pediram, então, claro, não têm de pagar. Mas tenho de fazer assim.” E é assim que o bar convertido em restaurante continua, ainda que o álcool seja mais comum nas mesas do que os petiscos.

Minutos depois desta conversa, era Henrique quem avisava o Observador: quando as portas ali e noutros restaurantes fechassem, o fluxo iria todo para os miradouros. “As pessoas estão com ânsia de beber, de dançar. Ali parece que não há Covid”.

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