Meio mundo — literalmente meio mundo — prepara-se para assistir ao eclipse total lunar mais longo do século XXI. Como a Terra vai passar mesmo a meio do caminho entre o Sol e a Lua, a sombra do nosso planeta vai ocultar o satélite natural e brindar a noite de sexta-feira para sábado com um fenómeno que não se vai repetir até pelo menos 2100. O eclipse lunar vai durar umas impressionantes três horas e 55 minutos desde o início até ao fim. E durante boa parte desse tempo — mais precisamente durante uma hora, 42 minutos e 57 segundos — a Lua vai estar completamente tapada.
Mas há outro fenómeno que se vai juntar a este e tornar tudo ainda mais especial: é que nesse período em que a Lua vai estar na região mais escura da sombra da Terra, ela não vai desaparecer. Vai tornar-se vermelha. A visão tão especial é explicada por dois efeitos visuais que conhecemos bem: um deles explica porque é que o céu é azul e o outro porque é que os objetos dentro de água parecem deformados aos nossos olhos (mas já lá vamos).
O resultado tão especial da noite de sexta será visível a cem por cento na zona do Índico, mas pode ser visto tanto em Portugal Continental como nas ilhas, embora as condições do tempo previstas pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera possam dificultar a tarefa em alguns distritos. O melhor é utilizar o nosso mapa para saber os melhores locais para a noite de observação celeste: temos uma sugestão por cada distrito e arquipélago.
Enquanto estiver a olhar para a Lua — mas tenha cuidado, porque a luz que vem de lá também pode magoar os olhos — olhe um pouco mais para o lado e encontre outro fenómeno importante que acontece nessa mesma noite: Marte vai estar especialmente mais brilhante e nítido no céu noturno e não voltará ser visto assim pelo menos até 2035. Como a noite promete ser longa com tantos acontecimentos, o melhor é ter um farnel e uns agasalhos a jeito, que não se espera uma madrugada de Verão. Para o resto, é ler este guia com atenção.
O que vai acontecer?
Vai haver um eclipse total da Lua na noite de sexta-feira para sábado. Os eclipses totais lunares acontecem quando a Terra fica alinhada entre o Sol e a Lua na fase de Lua cheia, fazendo com que o nosso satélite natural fique completamente tapado pela sombra emitida pelo nosso planeta. À medida que a Lua vai alinhando com o Sol e a Terra e entrando na sombra do planeta, ela vai ficando parcialmente escondida até deixar de ser visível.
Os eclipses totais da Lua não são fenómenos astronómicos raros, mas este tem algumas particularidades que o tornam mais especial do que é costume. Em primeiro lugar porque a Lua não vai desaparecer, como é típico de um eclipse, mas antes tornar-se vermelha. E isso vai acontecer por causa da refração de dois fenómenos: um é a “refração da luz pela atmosfera”, explica ao Observador a astrónoma Suzana Ferreira do Observatório Astronómico de Lisboa: “Quando estamos perante o pôr do sol, é normal que se veja no céu muitas cores próximas do vermelho. Esse é um efeito que vem da refração da luz pelas camadas que compõem a atmosfera, que depois se prolonga pelo espaço. Se a Lua estiver na direção da luz projetada, ela também fica vermelha”.
O outro é a chamada Dispersão de Rayleigh, isto é, a dispersão de qualquer radiação eletromagnética (como a luz) por partículas muito mais pequenas que o comprimento de onda dessa radiação. Embora nos pareça branca, a luz solar é na verdade composta por várias cores que correspondem a radiações com diferentes comprimentos de onda, frequências e níveis de energia. À medida que a luz do Sol chega à atmosfera, ela interage com o azoto e o oxigénio que a compõe: a radiação com maior comprimento de onda, que corresponde aos vermelhos, consegue atravessar essas partículas enquanto que a radiação com comprimento de onda mais curto, os azuis, são reemitidos em todas as direções.
É por causa disso que o céu é azul, mas a coisa muda de figura quando nos aproximamos do pôr do sol: à medida que o Sol fica cada vez mais baixo no horizonte, a luz solar fica obrigada a atravessar distâncias maiores pela atmosfera dentro. À conta disso, uma grande quantidade de luz azul e verde é espalhada pela atmosfera enquanto a luz vermelha a atravessa em linha reta e chega à superfície lunar. Isso acontece porque a atmosfera da Terra desvia certos comprimentos de onda, neste caso os mais longos, para dentro da região da umbra.
[Veja no vídeo como a Lua vai atravessar a mais profunda sombra da Terra]
Isso é o que explica Richard Keen, cientista atmosférico da Universidade de Colorado a serviço da NASA: “Durante um eclipse lunar, a maior parte da luz que ilumina a Lua passa pela estratosfera, onde é avermelhada pela dispersão. No entanto, a passagem da luz pela estratosfera superior penetra na camada de ozono, que absorve a luz vermelha”. Daí termos uma Lua Vermelha.
Em segundo lugar, este eclipse total da Lua é especial porque vai ser o mais longo do século XXI: a fase total do eclipse — aquela em que a Lua fica completamente oculta pela sombra da Terra – vai durar uma hora, 42 minutos e 57 segundos precisamente. Antes e depois disso, a Lua vai estar apenas parcialmente tapada durante uma hora e seis minutos em cada uma das partes. Contas feitas, este eclipse vai ter três horas e 55 minutos desde o início até ao fim.
O maior eclipse lunar do século XXI traz outro fenómeno que não se via há 15 anos
Como vai acontecer?
De acordo com as explicações de Suzana Ferreira, o espetáculo em Portugal Continental começa às 20h47 porque é a essa hora que a Lua nasce. Aliás, o Observatório Astronómico de Lisboa confirma que “a Lua nasce numa altura em que está já a decorrer a totalidade do eclipse”. Depois prolonga-se até às 00h30 de Portugal Continental, menos uma hora nos Açores. Pelo meio, o eclipse vai passando por sete fases diferentes embora as três primeiras não sejam visíveis no país.
Quando forem 18 horas, 14 minutos e 47 segundos em Lisboa começa o eclipse penumbral, em que a Lua ainda é visível e perde tão pouca luminosidade que poucos darão por isso. É um fenómeno muito discreto porque a Lua fica tapada apenas por uma região muito difusa da sombra terrestre, a penumbra. Cerca de uma hora depois, a Lua entra numa nova fase: o eclipse parcial começa às 19 horas, 24 minutos e 27 segundos, que é quando a Lua atravessa a linha entre a penumbra e a umbra da sombra da Terra à medida que se vai alinhando com o nosso planeta e o Sol e começa a ficar escondida por essa sombra.
Cerca de meia hora depois, o espetáculo muda de figura: às 20 horas, 30 minutos e 15 segundos quando começa o eclipse total e a Lua fica completamente tapada pela zona mais escura da sombra da Terra. A Lua nasce pouco depois em Portugal: o satélite surge no céu às 20h38 em Faro, às 20h47 em Lisboa, às 20h51 no Porto, às 20h52 em Ponta Delgada e às 21h05 no Funchal. É por isso que nenhum dos eventos que acontecerem com a Lua antes dessa hora não podem ser vistos em Portugal: o nosso satélite ainda estará abaixo do horizonte.
O ponto máximo do eclipse acontece às 21 horas, 24 minutos e 44 segundos de Lisboa e a fase total, em que a Lua está completamente no interior da umbra da sombra terrestre, termina cerca de uma hora depois, quando forem 22 horas, 13 minutos e 11 segundos. A partir daí a Lua passa a estar apenas em eclipse parcial e começa a fazer o percurso inverso para fora da sombra da Terra. Às 23 horas e 19 minutos sai da umbra e entra na penumbra, que é a zona da sombra da Terra menos escura. E tudo acaba quando for meia-noite, 28 minutos e 38 segundos deo sábado.
Onde ver?
Este eclipse lunar total vai ser visível na sua totalidade na África Oriental e na Ásia Central, América do Sul, África Ocidental e Europa, Ásia Oriental e Austrália. Mas sempre em fases diferentes: a África Oriental e na Ásia Central vão poder ver o fenómeno na totalidade; a América do Sul, a África Ocidental e a Europa durante o nascer da Lua; e a Ásia Oriental e a Austrália durante o pôr da Lua. No caso particular de Portugal, o eclipse lunar total vai ser visto entre as 20h47 (hora em que a Lua nasce) e as 00h30. As únicas regiões do mundo onde o eclipse não será visível de todo é na América do Norte e América Central.
Segundo o astrónomo Rui Agostinho, do Observatório Astronómico de Lisboa, quem quiser observar o eclipse total da Lua deve direcionar o olhar para leste mas um pouco virado a sul, que é onde nasce a Lua. Ao longo da sua caminhada em ascensão pelo céu, que vai durar 50 minutos, o nosso satélite natural vai estar bastante próximo a Marte e também ficará mais perto de Vénus, Júpiter e Saturno, como pode ver no mapa aqui em baixo. O importante mesmo é encontrar um local com o horizonte desimpedido, sem árvores ou edifícios que possam poluir a vista para a Lua. E, de preferência, bastante escuros, ou seja, longe de cidades que emitam luzes.
O maior problema pode ser a meteorologia, mas apesar de o verão tardar a chegar em pleno os astros parecem estar alinhados para permitirem uma boa noite de observação do céu em grande parte do país. O céu noturno promete estar limpo durante todo o período do eclipse total da Lua, apenas com algumas exceções, diz o Instituto Português do Mar e da Atmosfera: em Castelo Branco, Leiria e Funchal pode permanecer nublado até às 22h; em São Jorge vai ficar encoberto até às 23h; e no Pico até à meia-noite. Há quatro capitais de distrito, neste caso nas ilhas, que provavelmente não podem ver o eclipse por causa das condições meteorológicas: nas Flores, Corvo, Porto Santo e Santa Maria prevê-se céu nublado durante toda a noite.
Aqui em baixo pode encontrar alguns conselhos de locais onde pode ver o eclipse total da Lua com vista para leste e praticamente desimpedidos e livres de árvores ou edifícios. O ideal é sempre procurar lugares altos e afastados das cidades, para que a observação do céu noturno não seja poluída pelas luzes artificiais das casas e dos candeeiros. Há um local que merece especial atenção: o Planetário do Porto e o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço organizaram uma sessão de observação com telescópios especiais para ver o eclipse e o planeta Marte no Centro de Educação Ambiental da Quinta do Covelo, no Porto. As observações, inseridas no programa Ciência Viva no Verão em Rede, serão acompanhadas por especialistas do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço. A atividade é gratuita e começa às 22h.
Como ver?
O eclipse total da Lua vai ser bem visível sem recurso a binóculos ou telescópios, mas a astrónoma Suzana Ferreira aconselha a utilização dos dois para quem pretende tirar boas fotografias do fenómeno. O primeiro passo para tirar uma boa fotografia é não depositar demasiadas esperanças no telemóvel de última geração que tem na mão: os smartphones têm uma lente grande, mas um sensor pequeno. O melhor é integrar outros elementos na fotografia, como árvores ou edifícios, para dar mais ênfase ao brilho da Lua. Além disso, não utilize o flash porque vai arruinar a luz natural.
Se pretende chegar ao final da noite com um bom álbum de fotografias deste momento mais vale utilizar uma câmara digital DSLR, que usa um sistema de espelhos e prismas para conduzir a luz da lente para um visor ótico na parte de trás do aparelho. O site Time and Date tem alguns conselhos muito úteis para os amantes da fotografia: use uma distância focal equivalente a pelo menos 300 mm; coloque a câmara num tripé ou noutra superfície estável e depois utilize o temporizador ou o obturador com um cabo ou um comando para minimizar o movimento do aparelho; como a luz refletida pela Lua vai estar mais fraca use uma configuração ISO alta para a capturar. E claro, tenha perícia na hora de editar as imagens.
Se tiver fotografias do eclipse lunar total da noite de 27 de julho para 28, envie-nos as imagens para o e-mail: leitor@observador.pt.
Fotografias à parte, há outro cuidado a ter em conta: a roupa que vai utilizar. A astrónoma do Observatório de Lisboa alerta que quem se aventurar pela rua para ver o eclipse total da Lua deve levar “agasalhos e um bom calçado porque a observação será longa. A duração da totalidade é de 1h27 minutos, a duração da sombra é de 2h32 minutos e a duração da penumbra é 3h43 minutos”, alerta.
É muito tempo, por isso talvez deva levar também uns petiscos: prefira as bebidas quentes e as comidas energéticas para o manter acordado. Além disso, se vai levar telescópio tenha cuidado com os olhos: “Para quem utilizar os telescópios é sempre bom usar filtros. O brilho da Lua não cega mas magoa a vista“, recorda a astrónoma portuguesa.
O que mais vai acontecer?
Há mais por detrás deste eclipse, que só por ele é especial: há sempre um eclipse solar cerca de duas semanas antes do depois de um eclipse lunar. O calendário fala por si: a 13 de julho de 2018 houve um eclipse parcial do Sol que só foi visto em pleno na região do Oceano Índico que fica entre a Austrália e a Antártida. As pessoas que vivem em Melbourne e Adelaide viram o Sol a ser parcialmente oculto pela sombra, mas o eclipse foi tão discreto que quase ninguém deu por isso. Agora, a 11 de agosto chega o próximo eclipse parcial do Sol, que desta vez vai pode ser visto no este e no norte da Europa, nas regiões mais a norte da América do Norte e no norte e ocidente da Ásia.
Mas nesta noite de sexta-feira, de 27 para 28 de julho, acontece mais um fenómeno astronómico especial: Marte, que está excecionalmente brilhante e vermelho ao longo de julho e agosto deste ano, vai aparecer mais brilhante do que alguma vez esteve nos últimos 15 anos. Tudo porque nessa noite o Sol e a Terra também vão estar alinhados com o planeta vermelho (de que hoje se soube mais uma grande descoberta). Desde 2003 que não vemos Marte de forma tão nítida e brilhante e outra visão como essa só será possível em 2035. Melhor ainda: à conta desse alinhamento, a Lua e Marte vão parecer muito próximos entre si no céu, por isso terá sempre um bónus extra.