O projeto que irá a dar origem ao maior parque fotovoltaico da Europa começa com um nome, ou melhor, uma frase: The Happy Sun is Shining. Foi com a primeira letra das palavras desta frase que surgiu a sigla THSiS com a qual uma empresa de promotores entregou na Agência Portuguesa do Ambiente o projeto para instalar em Portugal o maior parque fotovoltaico da Europa.
A inspiração para o nome veio daquele que terá sido o último poema de Fernando Pessoa, escrito em inglês e com tradução portuguesa de “O Sol Feliz Brilha”, tal como Observador contou há cinco anos, revela fonte oficial da Prosolia Energy, a empresa de capitais luso-espanhóis que lançou este projeto. E que, mais tarde, se associou à Iberdrola como parceiro financeiro para um investimento da ordem dos mil milhões de euros. Foi a elétrica espanhola que anunciou esta terça-feira que a central Fernando Pessoa tinha obtido a autorização ambiental para avançar para a fase da execução.
A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira
Com 1.143 megawatts de potência instalada — um número que coincide com a data da independência de Portugal (1143 é o ano do Tratado de Zamora) e que não foi escolhido ao acaso — a nova central será composta por cerca de dois milhões de módulos fotovoltaicos, 244 postos de transformação, quatro subestações ligadas a uma subestação principal (da qual partirá a ligação por linha subterrânea à rede elétrica nacional) e um parque de baterias de 30 MW. A produção de energia anual pode chegar aos 1761 GW, o suficiente para abastecer o consumo de 400 mil residências.
O parque vai ocupar uma área de 1.260 hectares no concelho de Santiago do Cacém que hoje são quase todos preenchidos com uma plantação intensiva de eucalipto.
O abate estimado de 1,5 milhões de eucaliptos é um dos principais efeitos ambientais negativos apontados na Declaração de Impacte Ambiental (DIA) na qual a APA identifica várias condicionantes e aplica um vasto conjunto de medidas de mitigação — mais de 100. E foi quase motivo de chumbo para o mega-projeto que representa um investimento de cerca de mil milhões de euros. As condicionantes e cerca de 100 medidas de minimização marcam um processo de avaliação ambiental que demorou quase três anos até à autorização emitida esta semana.
A nota da Iberdrola que anunciou a autorização cita o seu presidente executivo com Ignacio Galán a destacar que a “colaboração das autoridades portuguesas também foi fundamental para que este projeto chegue a esta fase em tempo recorde”. Mas na verdade não existe um termo de comparação para validar o prazo que demorou a obter o licenciamento ambiental para um projeto desta dimensão.
De acordo com Prosolia, o território escolhido resultou de uma pesquisa feita em toda a Península Ibérica pelo melhor local para a instalação de um parque solar de grande dimensão. E, entre os três identificados, escolheram uma vasta área do concelho de Santiago de Cacém, perto de Sines — onde ficava a central de carvão da EDP com a mesma potência e que foi desativada mais cedo do que os promotores esperavam — e da rede de transporte.
Sem problemas ambientais mais evidentes, porque maioritariamente ocupada por uma cultura intensiva de eucaliptos explorados para a indústria de celulose, eram territórios privados com poucos proprietários. A distância das populações e a natureza arenosa do solo, que o torna pouco atrativo para exploração agrícola — não obstante conter áreas de reserva agrícola nacional —, fazem parte do leque de motivos que conduziu a esta escolha, segundo indicou fonte da empresa ao Observador.
Parceria com a Iberdrola deu músculo financeiro
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A Prosolia já explora desde 2018 uma central fotovoltaica de 100 MW em Ourique, uma das primeiras a surgir em Portugal em regime de mercado (sem preços garantidos), indica fonte da empresa. A oportunidade de avançar com um parque de grande dimensão e com preços do mercado resultou do diploma aprovado em 2019 ao abrigo do qual foi lançado o primeiro leilão de potência solar, o qual permitia também aos promotores propor acordos com o operador de rede, a REN, para conseguir pontos de ligação. Em 2020, e devido à necessidade de pagar uma caução de 130 milhões de euros à gestora da rede, a Prosolia fez uma parceria financeira com a Iberdrola para o desenvolvimento do projeto, o que resultou numa parceria com a elétrica espanhola.
Apesar disso, o projeto enfrentou dificuldades em obter a autorização ambiental, sobretudo por causa da sua dimensão que acabou por ser parcialmente reduzida para garantir a luz verde final.
Os promotores contrapõem que a escala também é uma vantagem ambiental. Argumentam que dispersar esta capacidade por vários parques iria gerar um impacto mais negativo com a multiplicação das linhas elétricas e outros equipamentos que seria mais difícil de mitigar. Apontam ainda que foi a dimensão a permitir dar resposta às exigências feitas durante o processo de avaliação ambiental, que fonte da empresa descreve como tendo sido um processo interativo.
Os impactos negativos apontados à versão inicial
De acordo com a DIA, a comissão de avaliação identificou na versão inicial do projeto impactos negativos significativos e muitos significativos que resultam, precisamente, da dimensão, com mais de 1.200 hectares de área vedada, conjugada com a proximidade a uma povoação, e sobretudo por implicar a destruição de uma área florestal composta essencialmente por eucaliptos de cultura intensiva (para abastecimento da indústria de celulose).
Não obstante, a má reputação ambiental desta espécie florestal em Portugal e de reconhecer que está associada a uma biodiversidade mais baixa do que as espécies autóctones, a comissão de avaliação considerou estarem em causa espaços que comportam várias espécies de flora e fauna. Foram destacados efeitos nos animais mais pequenos e lentos ampliados por estar em causa uma grande mancha de árvores que serve de refúgio e área de reprodução de várias espécies que tem mais relevância dada a existência de várias zonas de caça à volta.
O impacto na paisagem com a artificialização desta vasta área, incluindo a abertura de valas para cabos elétricos, a desmatação e decapação (limpeza), cuja ocupação vai durar 30 anos (período de vida da central), os efeitos negativos no turismo (dada a proximidade a alojamentos locais e da barragem de Fonte Serne), os impactos cumulativos com outras centrais previstas para a mesma área (só este projeto preenche 1,2% da área do concelho de Santiago do Cacém) foram outros fatores considerados na avaliação ambiental.
A comissão de avaliação também apontou aspetos positivos no projeto de energia renovável, valorizando o contributo em 3% para o cumprimento por Portugal das metas de energia renovável para 2030, mas ponderou igualmente a “forte contestação expressa na consulta pública” e o parecer da autarquia para exigir uma redução da sua dimensão.
Ao promotor foi solicitado que alterasse o projeto e a diminuir a área abrangida, mas a versão revista não convenceu a comissão de avaliação. Apesar de cortar o número efetivo de painéis de 2,3 milhões para 1,9 milhões “a superfície fotovoltaica aumentou, apresentando painéis de maior dimensão”, lê-se na declaração ambiental. “Assim, a superfície fotovoltaica é agora de 555 hectares, ou seja, mais 73,8 hectares que no projeto anterior”. Os módulos são bifaciais e a dimensão em largura das mesas onde serão instalados aumentou, tal como a área a impermeabilizar. A comissão de avaliação notou também “aumentos muito significativos no movimento de terras” e a ocupação por painéis solares de aceiros (caminhos florestais).
As alterações e mais de 100 medidas que acabaram por conseguir a luz verde
Na consulta pública a esta versão manteve-se “uma forte contestação à implantação do projeto. Da análise das exposições recebidas, “inferia-se que o projeto modificado não veio colmatar os impactes negativos significativos e não minimizáveis decorrentes da implantação do projeto”. Tendo concluído que o projeto reformulado “não minimizou os impactos negativos significativos e os muito significativos identificados em sede de avaliação do projeto e EIA (outubro de 2020)”, a comissão de avaliação chegou a preparar uma proposta de declaração de impacte ambiental desfavorável, o que corresponderia a um chumbo do projeto.
Mas após a audiência do promotor elaborou nova proposta de decisão, de sentido favorável condicionado. Na origem desta mudança estiveram as propostas de:
- Redução da área fotovoltaica com área vedada até limite máximo de 1.000 hectares — uma redução em 20% da área vedada prevista (cerca de 30 km) e uma diminuição da área fotovoltaica da ordem dos 17%. Redução do parque de baterias 257,5 MW para 30 MW;
- Diminuição das áreas de eucalipto a abater (menos 120 hectares), desocupando espaço onde estariam elementos do projeto;
- Substituição de eucaliptal por espécies autóctones;
- Afastamento da central da povoação de Vale de Água e das residências;
- Preservação de corredores ribeirinhos e da rede viária e aceiros;
- Afastamento da zona de dormitório do pombo torcaz com uma proteção de 500 metros.
Para além de uma bateria de 100 medidas de minimização de impactos, das quais mais metade durante a fase de construção (quando são feitas as intervenções são mais agressivas), foram igualmente definidas 15 condicionantes ao desenvolvimento, das quais a maioria tem a ver com layout do projeto e a sua distribuição pela área abrangida. E é deste conjunto que resulta a emissão de DIA favorável condicionada.
Nas explicações dadas ao Observador, fonte oficial da empresa assegura que o projeto final salvaguarda as zonas de reserva agrícolas que serão requalificadas através da conversão do eucaliptal existente por áreas de uso agrícola e pela requalificação de vegetação ribeirinha. Está igualmente prevista a plantação de espécies autóctones e o desenvolvimento de áreas de montado. À semelhança, aliás, do que já foi feito no parque solar de Ourique.
O uso dos terrenos livres para a pastagens de gado ovino e a instalação de colmeias são outras medidas previstas. Os promotores garantem ainda que não será abatida qualquer árvore de espécie protegida.
Para além de considerado como tendo mais valias para o sistema elétrico, o projeto prevê a criação de 2.500 postos de trabalho durante a construção, que estará terminada até 2025, e até 50 empregos durante a fase de exploração, com o compromisso de dar prioridade a mão de obra local.