Para falar de Paul Manafort, é sempre preciso falar de Donald Trump. O nome deste consultor político continuaria muito provavelmente afastado das manchetes dos jornais caso não tivesse começado a trabalhar para o candidato que se tornou Presidente dos Estados Unidos. O cargo de diretor de campanha do milionário colocou-o rapidamente debaixo de olho das investigações jornalísticas. As notícias que vieram a público sobre o seu passado levaram a que acabasse por se demitir da campanha de Trump, a 19 de agosto de 2016, após se tornarem conhecidas as suas ligações ao antigo Presidente ucraniano Viktor Yanukovich e a alguns oligarcas do leste europeu.
Foi assim que a maior parte do mundo ficou a conhecer o nome Paul Manafort — mas o consultor político está longe de ser um novato em Washington. Homem forte na primeira campanha de Ronald Reagan, Manafort é há muito reconhecido como um operativo de relações públicas e lobbying altamente eficaz. Só que, até agora, agia a meia-luz, protegido pelo anonimato garantido àqueles que não concorrem diretamente a cargos públicos. O polémico Trump veio mudar isso e Manafort está agora sob pressão, à medida que um comité do Senado investiga as ligações da campanha Trump ao Kremlin. Até agora, Manafort tem conseguido evitar um interrogatório público, em troca da sua colaboração com a investigação. Mas, à medida que a investigação avança, não é certo que esse recato dure para sempre.
Ainda esta segunda-feira, o New York Times e a CNN noticiavam que Paul Manafort tinha estado sob escuta antes e depois das eleições presidenciais (uma vigilância feita ao abrigo de uma autorização judicial secreta), e que, em julho, vários agentes federais entraram na sua casa, na Virginia, e levaram documentos, copiaram ficheiros do seu computador e até fotografaram os fatos que tinha pendurados no armário. Terão ainda deixado um aviso: ele iria ser indiciado no caso da alegada interferência russa na campanha presidencial norte-americana.
Nem a Casa Branca nem Paul Manafort comentaram estas últimas notícias. Mas com 68 anos de idade, a Manafort não falta jogo de cintura para lidar com mais este caso. São mais de 40 anos de carreira a trabalhar para candidatos políticos, empresas de várias áreas e até ditadores. O trabalho do norte-americano levou-o a colaborar com pessoas em todo o mundo — inclusivamente em Portugal. Contudo, como é habitual, conseguiu sempre passar despercebido.
Os homens de Reagan, “the best that money can buy”
Corria o ano de 1985 quando Paul Manafort pôs o pé pela primeira vez em Portugal. Na televisão passava a novela “A Sucessora” (ainda faltavam dois anos para “Roque Santeiro”) e nas rádios ouvia-se “Dunas”, dos GNR, enquanto o país recuperava de um resgate do FMI imposto por um governo de bloco central, liderado por Mário Soares. O primeiro-ministro finalizaria também nesse mesmo ano a adesão de Portugal à CEE — como os próprios GNR tinham pedido em tempos –, e colocava em marcha a preparação da sua candidatura às presidenciais do ano seguinte, naquela que viria provavelmente a ser a campanha mais apaixonada de que há memória no nosso país.
Mas antes disso, ainda na primavera de 1985, Manafort chegaria a Lisboa com o objetivo de prestar assistência a essa candidatura presidencial de Mário Soares, segundo o relato de Rui Mateus, fundador do PS caído em desgraça. O próprio Soares confirmaria mais tarde que Manafort, acompanhado do seu sócio Lee Atwater, esteve em São Bento e na sua casa de Nafarros. Mas os relatos dos dois homens diferem quanto ao grau de envolvimento dos “consultores norte-americanos”, como ambos se lhes referem.
Contactado pelo Observador, o próprio Paul Manafort declinou comentar o tema, através do seu assistente. No entanto, o seu antigo sócio Charles Black não teve problemas em confirmar que Manafort teve de facto uma ligação a Portugal: “Fizemos trabalho de consultoria política para o partido do senhor Soares numa das vossas eleições, no passado”, confirmou por email o consultor que auxiliou as campanhas dos presidentes Ford, Reagan, Bush pai e Bush filho e que mais recentemente colaborou com John McCain na sua tentativa presidencial. “O Paul é que tratou de todo o trabalho, eu não estive envolvido. Por isso, não sei pormenores”.
Mas vamos por partes. O que dizem os relatos de Rui Mateus e de Mário Soares? Mateus, fundador do PS e antigo colaborador de Soares, mais conhecido pelo seu envolvimento no caso do “Fax de Macau”, publicou em 1996 o polémico livro “Contos Proibidos”, onde colocava Soares em causa em vários episódios. Nele, Mateus — cujo paradeiro atual é desconhecido –, refere várias vezes o nome de Manafort, frequentemente apelidado de “homem do Reagan”. O primeiro episódio que escreve refere-se à chegada de Manafort na tal primavera de 1985, a propósito das eleições presidenciais:
“[Soares] Dir-me-ia para falar com o Carlucci sobre a questão falada no Hotel Madison durante a visita oficial aos EUA, quando este lhe sugerira o recurso a apoio técnico de uma empresa especializada em eleições. Carlucci, com quem aliás mantinha contactos regulares, dir-me-ia que sim, que se lembrava e que me iria pôr em contacto com uns homens do Reagan que eram “the best that money can buy”. Lee Atwater telefonar-me-ia poucos dias depois e combinou-se organizar uma visita a Portugal para, em contacto com Soares, discutirem o assunto. Lee Atwater e Paul Manafort, dois dos proprietários da empresa de Relações Públicas Black, Manafort, Stone & Kelly chegariam a Lisboa num voo da TWA às 7h30 de domingo, dia 3 de Março. Na parte da tarde eu próprio os iria buscar ao hotel Meridien para depois os levar a uma longa conversa com Mário Soares, na sua casa de Nafarros.”
O próprio Mário Soares confirmaria esta parte da história à jornalista Maria João Avillez, dizendo que a indicação dos dois nomes partiu de facto do antigo embaixador norte-americano Frank Carlucci: “É exacto, isso sim, que Carlucci me indicou dois nomes de americanos, com larga experiência nessas matérias, e que ele dizia serem grandes especialistas em impor a ‘imagem’ dos candidatos…”, confirmou o antigo Presidente.
Até aqui, tudo certo. As divergências surgem depois: Mateus assegura, no seu livro, que Manafort e Atwater colaboraram estreitamente com a campanha de Soares daí para a frente; o próprio candidato nega. “Deram-me alguns conselhos e disseram-me o que, quanto a eles, deveria ser o estilo do candidato ideal. Felizmente, não segui os seus conselhos. Percebi muito rapidamente que estavam desfasados da nossa realidade”, disse Soares na mesma entrevista a Avillez, explicando que Manafort e Atwater defendiam estratégias como “o envio maciço de cartas à população” e “uma campanha audiovisual ultrasofisticada” com as quais o próprio Soares não estaria de acordo.
Alfredo Barroso e António Pedro Vasconcelos, que fizeram parte da campanha de Soares nas presidenciais de 1986, corroboram o relato do antigo Presidente. “Era para fazer uma campanha à americana, não se coadunava com o espírito de cá. Era decalcada da campanha do Reagan”, conta Alfredo Barroso ao Observador, garantindo que, se tivesse havido contactos futuros, ele próprio teria vindo a saber, devido à sua posição na estrutura da campanha. António Pedro Vasconcelos também confirma que os dois consultores estrangeiros vieram a Portugal, mas que não permaneceram muito tempo e recorda uma conversa que teve com o próprio Soares sobre esse assunto:
— “Acha que eles podem ser úteis, que podem dar-me conselhos?”, perguntou o candidato e à altura ainda primeiro-ministro.
— “Não vale a pena. O Reagan tinha uma vitória praticamente assegurada, o senhor parte com 6%… Temos de fazer isto com um espírito completamente diferente.”
António Pedro Vasconcelos assegura que foi mesmo assim: “O Rock da Liberdade de Rui Veloso, o slogan ‘Soares é fixe’, não veio nada de fora, nada, nada. Foi tudo nosso. Não houve nenhuma imposição de fora na campanha, veio tudo do nosso grupo”.
https://www.youtube.com/watch?v=cWlMWpUfB-E
Antes disso, já o próprio cineasta tinha falado com um dos dois consultores — mas hoje em dia, mais de 30 anos passados, não consegue recordar-se se terá falado com Atwater ou com o próprio Manafort. “Agradeço imenso, mas não vejo em que isto possa ser útil”, disse-lhe. “A não ser que me traga uma campanha tipo a que faria para o Nixon depois do Watergate…”, acrescentou em tom de piada.
Uma ideia para a campanha de Soares? Plantar um artigo que ligava Freitas ao KGB
Naquela primavera de 1985, quando Soares começava a preparar a sua campanha presidencial, o cargo de primeiro-ministro que ainda ocupava granjeava-lhe uma popularidade baixa. O que, de acordo com Vasconcelos, não impedia que se mantivesse confiante: “Na campanha, como sempre, o mais otimista era o Dr. Soares, que entrava perfumado e bem disposto, pronto para a luta”, recorda.
Não é possível saber ao certo qual terá sido a primeira avaliação dos consultores norte-americanos a uma candidatura presidencial de Soares no encontro que tiveram com o próprio candidato na sua casa de Nafarros. Manafort não comenta, Rui Mateus está incontactável e tanto Soares como Atwater já morreram.
No entanto, na biografia de Soares publicada pela jornalista Teresa de Sousa, pode ler-se a avaliação feita ao candidato por “técnicos americanos”, que terão dado um veredicto letal: “Era impossível eleger Mário Soares, porque nele se conjugavam um mínimo de popularidade e um máximo de notoriedade nacional”. Mateus, no livro “Contos Proibidos”, contesta essa versão, dizendo que ambos achavam possível a eleição “desde que tudo fosse feito para manter Maria de Lurdes Pintasilgo na corrida”.
José Serras Gago, responsável pelos estudos de opinião na campanha de Soares, também crê que os dois técnicos tinham confiança de que era possível eleger o socialista. Serras Gago recorda-se apenas de ter conhecido Lee Atwater, com quem se reuniu várias vezes. Confirma que o norte-americano trazia um colega consigo, mas não teve tanto contacto com ele. Ao que tudo indica, Manafort ficou mais na sombra.
“Trabalhei muito com o Lee Atwater. Tentaram assustá-lo com os 6% [de Soares nas sondagens], mas ele tinha pele dura, não se assustou com isso”, recorda ao Observador sobre o consultor que trabalhou com Reagan e que viria a ajudar a eleger Bush pai. “Atwater era absolutamente maquiavélico. Tinha uma competência que ia para lá das questões morais”, confessa Serras Gago.
Rui Mateus revela no seu livro uma das estratégias que Manafort e Atwater terão sugerido para a campanha de Soares: plantar um artigo no “New York Times” que se referiria a uma possível ligação entre Freitas do Amaral e o KGB, a fim de destruir a imagem do candidato da direita. Questionado pelo Observador sobre se lhe parece plausível que os dois consultores fizessem uma proposta deste tipo, Serras Gago não teve dúvidas: “É exatamente o tipo de questão que eles podiam fazer”. “Em Portugal somos muito tímidos quando comparados com as campanhas americanas…”
O livro “Contos Proibidos” fala ainda noutros episódios em que os caminhos de Manafort e Soares se terão cruzado. Um terá sido a influência de Manafort num discurso do Presidente Reagan em Portugal, para este evitar referir-se a Eanes — o que de facto Reagan não fez. Outro terá sido a influência junto da imprensa norte-americana aquando da visita de Soares aos EUA em 1987 — com Mateus a citar um artigo elogioso do “Washington Post” como plantado por Manafort. E, por fim, a presença do consultor numa reunião para preparar uma série de tertúlias lançadas com a chancela de Soares, na sequência das conferências do “Balanço do Século”. O Observador, contudo, não conseguiu confirmar nenhum destes episódios.
Há uma última divergência nos relatos de Mateus e Soares relativamente a Manafort e ao seu sócio: o pagamento. Soares garantiu que os dois consultores nunca foram pagos, “nem tinham que ser”, já que tudo não passou “da fase da sondagem”. “Ofereceram-nos um modelo que não foi utilizado. Foi tudo”, rematou. O livro “Contos Proibidos” relata uma versão diferente: segundo Mateus, Soares teria dito que ia pagar, mas foi adiando a questão, remetendo para um acordo com o governo que nunca chegou a realizar-se. Para comprová-lo, Mateus inclui nos anexos duas cartas supostamente assinadas por Manafort, onde este se queixa de uma situação “incompreensível” e pede o pagamento “pelos serviços prestados” nos seis meses anteriores.
Os membros da campanha de Soares ouvidos pelo Observador são unânimes em afirmar que não houve qualquer pagamento, mas declaram que tal ficou decidido logo ao início, quando a campanha optou por não os contratar. Serras Gago considera inclusivamente que o preço dos serviços “era muito elevado” e que foi por essa razão que Soares decidiu dispensá-los. “O Dr. Soares não aceitou e isso deixou o Rui Mateus muito contrariado”, remata Alfredo Barroso, acrescentando que não leu o livro do antigo colaborador socialista.
Certo é que no Foreign Agents Registration de 1985 (registo de interesses norte-americano onde os agentes que representam poderes estrangeiros divulgam as suas relações comerciais) não há qualquer registo da “Black, Manafort, Stone & Kelly” ter recebido dinheiro vindo de Portugal nesse ano.
“Black, Manafort & Stone”, pioneira no lobbying
Peter Kelly tornou-se sócio da “Black, Manafort” em 1984 e, em conversa com o Observador, disse-se surpreendido pela notícia de que Manafort e Atwater terão pelo menos feito uma exposição de serviços à campanha de Soares. “Eu trabalhava no mesmo escritório do senhor Manafort, no mesmo corredor… Acho estranho não ter sabido disso”, diz, lamentando não poder ter feito parte do projeto. Kelly conheceu Mário Soares em 1979, quando os dois tiveram uma reunião onde trocaram impressões a propósito da tentativa de Kelly criar uma fundação — que viria a ser o National Endowment for Democracy. “Tivemos uma conversa muito interessante”, recorda, definindo Soares como “um líder político apaixonado”, mas também “cooperante” com os EUA. No final, Soares ofereceu-lhe uma bandeira de Portugal emoldurada, que Kelly tem ainda hoje no seu escritório.
Ao telefone com o Observador, o consultor recordou o modus operandi de Manafort e sugeriu que a visita a Soares poderá ter surgido de uma ligação a Tony Coelho, lusodescendente e líder democrata do Congresso, com quem Manafort mantinha uma relação próxima, de acordo com Kelly. Tony Coelho, por seu turno, esteve mais tarde ligado a Frank Carlucci através da IPAC, empresa de consultoria do antigo embaixador. Sobre a proposta que Manafort terá feito a Soares, Kelly não tem dúvidas: “Nessa altura, o Paul era muito jovem. Andava apenas a trabalhar no duro e a tentar criar um bom negócio. À medida que o tempo passou, começou a fazer outras coisas que nós [sócios] não sabíamos e tornou-se um problema. Mas, na altura, terá sido apenas um trabalho de consultoria política normal”, garante o conselheiro de políticos democratas como Bill Clinton e John Kerry.
Kelly entrou na “Black, Manafort” num momento de viragem da empresa. Como democrata assumido a tornar-se sócio numa consultora de republicanos, Kelly ajudaria a quebrar a tradição de firmas inteiramente alinhadas com um dos dois grandes partidos políticos norte-americanos. Mas esta empresa de consultoria política sempre esteve longe de ser tradicional. Não só foi a primeira a trabalhar tanto para democratas como para republicanos, como tinha também um ramo de lobbying — contribuindo para o ambiente de promiscuidade entre políticos e empresas, ao promover junto dos seus clientes as boas relações que tinha junto de determinados políticos.
Para além disso, tanto Manafort como os outros sócios ganharam fama de recorrer a táticas implacáveis. Roger Stone, provavelmente o consultor mais conhecido da firma, é um bom exemplo disso. É famoso pela tatuagem de Richard Nixon que tem nas costas, pelas frases provocantes (“A política não tem a ver com unir as pessoas, tem a ver com dividir as pessoas” ou “Nunca admitas nada, nega sempre tudo e lança o contra-ataque”) e, mais recentemente, pelo documentário “Chamem Roger Stone”, disponível no Netflix. Todos eles fizeram milhões, com a imprensa nos anos 80 a dar conta de que os sócios tinham salários de cerca de 450 mil dólares por ano. “Eles foram os grandes inovadores a fazer dinheiro na K Street”, diz Morgan Pehme, um dos autores do documentário de Stone. “E hoje em dia aquelas práticas são tão comuns que é difícil imaginar uma altura em que não andavam todos a fazê-las. Mas a Black, Manafort & Stone foi pioneira na transformação do lobbying.”
As opiniões sobre as motivações de Manafort dividem-se. Stanton Anderson, amigo e advogado do consultor, diz que ele é “movido pelo dinheiro”. Kelly defende que ele gosta “de estar no centro da ação”. E Riva Levinson, antiga colaboradora que o define como “arrogante, narcisista, egocêntrico e brilhante” diz que “nunca se sabe o que move realmente as pessoas”.
Por isso, ninguém sabe exatamente o que terá levado Manafort a aceitar trabalhar para líderes polémicos e ditadores, mas o certo é que o fez. Para além de Ferdinand Marcos nas Filipinas ou de Siad Barre na Somália, um dos clientes mais famosos de Manafort é alguém não só controverso, mas que está ligado à história de Portugal: Jonas Savimbi, líder da UNITA. Por um contrato de 600 mil dólares, a Black Manafort organizou uma visita do angolano a Washington, que lhe permitiu não só encontrar-se com membros de think-tanks respeitados, como ser mesmo recebido pelo próprio Presidente Reagan. Foi a forma de ajudar Savimbi a largar a imagem de guerrilheiro sanguinário para passar a ser moldado como combatente pela liberdade nos Estados Unidos, numa operação que alguns apelidaram à altura de “Savimbi chic”.
Manafort e o BPN, uma “engenharia financeira extremamente complexa”
Muitos dos que conhecem Manafort dizem que este aceitava qualquer caso, desde que pudesse ser entendido como uma defesa dos interesses norte-americanos, no contexto da Guerra Fria. O próprio Roger Stone admitiu que a sua firma “reuniu quase todos os ditadores que conseguiu encontrar”, mas considerou que o conceito de ‘ditador’ é relativo. Já Kelly diz não ter gostado de algumas das decisões do seu sócio. “Representávamos 11 das 500 empresas mais ricas segundo a Fortune. Não precisávamos de andar preocupados com uns acordos que ele andava a fazer em Paris.”
A frase refere-se muito provavelmente ao famoso “caso Karachi”, investigado em França. Manafort trabalhou como consultor para a campanha presidencial do antigo primeiro-ministro de François Mitterrand, Eduoard Balladur, em 1995 — mas os pagamentos foram todos por baixo da mesa. A compensação, feita através de um esquema muito mais complexo que incluía a venda de submarinos franceses ao Paquistão, contou com o envolvimento de Abdul Rahman Al-Assir. Este homem é identificado como sendo um traficante de armas libanês (com nacionalidade espanhola), que será amigo próximo de Manafort — e que o terá envolvido num outro esquema, este com ligações a Portugal.
Trata-se de um dos “negócios de Porto Rico” ligados à Sociedade Lusa de Negócios e, portanto, ao caso BPN. Manafort seria sócio de uma empresa, a Biometrics, e terá vendido, juntamente com outro sócio, muitas das suas ações na Biometrics à SLN, naquilo que acabaria por ser um negócio ruinoso para a empresa portuguesa e que levou o Ministério Público a investigar, por suspeitas de burla. O próprio Manuel Dias Loureiro confirmou recentemente ao jornal Público “que o ex-chefe de campanha do presidente Donald Trump, Paul Manafort, esteve ligado ao negócio de Porto Rico”. Já antes disso, o nome de Manafort tinha sido referido em audições da comissão de inquérito parlamentar ao caso BPN, com os deputados a referirem-se a uma reunião em 2002, onde Manafort terá estado presente. Manafort “detinha cerca de 11,1 milhões de ações da Biometrics, que representavam 5% do capital social da empresa. Vendeu 1.568.555 ações por cerca de 1,5 milhões de dólares (cerca de 1,4 milhões de euros) à SLN e ainda ficou com 3,75% do capital social”, como explicou o Observador.
Ao todo, a SLN adquiriu 25% da Biometrics por 31,2 milhões de euros, num negócio que o Ministério Público classificou de “engenharia financeira extremamente complexa”, que teria como objetivo “o enriquecimento ilegítimo de terceiros à custa do prejuízo do Grupo BPN”, segundo se pode ler no despacho de arquivamento do caso. Contudo, as autoridades portuguesas reconhecem que não conseguiram “detetar e concretizar esse eventual enriquecimento”, razão pela qual o caso foi arquivado. Contactado pelo Observador, Paul Manafort voltou a escusar-se a comentar este tema, à semelhança do que tinha feito relativamente ao seu envolvimento na campanha de Soares.
O caso da Biometrics, relacionado com o também acionista da empresa Al-Assir, envolve ainda um outro nome que já se pronunciou sobre Manafort: o empresário de tecnologia Hector Hoyos, também representante da Biometrics. De acordo com um artigo de junho do “Politico”, Hoyos, cuja filha é afilhada de Manafort, terá envolvido o norte-americano em negócios de consultoria com vários projetos, entre eles um negócio no valor de 30 mil milhões de dólares em que o Fundo de Desenvolvimento Chinês investiria na dívida pública do governo de Porto Rico. O amigo Hoyos defende o caráter de Manafort, garantindo que este está longe de práticas de corrupção, já que “sempre exigiu que o Foreign Corrupt Practices Act fosse aplicado nos seus contratos”, disse, referindo-se à lei norte-americana.
Tal não invalida, contudo, que ocorram práticas situadas em zonas mais cinzentas. No mesmo artigo, um advogado que tem estado presente nas negociações entre Porto Rico e o Fundo Chinês, que prefere não ser identificado, garante que Manafort não se inibe de usar uma cartada popularizada pela “Black, Manafort”, gabando-se dos seus laços próximos do poder: “Ele anda por aí a dizer às pessoas que ainda fala com o Presidente e que, mais do que isso, está a ajudar a definir a política externa de Trump”.
Manafort, o homem que se move sempre à média-luz, é alvo de investigação, mas não está parado. Na sua vida percorreu vários continentes, conheceu muitos líderes políticos, trabalhou para empresas poderosas e fez muito, muito dinheiro. No meio de tudo isso, o seu percurso foi tocando tangencialmente em Portugal. Mas, no fim de contas, falar de Paul Manafort é sempre falar de poder.