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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fala aos jornalistas, na Embaixada de Portugal, em Londres, onde chegou hoje para participar no funeral da Rainha Isabel II que se realizará amanhã, dia 19 de setembro, Londres, Inglaterra, Grã-Bretanha, 18 de setembro de 2022. A Rainha Isabel II morreu a 08 de setembro aos 96 anos no Castelo de Balmoral, na Escócia, após mais de 70 anos do mais longo reinado da história do Reino Unido. NUNO VEIGA/LUSA
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“Sendo tão novo [Passos], o país pode esperar, deve esperar, muito ainda do seu contributo no futuro”, disse Marcelo. No PSD, não gostaram

NUNO VEIGA/LUSA

“Sendo tão novo [Passos], o país pode esperar, deve esperar, muito ainda do seu contributo no futuro”, disse Marcelo. No PSD, não gostaram

NUNO VEIGA/LUSA

Marcelo usa Passos e irrita PSD. "Jogada", "manobra de diversão" e "cortina de fumo"

Acossado pelas críticas, Presidente lançou a corrida de Passos Coelho a Belém. Entre sociais-democratas, lamenta-se que Marcelo tenha entrado em pânico e lançado uma cortina de fumo que protege o PS.

“Quando o país devia estar a discutir o Orçamento do Estado, está a falar da candidatura presidencial de Passos Coelho. Infelizmente, o PSD tem de perceber que não pode contar com Marcelo. Vai continuar a fazer estes números.” O desabafo é de um destacado dirigente do PSD e traduz bem o que estado de descrença que vai atravessando um setor importante do partido: o Presidente da República está cada vez mais dessintonizado da família social-democrata.

No domingo, e depois de ter vivido uma semana verdadeiramente horribilis a reboque das declarações que fez sobre os abusos na Igreja, Marcelo aproveitou a presença de Passos Coelho nas comemorações do centenário de Agustina Bessa Luís para lançar, nas entrelinhas, a candidatura presidencial do antigo primeiro-ministro. Derretido pelas críticas generalizadas – uma absoluta novidade –, o Presidente agarrou-se ao bote salva-vidas e pôs meio país político a discutir a hipotética candidatura de Passos.

“Ficou em pânico, percebeu as asneiras que fez e lançou uma cortina de fumo. Mais uma”, comenta com o Observador um destacado dirigente do PSD. Na cabeça de muitos sociais-democratas, Marcelo limitou-se a aproveitar a presença de Passos na cerimónia para criar uma “manobra de diversão” e tentar fazer esquecer uma semana que lhe correu mal e que foi piorando à medida que ia tentando remediar.

Marcelo tem horror às críticas. Precisava rapidamente de uma saída e fez isto. Foi inteligente porque foi tudo a reboque falar de outra coisa”, continua a mesma fonte. De resto, não passou despercebido o desconforto de Luís Montenegro quando foi confrontado pelos jornalistas com as declarações de Marcelo.

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Apesar de se desdobrar em elogios ao antigo primeiro-ministro, como tem feito desde que foi eleito líder social-democrata, o presidente do PSD deixou um recado que, inocentemente ou não, serve tanto para jornalistas e analistas políticos, como para Marcelo Rebelo de Sousa. “Não vale a pena estarem a fazer filmes à volta disso, não vale a pena fazerem futurologia, não vale a pena estarem a tentar.” Desta vez, no entanto, quem atirou os foguetes e apanhou as canas foi mesmo o inquilino número um de Belém.

Há muito que à direita se diz que os mais fortes e sérios candidatos à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa são Paulo Portas e Luís Marques Mendes. Um ou outro (no limite, ambos) poderá apresentar-se a votos quando o momento chegar. De resto, o próprio Presidente da República não tem pudor em falar disso mesmo até quando se reúne com líderes partidários em Belém. Mas há um dado que ninguém ignora: se Pedro Passos Coelho quiser avançar, terá todo o apoio do PSD. Que seja Marcelo a intrometer-se nestas contas é que causou urticária no PSD.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (3E), acompanhado pelo ex-primeiro ministro, Pedro Passos Coelho (2E), durante as comemorações do centenário de Agustina Bessa-Luís, em Amarante, 15 de Outubro de 2022. PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

Passos e Marcelo durante as comemorações do centenário de Agustina Bessa-Luís

PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

Miguel Relvas ao ataque

Em entrevista ao jornal “Público”, Miguel Relvas, antigo braço direito de Pedro Passos Coelho, não poupou críticas a Marcelo Rebelo de Sousa e juntou os pontos que se vão cosendo nos bastidores do partido. “Marcelo teve uma semana difícil em termos comunicacionais. A sensação que existe é que se quis encontrar uma nova narrativa. É muito negativo”, atirou o ex-ministro.

E continuou: “É a primeira vez que vemos um Presidente que ainda não está a meio do seu segundo mandato a definir estratégias sobre quem deve ser candidato. Será normal que seja o Presidente a lançar esse debate? Fragiliza”, atirou o ex-ministro, que aconselhou ainda “recato” a Marcelo. “Marcelo disse [ao Expresso] que não ia ficar sitiado no Palácio. Acabou a tentar levar outro para o Palácio”, ironizou Relvas.

As declarações de Marcelo (“Sendo tão novo [Pedro Passos Coelho], o país pode esperar, deve esperar, muito ainda do seu contributo no futuro”) são consideradas ainda mais bizarras atendendo à relação que existe entre os dois – a incompatibilidade entre Presidente da República e antigo primeiro-ministro é o segredo mais mal guardado do PSD e existem vários episódios públicos que atestam isso mesmo.

“A última coisa que Passos quer é o endorsement de Marcelo”, ironiza um social-democrata que conhece os dois muito bem. Entre os mais próximos do antigo primeiro-ministro, a ordem é para desvalorizar: Passos Coelho não perderá um segundo a juntar-se aos jogos de Marcelo e a alimentar a espuma dos dias da política.

“Quando o país devia estar a discutir o Orçamento do Estado, está a falar da candidatura presidencial de Passos Coelho. Infelizmente, o PSD tem de perceber que não pode contar com Marcelo. Vai continuar a fazer estes números", desabafa um destacado dirigente do PSD 

A mágoa de Marcelo

A “jogada” de Marcelo, como lhe chamam alguns sociais-democratas, surge depois de o PSD ter deixado o Presidente da República a queimar lentamente na fogueira de críticas que se montou a propósito das declarações sobre os abusos na Igreja. Publicamente, dois pesos pesados do partido – Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz, ambos vices do PSD – não se furtaram a criticar Marcelo Rebelo de Sousa.

Mesmo Luís Montenegro, que resistiu em juntar-se ao coro de protestos, não ousou sair em defesa do Presidente da República – não com a mesma intensidade de António Costa, que chegou mesmo a exigir aos que atacaram Marcelo um pedido de desculpas ao Presidente da República. Ao contrário do que defendeu o socialista, Marcelo pediria mesmo desculpas e os seus mais próximos diriam ainda ao Expresso que o Presidente não se deixaria condicionar pelo abraço de urso do primeiro-ministro.

Ainda assim, nos corredores da política, há quem diga que Marcelo terá ficado magoado com a falta de apoio dentro da sua própria família política. Os ataques vindos da direita, aliás, começaram rapidamente a ser autocensurados. Diogo Feio (CDS) fê-lo no Público e José Matos Correia (PSD) repetiu-o no Expresso — ambos pediram contenção.

Este último, no entanto, não deixou de sintetizar o mal-estar que se vai sentido no partido com Marcelo, usando uma frase lapidar (“O seu estilo está a causar um certo cansaço”) e um título ilustrativo (“A importância do silêncio na política”). Pelo meio, ficou o recado para dentro de casa e para o seu próprio partido:

“Mas se, na forma, as coisas não correram bem, isso não justifica, obviamente, as críticas que, à esquerda, mas também surpreendentemente à direita, foram dirigidas ao Presidente da República. Porque Marcelo Rebelo de Sousa tem uma história e um percurso que falam por si”, escreveu o senador social-democrata.

A verdade é que a evocação de Passos criou mais um irritante na já difícil relação de uma parte importante do partido com Marcelo Rebelo de Sousa. Já em agosto, o Observador escrevia que muitos dirigentes sociais-democratas achavam “incompreensível” estratégia do Presidente da República e a cumplicidade com António Costa.

Daí para cá, e apesar dos apelos que vão surgindo da direção social-democrata para que não se afronte diretamente Marcelo, o apego pelo Presidente da República não aumentou – antes pelo contrário. Neste PSD – carregado de saudosistas do passismo – a tentativa de colagem de Marcelo a Passos só incomodou ainda mais a espinha dorsal do partido.

Marcelo terá ficado magoado com a falta de apoio do PSD em semana difícil. Montenegro recusou comentar declarações do PR

LUSA

Passos e Marcelo. Uma relação difícil

A “artificialidade” deste endosso precoce de Marcelo a Passos provoca ainda maior estranheza dada a histórica e conturbada relação entre os dois – e que vai muito para lá do episódio mais marcante do “catavento de opiniões erráticas”. Curiosamente, no passado, foi Passos quem puxou por Marcelo e não o contrário, como recordava aqui o Observador.

Em 1996, na ressaca do cavaquismo e da derrota traumática contra António Guterres, o PSD tentava encontrar um sucessor para Fernando Nogueira. Passos, então um jovem quadro do partido, decide telefonar a Marcelo, com quem mantinha uma boa relação, para o desafiar a ir a jogo.

Numa primeira resposta, o futuro Chefe de Estado diz que não, mas Passos não desiste e acaba por convencer Marcelo a apresentar uma moção estratégica ao Congresso. Com um pormenor: por telefone, Marcelo dita seis ou sete tópicos da futura moção, Passos passa a informação ao Expresso e a notícia cai como uma bomba – o professor era candidato à liderança social-democrata.

Marcelo acabaria por vencer o Congresso sem concorrência, mas Passos Coelho abandonou o Congresso a meio. Nas escolhas para a direção do PSD, o novo líder social-democrata ignorou todos os conselhos do futuro primeiro-ministro e relegou-o para o oitavo lugar da lista ao Conselho Nacional, órgão máximo do partido entre congressos. Passos tomou a atitude de Marcelo como uma afronta e pôs-se fora da fotografia de família.

A relação entre os dois não mais se normalizou. Quando o partido começou a discutir a sucessão de Manuela Ferreira Leite, corrida que Passos liderava na pole position, Marcelo Rebelo de Sousa, já na pele de comentador da TVI, foi particularmente duro. “Alguém se há de arranjar. O partido não fica para Passos Coelho”, disse.

Não ficaria sem resposta. “Há várias semanas que aparecem notícias dizendo que se há-de encontrar uma solução para que o partido não fique nas minhas mãos. Espero que aqueles que acham que têm um caminho melhor do que eu [apareçam], que de repente o professor Marcelo apareça e se vá candidatar”, devolveu-lhe Passos, em entrevista à SIC Notícias.

“Marcelo ficou em pânico, percebeu as asneiras que fez e lançou uma cortina de fumo. Mais tem horror às críticas. Precisava rapidamente de uma saída e fez isto. Foi inteligente porque foi tudo a reboque falar de outra coisa”, lamenta um social-democrata

Marcelo não se candidatou e Passos tornou-se líder social-democrata. Entre críticas e elogios, o comentador foi acompanhando o difícil mandato do Governo PSD/CDS. Mas seria a escolha do candidato a Presidente da República às eleições de 2016 que viria tornar por demais evidente o azedume entre os dois.

Na moção de estratégia global que levou ao Congresso do partido, em fevereiro de 2014, o então líder do PSD defendia que o partido não devia apoiar alguém que fosse um “catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político” – fato mais do que à medida de Marcelo.

“Claramente, eu acho que ele [Pedro Passos Coelho] quis excluir na moção de estratégia o candidato Marcelo Rebelo de Sousa. Quis, o que é perfeitamente legítimo. Está nas suas mãos e quis fazê-lo. A questão está resolvida”, reagiu Marcelo, sugerindo estar fora da corrida. Só que não. De surpresa, apareceu no Congresso, levantou os militantes e acabou aplaudido de pé por todos, Passos incluindo.

Curiosamente, o então primeiro-ministro tentou ainda cozinhar a candidatura presidencial de Rui Rio, que esteve quase a sair do papel. A 17 de junho de 2015, os dois encontraram-se no Porto e terão negociado a candidatura, que só poderia ganhar forma depois das legislativas desse ano, a 4 de outubro.

Rio esperou, ameaçou, hesitou e acabou ultrapassado na curva por Marcelo, que se lançou na corrida a 9 de outubro, depois de ter informado Passos e Paulo Portas por telefone. E se este último se afastou quase de imediato da vida política assim que a ‘geringonça’ nasceu, Passos ainda coabitou com Marcelo na qualidade de líder da oposição. O novo ciclo de convivência não ajudou a curar feridas ou a sanar divergências. Este “número” de Marcelo é só mais um episódio a juntar à lista de Passos.

Os amuos de Passos e do dr. Rebelo de Sousa

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