Tiago Mayan Gonçalves foi uma das surpresas de umas eleições presidenciais em que, partindo com o estatuto de “underdog”, conseguiu destacar-se pelas prestações nos debates e ganhar notoriedade, mesmo sem provocar o “vendaval liberal” que desejava nas urnas. Quase dois meses depois, veio à Vichyssoise — programa de que é ouvinte assíduo — falar de uma outra corrida eleitoral, a autárquica, sem pôr de parte a ideia de vir a ser o candidato do partido no Porto mas lembrando as ligações e afinidades com o atual presidente, o independente Rui Moreira.
Sobre a trapalhada em Lisboa, onde o partido teve um primeiro candidato, Miguel Quintas, que desistiu ao fim de três dias, Mayan resume a questão a “problemas pessoais” de Quintas e recusa tirar outras ilações: a estratégia “não será alterada” e “ninguém se vai lembrar” disto na hora de votar. Até citou João Pinto: “Prognósticos só no fim do jogo”… e o “plano B” pode vir a ser “melhor” do que o plano A. Quanto a Carlos Moedas, menos esperanças: afinal, o candidato da direita nem “dista” muito de Fernando Medina.
[Ouça aqui o programa Vichyssoise desta semana:]
Passaram 54 dias desde que foi a votos e disse que não queria ser político profissional. Mas tem disfarçado bem no Twitter. O que tem feito desde o dia das eleições?
Estou a ser o que era antes: uma pessoa com bom humor, vocês é que descobriram isso agora. O regresso tem sido normal, mas o facto de estar aqui significa que as coisas são diferentes.
Passou a ser uma figura política.
Certo. Já o estava a fazer; se fundei um partido e colaborei ativamente nele foi porque queria ter prestação política fora do espetro que os partidos ofereciam.
Sente-se bem nessa posição, então.
Sinto, mas não sinto que seja muito diferente desde que fundei o partido ou desde 2013, quando me juntei ao movimento que elegeu um independente para a Câmara do Porto. Claro que esta candidatura presidencial levou a uma enorme exposição mediática, o que muda as coisas, pelo menos em termos de impacto. Não acho que tenha mudado em termos de substância sobre o que quero fazer: tornar Portugal mais liberal.
Tem havido tempos conturbados na Iniciativa Liberal, mais a sul. A IL conversou com Moedas, dois dias depois estava a apresentar um candidato e três dias depois esse candidato foi despedido. São os loucos de Lisboa ou a Iniciativa Liberal está a imitar o PSD na balcanização que lhe é característica?
Acima de tudo, o que a IL está a fazer é preparar e levar à escolha dos cidadãos lisboetas uma opção verdadeiramente liberal. A questão de protagonistas sempre foi secundária no nosso partido, temos demonstrado isso até à exaustão. Naturalmente, o episódio de apresentação do candidato que deixou de o ser não era o que queríamos que tivesse acontecido, mas isso não anula o que vai acontecer em Lisboa: uma verdadeira proposta liberal e uma visão autárquica liberal, que dentro de muito pouco tempo saberemos – o Observador sabe mais do que eu, mas amanhã saberemos…
Este caso fragilizou a liderança de João Cotrim de Figueiredo?
Não. Vou usar o “prognósticos só no fim do jogo”, que é uma frase muito sábia do João Pinto, do meu clube. Quer no futebol quer na política só depois de uma campanha, de as pessoas conhecerem os protagonistas, chegado o dia das eleições saberemos se houve uma falha na estratégia.
Mas estas falhas logo à partida – falou num “sério revés” – são as chamadas dores de crescimento?
Não, isto teve a ver com aspetos mais pessoais do próprio candidato.
Portanto não diz nada sobre o partido nem sobre a preparação do partido?
Não anula, nem sequer creio que seja impactante ou vá alterar o que é a estratégia.
Mas não acaba por minar este começo?
Permite termos um plano B, que em muitos casos poderá até ser melhor do que o plano A. Independentemente do início, vai haver a continuação da proposta e dentro de pouco tempo, com ela no terreno, já ninguém se vai lembrar do que se passou no início.
A IL é um partido com sensibilidades diferentes. Considera que o partido ganharia se fosse integrado na grande coligação não-socialista de Carlos Moedas? Na campanha, por acaso, cruzou-se numa corrida com Carlos Moedas – já na altura suspeitava de que ele estivesse a correr para Lisboa?
Não, não suspeitava, nem me lembro desse episódio. Independentemente de Carlos Moedas, o que a IL está a querer fazer em Lisboa e em qualquer contexto autárquico…
Era capaz de votar em Moedas?
Eu sempre morei no Porto, seria impossível.
Mas se votasse em Lisboa, não era um candidato que à partida descartaria.
Se votasse em Lisboa, sei que teria um candidato.
Já agora, o nome é Bruno Horta Soares. Mas resumindo a questão de Lisboa: não seria positivo integrar essa grande coligação em torno de Carlos Moedas para derrotar Fernando Medina?
Não pretendemos derrotar A, B, C ou D. Pretendemos implementar verdadeiras visões liberais. No caso de Lisboa, a análise feita a nível local e na Comissão Executiva é que a melhor forma seria apresentar uma candidatura autónoma e eu tendo a concordar. A proposta de Moedas ainda não ouvi muito bem, mas o que ouvi até agora – e naturalmente as pessoas são diferentes – não dista muito do que Medina apresenta.
Se não houvesse pontos em comum entre Moedas e a Iniciativa Liberal não se tinham sentado à mesa.
Naturalmente. E essas conversas ocorreram e, aliás, é público. O João Cotrim Figueiredo já falou delas e o Carlos Moedas também, mas foram conversas em que, evidentemente, é a conclusão óbvia que se pode retirar, não foi possível que o projeto de Carlos Moedas se tornasse também um projeto da Iniciativa Liberal. Provavelmente, porque esse pendor liberal que exigimos e queremos não pôde ser incorporado.
Tendo em conta que Moedas ficou fora de hipótese e Miguel Quintas saiu, o que acha de Bruno Horta Soares?
Conheço o Bruno Horta Soares, ele é mais fundador do que eu, porque na verdade está na origem da própria Associação Iniciativa Liberal e acho que tem qualidades. Sendo ele o candidato, é uma excelente escolha. Haverá outras, felizmente no núcleo de Lisboa há muita gente de muita valia, o Bruno Horta Soares acrescenta é também o facto de estar desde a origem no partido. Aí já há menos.
No Porto, o mais provável é a Iniciativa Liberal apoiar o Rui Moreira?
Não está fora de ponderação, mas o raciocínio é o mesmo que vos disse há pouco: se isso significa efetivamente que poderá corporizar uma proposta e uma visão liberal para a autarquia do Porto, então isso poderá estar em cima da mesa. Mas não há decisões ainda tomadas. E também, verdade seja dito, não passariam por mim porque, na prática, no partido, sou um mero membro de base.
Mas sabe a sua vontade, se fosse essa vontade do partido.
Claro. O que me envolva a mim diretamente naturalmente que há uma parcela de vontade minha.
Por isso mesmo. Estaria disposto a encabeçar uma candidatura individual da Iniciativa Liberal do Porto se decidirem fazer como em Lisboa?
Vamos ver o que vai ser feito. Não pensei ainda nisso seriamente. Vocês sabem que…
Mas não exclui.
Neste momento, não excluo nada porque todos os cenários são possíveis dentro do espectro que já vos disse: de qual é a melhor estratégia para defender uma proposta mais liberal.
E integrar as listas de Rui Moreira também é um cenário que pode estar em cima da mesa.
Se estivermos com Rui Moreira, penso que pressuporá algum tipo de solução nesse sentido, mas nem passa só por mim.
Mas considera que tem condições por exemplo para fazer um trabalho melhor do que foi feito nos últimos anos na câmara municipal do Porto.
Eu recordo que um dos vereadores de Rui Moreira é militante da Iniciativa Liberal. E há vários elementos do núcleo territorial do Porto que já já tiveram ligação ao movimento e que não têm ligação ao movimento mas também têm qualidades e competências técnicas e políticas. E, portanto, quando se fala do Porto não há que falar só do Tiago ou do Ricardo ou de a, b, c ou d. Há muito mais gente e, portanto, tudo isso será ponderado. E seja em candidatura autónoma, seja com Rui Moreira, todo o núcleo do Porto estará focado na proposta liberal que terá para a cidade.
O caso Selminho não o incomoda. Considera que o presidente da câmara do Porto está a ser alvo de uma cabala?
Não me incomoda minimamente porque, no caso Selminho, o facto de que Rui Moreira é acusado é o de ter assinado uma procuração para advogados que eram os mesmos advogados que já tinham sido nomeados pelo executivo anterior. Ou seja: pelo executivo de Rui Rio para o assunto Selminho. Este é o facto de que Rui Moreira é acusado. Toda a acusação se constrói à volta deste factor. Eu deixo a cada um fazer a análise política então do que é isto significa.
O que seria um bom resultado para a Iniciativa Liberal nas autárquicas? E já agora, nas legislativas?
Nós falamos da onda liberal e isso tem sido visível já em termos de resultados eleitorais e também continuamente nas sondagens há uma demonstração de um claro crescimento. E um crescimento acima de tudo muito consolidado da base eleitoral da Iniciativa Liberal. Bons resultados é demonstrar que essa subida realmente se reflete nas urnas. Nas autárquicas, nós estaremos presentes onde temos núcleos e já temos uma implantação relativamente espalhada pelo país e será importante também em termos de implantação e consolidação territorial do partido. Portanto, há sempre estas duas vertentes.
Há um número de vereadores ou presidentes de câmara que queiram atingir?
Não. Não faço a análise segundo esse tipo de raciocínios.
Portugal é hoje um dos países onde a pandemia está melhor. Continua a considerar que era possível ter ultrapassado o último ano sem um recurso ao estado de emergência, de que foi tão crítico?
Estado de emergência não é coincidente com medidas de confinamento e com medidas de saúde pública e isso foi o que sempre tentei explicar e, antes de mim, a IL sempre tentou explicar. E foi precisamente essa confusão de conceitos que foi aproveitada a dado momento pelos atores políticos para cavalgar essa confusão de conceitos e cavalgar o medo das pessoas que permite ainda ao dia de hoje fazermos uma confusão. Mas estado de emergência vai muito para além disso e já foi.
Mas o confinamento resultou tem de admitir isso.
Medidas de confinamento resultaram. Quer dizer, não temos o benchmarketing que poderemos fazer — teremos de ir ver a outros países europeus em que as medidas não foram estas e foram praticadas de outras de forma. Mas, aceitando que sim, o problema das medidas de confinamento, e agora já não falo do estado de emergência, é que foram feitas de uma forma absolutamente desconsideradora dos efeitos que ela tinha a nível social, económico e também de saúde não-Covid.
Indo à atualidade: na entrevista que deu ao Observador só tinha um minuto para responder à questão: “Se fosse Presidente da República aconselharia o Governo a deixar cair a TAP e a fechar a companhia”. Lembra-se do que respondeu? Mantém a mesma opinião?
Sim. Mantenho. A TAP nunca deveria ter-se tornado pública, devia ser uma empresa privada e, como qualquer empresa privada em dificuldades, deve enfrentar o que qualquer empresa faz em dificuldades: um processo de insolvência. Que permite recuperação.
Concorreu contra Marcelo Rebelo de Sousa nas Presidenciais. Neste segundo mandato, o Presidente já o desiludiu?
Eu sei que o senhor Presidente já foi mais vocal em alguns aspectos e está reunir um gabinete para vigiar o que vai acontecer com os fundos europeus, mas preciso de ver é o que vai fazer. Para já só estou a ouvir o que ele diz mas ainda não vi nada do que eles esteja a fazer. Reconheço que este mandato vai ser muito difícil, seria assim para qualquer Presidente porque lida com a pandemia e com a crise que dela advém, e quero dar o benefício da dúvida.
Nos Açores, onde o IL já disse que o Chega não vai mudar nada, já têm um tempo para fazer essa avaliação. Está confortável com a viabilização do IL a esse governo e com os resultados produzidos?
A viabilização vai sempre depender, a cada momento, do acordo que foi assinado. O IL estará lá de forma responsável a cumprir o acordo que estabeleceu, este último Orçamento já está a incluir medidas em termos fiscais que são o PSD a cumprir o que acordo com o IL. E da parte do partido, com o que podemos fazer, com o voto de um deputado, está a cumprir. Já vimos ali sinais de que pode haver menos confiança noutros apoios que foram obtidos.
Já sabemos que a nível nacional não é repetível.
Mas nos Açores não estamos numa solução de Governo com o Chega.
Passamos agora para o segmento “carne ou peixe” em que tem de escolher uma das opções de cada um dos desafios… Quem escolhia para CEO de uma empresa da qual fosse acionista maioritário, João Cotrim Figueiredo ou Carlos Guimarães Pinto?
Se calhar queria ambos. Um CEO e outro provedor do acionista. O João CEO e o Carlos provedor.
Preferia ser ministro num Governo em que tinha como colega André Ventura ou Pedro Nuno Santos?
O primeiro não vai acontecer e o segundo também não. Portanto, estou fora desse Governo.
Quem levaria a um jogo do FCP, Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa?
Não sei qual gostará mais de futebol, mas talvez levasse o camarada Jerónimo. è mais vocal, para os cânticos.
A quem comprava um carro em segunda mão, Rui Rio ou António Costa?
Apesar de tudo, a Rui Rio.