É uma espécie de campanha de comentário político — mais do que ir à procura de eleitores no terreno, Tiago Mayan Gonçalves continua a ir à procura de eleitores via media e redes sociais (uma aposta forte do seu partido), garantindo que as declarações e tomadas de posição sobre temas de atualidade chegam a quem está em casa no sofá.

O dia do candidato da Iniciativa Liberal à Presidência da República começou com uma ida a uma barbearia, ao seu barbeiro de sempre, Tozé Veloso. O corte de cabelo, ligeiramente menor do que o costume (contou-nos o homem do pente e da tesoura), teve o seu fim utilitário — Tiago Mayan Gonçalves reconheceu que já andava a precisar e que a perspetiva de deixar o cabelo crescer mais algumas semanas não o entusiasmava. Mas não apenas: a ideia foi também voltar a falar sobre aqueles que vê como os lesados da pandemia.

O candidato da Iniciativa Liberal (IL) vai contrastando as ações de campanha no terreno, reduzidas, com os muitos comentários sobre a gestão da pandemia pelo Governo. Na terça-feira, reagiu publicamente ao que ouviu na reunião do Governo com peritos de saúde no Infarmed. Na quarta-feira, foi ao Porto falar com Rui Moreira sobre a forma como as autarquias responderam à pandemia — disse ele, “fazendo o que o Governo central deveria fazer” — e sobre a incapacidade para preparar atempadamente o ato eleitoral. No mesmo dia, reagiu à noite à exposição de Costa com os detalhes do novo confinamento que se avizinha. E esta quinta-feira, foi a uma barbearia falar dos lesados do confinamento: aqueles que têm de fechar atividades e que ficam sem apoios.

O tiro saiu quase inteiramente certeiro: Tozé Veloso, o homem que lhe corta o cabelo há 36 anos, queixar-se-ia aos jornalistas que quando foi obrigado a fechar no confinamento anterior não recebeu qualquer apoio do Estado. “Nada, zero. O meu contabilista não me conseguiu arranjar nenhum apoio, não consegui nem um tostão”, dizia o barbeiro, que se não fosse a candidatura do amigo Tiago votaria em André Ventura e que ainda expôs ao Observador uma espécie de liberalismo soft: “Acho que temos de sustentar o Estado, é verdade. Mas o Estado nestes tempos tem exagerado em cima de nós. O Estado não é uma pessoa de bem, que faça uma distribuição equitativa do que lá pomos [impostos]. E o Estado não emprega o dinheiro muito bem, há muito dinheiro mal empregue”.

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Aproveitando o facto do seu barbeiro de longa data não ter recebido apoios quando foi obrigado a fechar, Mayan Gonçalves voltou a carregar na tecla da má gestão da pandemia pelo Governo (com a complacência de Marcelo). “A partir de amanhã dezenas de milhares de pequenos empresários como o Tozé — de restaurantes, lojas, de ginásios — vão ter de fechar”, notaria o candidato, falando de uma “decisão unilateral do Governo de confinamento” e lembrando que o barbeiro Tozé já tivera “de enfrentar esta situação em março sem nenhum tipo de apoio”.

Outra nota foi a defesa arreigada do setor privado como motor da criação de riqueza e desenvolvimento económico, por oposição ao “estatismo” que vê em Portugal: “São estas pessoas que trazem riqueza ao país, que garantem emprego, que pagam impostos. Quando se exige que a fatura [do confinamento] seja paga pelos mesmos cidadãos, algo está mal”.

Se de manhã as críticas foram à falta de intervenção do Estado — por decisão do Governo — na resposta à crise económica provocada pela pandemia, à tarde a ação de campanha passou por uma visita à Escola de Superior de Ciências Empresarias (ESCE), em Valença. Uma visita justificada por o candidato querer “vir a uma instituição de ensino superior de sucesso”, onde se faz “investigação” e se dialoga com “o tecido económico e social da região”.

A ESCE em Valença tem 550 alunos, quatro licenciaturas, dois mestrados, duas pós-graduações e três cursos tecnológicos — apurou a Agência Lusa — e na visita falou-se em “empreendedorismo e inovação”, em alunos que ao entrarem na licenciatura têm de “desenvolver um plano de negócio” e no final “estão aptos, se quiserem, a montar uma empresa”, em “incubação” de projetos empresariais que depois cresceram para fora da faculdade, em “marketing digital e business”. Tudo léxico que faz as delícias de um candidato liberal.

Um detalhe que a passagem dos dias vai acentuando é que Tiago Mayan continua sem tecer grandes críticas aos restantes candidatos presidenciais. Mal se ouve o nome de Marcelo Rebelo de Sousa — e de Ana Gomes, André Ventura, Marisa Matias ou João Ferreira, não se ouve de todo. Também pouco usadas têm sido as expressões “esquerda” e “direita”, substituídas na maioria das vezes por “socialismo” e “liberalismo”. Será porque seria contraproducente andar a encher a boca da palavra “direita” quando nos chamados temas “fraturantes” é ao lado da esquerda e do BE que a IL estará?

“Tiago Mayan? Quem?”

O candidato da Iniciativa Liberal já sabia que a missão para se dar a conhecer nestas eleições era espinhosa. Vitorino Silva já se candidatara a eleições e até esteve em reality shows (a sério e a brincar). André Ventura é deputado único do Chega e líder partidário. E os restantes — Marisa Matias, João Ferreira, Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa — têm muitos anos de cargos políticos e espaço para comentário televisivo. Mayan apareceu nestas presidenciais como um perfeito desconhecido e se a quantidade inédita de debates individuais e o tempo que os portugueses passam em casa a ver televisão podem ter sido benéficos para a afirmação, ainda há quem não o conheça. O contraste é nítido: na sua cidade, o Porto, foi esta manhã abordado por uma pessoa em tom amigável — já terá o seu voto — mas logo a seguir foi abordado por um eleitor que não fazia ideia alguma de quem era o candidato da IL. Depois de ter “despachado” o amigo Mayan Gonçalves e a maioria dos jornalistas, o barbeiro Tozé Veloso cortava o cabelo de um cliente que assistira ao aparato e que perguntava: “Quem era?”. O barbeiro respondia que era “Tiago Mayan, candidato à Presidência da República”, o cliente respondia: “Ah… não conheço”.

No olho do furacão, o Governo. Mas se onde acaba um começa o outro…

É um dos dados mais curiosos da campanha de Tiago Mayan Gonçalves até ao momento: críticas diretas a Marcelo Rebelo de Sousa não se têm ouvido assim tantas, referências aos outros candidatos nenhumas — quem está no olho do furacão é mesmo o Governo. Marcelo aparece só como visado implícito: essa tem de ser a conclusão depois de termos ouvido o candidato dizer que entre o PR e Costa, “não se sabe onde acaba um e onde começa o outro”.

Parte do eleitorado que o candidato pode captar — à direita e entre abstencionistas — pode estar insatisfeita com Marcelo, mas a fatia insatisfeita com o Governo e com Costa é maior. Quem está insatisfeito com Marcelo, em boa parte está insatisfeito com Costa. E aos que torcem o nariz aos dois ainda é preciso juntar mais alguns que com Marcelo convivem melhor. Portanto Mayan Gonçalves vai visando o executivo.

De manhã a crítica era para o lay-off, a munição do Governo para responder à pobreza e ao desemprego causados pela pandemia: “É uma medida de apoio em contexto normal e o lay-off simplificado traz uma simplificação relevante, mas o lay-off só seria ajuda em contexto de normalidade. Não é ajuda em contexto de exceção. São precisos apoios extraordinários, uma injeção imediata, direta e sem burocracias”. À tarde, a crítica era à falta de autonomia das instituições de ensino superior: “Há bloqueios do próprio acesso, onde o único critério é numérico, são os exames. As escolas deveriam poder definir critérios de admissão próprios. As instituições de ensino superior, públicas ou privadas — não interessa aqui —, deveriam ser mais autónomas nas suas decisões de definição do projeto educativo, quanto aos critérios de admissão de estudantes, na sua capacidade de contactarem com o tecido económico e social local e readaptarem de forma flexível e imediata os seus cursos a essa realidade [de empregabilidade da região]”.