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Medidas extraordinárias de corte de despesa caem em janeiro. Boas notícias para função pública e pensionistas

Corte nos salários da função pública, sobretaxa de IRS, congelamento das pensões ou taxa sobre o setor energético podem cair no início de 2016. Um buraco de muitos milhões nas mãos do próximo Governo.

Os primeiros meses de 2016 podem trazer boas notícias para alguns portugueses. Alguns dos cortes levados a cabo pelo Executivo poderão cair com a viragem do ano. E porquê? Quando começar 2016, Portugal vai entrar em gestão orçamental por duodécimos e se não é a primeira vez que acontece é pelo menos a primeira vez que estão em causa muitas medidas temporárias que poderão cair. Tudo depende da interpretação da lei que o próximo Governo lhe quiser dar. E a discussão não é pacífica.

Para o atual primeiro-ministro não há dúvidas que há (pelo menos) duas medidas que caem com o fim do ano. Disse-o em entrevista ao Observador: o corte nos salários dos funcionários públicos e a sobretaxa de IRS não podem produzir efeitos em 2016. Mas as interpretações dividem-se.

Com as eleições legislativas em outubro, o próximo Governo só conseguirá ter um orçamento aprovado nos primeiros meses de 2016, o que significa que o atual terá de ser prolongado. Mas a lei é específica sobre o que pode ou não produzir efeitos num orçamento que é prorrogado. Na prática, o país vai entrar em gestão por duodécimos o que significa que os serviços do Estado não podem gastar mais em cada mês do que 1/12 avos do que foi gasto no ano anterior (ou seja, o ano dividido pelo 12 meses).

A última vez que tal aconteceu foi em 2010, depois da reeleição do segundo Governo de José Sócrates, mas na altura não havia medidas extraordinárias de relevo em cima da mesa. Agora, a existência de medidas de corte de caráter temporário com grande peso no Orçamento levanta dúvidas sobre a sua manutenção.

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O Observador falou com ex-ministros das Finanças, ex-secretários de Estado do Orçamento, das Finanças e dos Assuntos Fiscais, com fiscalistas, técnicos e deputados tanto da maioria como da oposição. E ficou com uma certeza: a gestão dos primeiros meses do próximo ano levanta mais dúvidas do que certezas e as decisões de manter ou deixar cair medidas extraordinárias vão fazer correr muita tinta, vão pedir muitos pareceres, vão opor a atual maioria PSD/CDS ao PS e vão levar sindicatos e associações a pressionar o próximo Executivo.

Estas são as medidas que poderão deixar de estar em vigor nos primeiros meses do ano:

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Esta é a medida mais consensual entre todos os especialistas ouvidos pelo Observador. Se nada mudar até lá, em janeiro de 2016, os funcionários públicos vão receber o ordenado por inteiro. A medida causou discussão ao longo do ano passado e o Governo submeteu a legislação (foi aprovado em lei à parte e incluída depois no Orçamento do Estado) à aprovação pelo Tribunal Constitucional, depois de um primeiro veto. Esta será uma das medidas que cairá quando o país entrar em gestão por duodécimos. Além de ser a mais clara, é também a mais pesada orçamentalmente (cerca de 50 milhões de euros por mês) e a que levanta dúvidas de outra ordem: os serviços não vão poder furar os tetos de despesa mensais? Ou seja, vão ter de viver por mês com o mesmo dinheiro deste ano porque não lhes será transferido mais: onde vão buscar o dinheiro para repor o corte? Esta é uma das perguntas por responder, mas já lá iremos.

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A sobretaxa de IRS, de 3,5%, poderá também ter os dias contados em janeiro. Apesar de ser uma medida que se prolonga há vários anos e que a atual maioria prevê aplicar por vários anos (o fim estimado por este Governo seria 2019), tem de ser revalidada anualmente quando é aprovado o Orçamento do Estado. Para o primeiro-ministro é trigo limpo que “todas as medidas que hoje vigoram, quer do lado da receita, quer do lado da despesa, caem”, o que faria com que enquanto houvesse registo por duodécimos não se pudesse aplicar a sobretaxa.

Ao Observador, vários técnicos responderam com a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) que enquadra o regime de duodécimos. De acordo com o artigo 12º, alínea h da LEO, com a prorrogação da lei do Orçamento do Estado caem:

  • As autorizações legislativas que devam caducar no final do ano económico a que respeitava a lei;
  • A autorização para a cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano económico a que respeitava a lei;
  • A autorização para a realização das despesas relativas a serviços, programas e medidas plurianuais que devam extinguir -se até ao final do ano económico a que respeitava aquela lei.

Ora é o segundo ponto que levanta dúvidas em relação à sobretaxa, uma vez que esta medida, de acordo com o Governo, não se esgota este ano, mas tem vida até 2019, apesar da revalidação anual necessária. Especialistas consultados pelo Observador reconhecem que uma das dificuldades é definir o que é extraordinário. Há quem defenda contudo que, para além do que está previsto na lei, é preciso ter em conta o enquadramento político e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado, por exemplo, no Programa de Estabilidade para 2016.

Por outro lado, mesmo que algumas medidas não possam ser renovadas ou mantidas em 2016, isso não significa necessariamente incumprir as metas de consolidação orçamental, uma vez que os compromissos do tratado europeu não deixam de aplicar-se.

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A suspensão da atualização das pensões é mais uma medida que pode estar na berlinda. Tudo porque o artigo que suspende o regime de atualização do valor do indexante de apoios sociais (IAS), da atualização das pensões e de outras prestações sociais diz, no seu início, que “é suspenso, durante o ano de 2015” ou seja, é a própria lei que define o quadro temporal. Contudo, as atualizações são feitas por portaria e o próximo Governo pode optar por atrasá-la de modo a que não seja aplicada nos primeiros meses do ano.

O caso da atualização do IAS e das pensões só é comparável, pela negativa, com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade que este ano se aplica às pensões acima de 4.611 euros. Nesta medida, é já definido no seu artigo as percentagens que devem ser reduzidas em 2016 (50%) e eliminadas em 2017.

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Além destas medidas, há outras de ordem fiscal que poderão cair. Tudo depende da interpretação mais ou menos extensível da Lei de Enquadramento Orçamental. Estão em cima da mesa:

  • Derrama sobre os lucros das empresas – 3% para lucros superiores a 1,5 milhões de euros, 5% para lucros superiores a 7,5 milhões e 7% acima de 35 milhões de euros;
  • Taxa sobre os imóveis de luxo;
  • Contribuição extraordinária sobre o setor energético
  • Imposto de selo especial de 20% sobre os prémios dos jogos sociais a partir de 5 mil euros.
POR CÁ NÃO HÁ SHUTDOWN AMERICANO

Em 2013, Barak Obama viu-se a braços com a necessidade de encerrar os serviços federais não essenciais do Governo norte-americano. Um bloqueio nas negociações com os republicanos boicotou a aprovação do orçamento e o governo ficou sem funcionar durante duas semanas. Por cá isso pode acontecer?

A resposta na ponta da língua de todos os ex-governantes contactados pelo Observador é: “Não”. E porquê? Em Portugal, o orçamento de um ano pode ser prolongado para o ano seguinte, passando a haver uma gestão por duodécimos. O caso “não é dramático”, diz ao Observador Bagão Félix, nem tão pouco “será um problema particularmente sério”, defende Miguel Beleza, também ex-ministro das Finanças. Mas apesar de “não ser a primeira vez que se governa em duodécimos”, como relembra Eduardo Catroga, também ele ex-ministro das Finanças, o caso complica-se este ano pela quantidade de medidas extraordinárias (e temporárias) com grande impacto orçamental.

A gestão em duodécimos deixa por isso de ser tão linear e não se trata de replicar o orçamento do ano anterior.

“A Lei de Enquadramento Orçamental diz que em regime de duodécimos cada ministério tem o mesmo plafond que no ano anterior e deve gerir o dinheiro dentro da mesma classificação orgânica”, explica Bagão Félix. Até aqui o assunto parece não levantar dúvidas, mas “pode haver situações (despesas) que têm de ser adiadas para que não se corte naquilo que é indispensável”, acrescenta.

Não cortar salários pode ser incompatível com duodécimos

São duas normas que entram em choque e que podem servir para que o próximo Governo as utilize como argumento para justificar a continuação de alguma medidas mais restritivas. Por um lado, a Lei de Enquadramento Orçamental diz expressamente que cada serviço não pode ultrapassar mensalmente os tetos de despesa que tinham sido definidos para o ano anterior, divididos pelos doze meses do ano. Por outro lado, a lei do Orçamento do Estado para 2015 e a decisão do Tribunal Constitucional dizem expressamente que o corte de salários dos funcionários públicos não pode ultrapassar o dia 31 de dezembro de 2015. Ora “como se compatibilizam estas regras?“, questiona o ex-secretário de Estado do Orçamento dos governos de José Sócrates, Emanuel Santos.

Para o ex-governantes, as “duas regras são incompatíveis. No plano financeiro pode ser uma razão para manter a norma e pode ser esta a interpretação”. Para Emanuel Santos, uma solução poderia passar por manter no regime de duodécimos as normas que têm um impacto financeiro.

Um problema financeiro de meses, um problema político de campanha

Os ex-ministros defendem que a gestão por duodécimos não se deve, no entanto, arrastar por muito tempo. Bagão Félix acredita que em março de 2016 já deverá haver um novo Orçamento do Estado. Miguel Beleza diz que “em mês e meio é possível” elaborar um orçamento, mas coloca uma pedra na engrenagem: “O problema pode ser se houver um resultado eleitoral complicado, aí, sim, todo o processo pode demorar mais tempo”.

A última vez que esta situação aconteceu foi nos primeiros meses de 2010, depois da reeleição de José Sócrates. Nessa altura, o Governo era o mesmo e o ministro das Finanças também, o que poderá ter agilizado o processo. O Orçamento foi apresentado em janeiro e só foi aprovado no final de abril.

Se no passado, gerir em duodécimos “não era muito mau porque os governos tinham tendência para gastar mais e assim eram travados”, diz Catroga, agora com circunstâncias diferentes, poderá não ser bem assim. Bagão Félix sublinha que “há algumas habilidades possíveis para adiar despesas para o momento em que o Orçamento do Estado de 2016 entre em vigor”.

Compromissos com a Europa contam

Uma dessas “habilidades” pode ser o invocar os compromissos internacionais. O próximo Governo terá uma batalha jurídica pela frente. Ganhe a atual maioria PSD/CDS, ganhe o PS, será certo que, tendo em conta as diferentes opiniões, elas serão discutidas na praça pública. Se para alguns socialistas consultados pelo Observador, poderá haver uma interpretação que permita a continuação das medidas em vigor, para o PSD/CDS é certo que pelo menos as referidas pelo primeiro-ministro – corte nos salários e sobretaxa – caem por terra. Isso mesmo confirmou ao Observador o deputado Duarte Pacheco, responsável dos sociais-democratas na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República.

Há, no entanto, outra possibilidade que pode ser usada neste processo: os compromissos internacionais. Ou seja, apesar de estas medidas dependerem do Orçamento do Estado, o Governo assinou compromissos, como o Programa de Estabilidade (PE) e o Programa Nacional de Reformas, que podem servir de argumento para o futuro Governo, defende um dos ex-governantes ouvidos pelo Observador.

No caso da sobretaxa do IRS, o PEC 2015/2019, apresentado em Bruxelas, prevê a redução de 0,875 pontos percentuais no próximo ano. O mesmo documento prevê também a descida da contribuição sobre o setor energético em 2016.

Certo é que antes da realização do próximo Orçamento, o Governo que sair das eleições de outubro terá de se preocupar com a vigência destas medidas. E se esta é um problema financeiro, poderá ser também um problema político em plena campanha eleitoral. Como vão os partidos cumprir as regras e manter as promessas eleitorais? Vão assumir a necessidade de novos cortes? Poderão ter de fazer cortes na segunda metade de 2016 para responder a um resvalar das contas no início do ano?

Muitas perguntas e poucas respostas para já. O regime de duodécimos com as circunstâncias atuais levanta mais dúvidas legais e financeiras do que certezas.

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