O antigo vice-presidente da bancada do PSD, que foi sempre um dos maiores críticos de Rui Rio, assume publicamente que vai apoiar Paulo Rangel nas eleições internas porque tem uma “estratégia” inversa à de Rui Rio, que quis transformar o partido num “PS 2”. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, Miguel Morgado, que chegou a ponderar candidatar-se à liderança do PSD há dois anos — e desistiu por não conseguir as assinaturas, diz agora que “esse comboio já passou e não volta”.
Como tinha feito Paulo Rangel na apresentação da candidatura à liderança do PSD, Miguel Morgado pressiona o Presidente a marcar as legislativas mais tarde em caso de chumbo do Orçamento (no qual não acredita). “Evidentemente que podemos esperar dois ou três meses para levar a cabo eleições”, diz, acrescentado que foi um “disparate grosseiro” o Presidente da República ter dito que ia convocar eleições em janeiro.
Miguel Morgado, sem rodeios, agora que existem dois candidatos à liderança do PSD. Quem é que apoia: Rui Rio ou Paulo Rangel?
No meu caso acho que não é surpresa para ninguém se eu apoiar o candidato que se opõe ao atual presidente Rui Rio. Eu sempre tive esta divergência de fundo com Rui Rio, que era uma divergência estratégica, nem sequer era de estilo pessoal porque não dei muita importância a isso. Eu sempre me comprometi com o próprio Rui Rio que eu nunca o iria criticar por um mau momento televisivo ou um deslize mediático, a minha divergência era de fundo, era estratégica. Eu disse-lhe, na primeira reunião dele com o grupo parlamentar depois de tomar posse como presidente do partido, o que achava da opção estratégica dele, portanto, estes quatro anos, para mim, não foram surpresa. Eu achei que devia dar seis meses de benefício da dúvida à presidência de Rui Rio, portanto eu falei pela primeira vez publicamente em colisão frontal só em julho de 2018.
Foi um curto estado de graça…
Bom é que ele fez tantas coisas em seis meses a corroborar a minhas suspeitas e acusações iniciais que já não havia hipótese.
Mas apoia Rangel por oposição a Rui Rio?
Eu apoio Paulo Rangel por uma razão muito simples, porque ele disse ao que vinha a propor uma estratégia de posicionamento político que é inversa à de Rui Rio. Quer dizer, Rui Rio quis fazer do PSD uma espécie de partido sobresselente do PS. Quando o PS soçobrar, ou porque não tem apoio à esquerda ou porque não sei o quê, está lá PSD. Para fazer acordos com o PS, para gerar blocos centrais formais ou informais. Essa corrente está presente no PSD desde o início da sua fundação e Rui Rio e as pessoas mais próximas de Rui Rio representam essa subcorrente. Mas foi sempre muito minoritária, contra a qual se debateram homens como Sá Carneiro ou Cavaco Silva. A vocação do PSD, para mim, foi sempre outra: a de ser no seu interior uma grande agregação das várias sensibilidades políticas em Portugal não socialista.
Há ainda espaço para uma terceira figura que pudesse agregar essas correntes ou estes já as representam?
Rui Rio foi atrás, inspirados por alguns no PSD e outros fora, que o PSD devia proceder a uma espécie de depuração ideológica, que havia uma pureza social-democrata, que era esta de ser uma espécie de Partido Socialista 2, e que todos os outros não cabiam. Paulo Rangel vem propor o contrário, vem dizer que esta aqui para unir e para agregar, inclusivamente as pessoas que acham que o PSD até deve estar mais à esquerda e não tanto à direita. Eu sempre me revi num partido desses e sempre achei que o fardo de responsabilidade de um líder do PSD não é impor a sua visão particular ao resto do partido, mas sim ser ele o federador. Paulo Rangel apareceu assim.
Do centro-esquerda à direita-moderada?
Essas designações… não me revejo nada nisso. Sei que foi a formulação que Paulo Rangel utilizou mas eu não me revejo de todo. Eu prefiro falar da grande família que não é esquerdista, não é socialista e que, depois, na sua vida quotidiana, reflecte uma grande variedade de opiniões mas que podem ser mobilizadas em torno de dois grandes eixo: um do reformismo contra a estagnação socialista, agora alicerçada na geringonça. E dos valores europeus que fazem de Portugal um país integrante da União Europeia mas com uma ideia de futuro para o seu povo que é uma ideia de autonomia. E não de mergulho da diluição histórica num espaço europeu onde as nações desaparecem.
Luís Montenegro também tentou unir o PSD, o que é que Paulo Rangel tem que Luís Montenegro não tinha para conseguir vencer Rui Rio?
Luís Montenegro pôs-se fora da corrida, ele próprio tomou essa iniciativa de dizer que não se ia candidatar. Mas quanto a haver mais espaço para outras candidaturas: eu sempre disse que no PSD, que é um partido genuinamente democrático e popular, todas as pessoas que julgam ter um projeto político interessante para se apresentarem ao partido, devem apresentar-se. Eu não sou nada daquelas pessoas que têm horror a que haja muitas candidaturas.
Ainda não conseguiu as assinaturas para ir?
Eu não, mas isso foi há dois anos.
E agora já não tentou?
Não, não. Para mim, esse comboio já passou e não volta. Mas eu não sou nada contra haver mais candidaturas. Dá-me ideia que, a partir do momento em que Paulo Rangel articulou o seu posicionamento político e propôs ao país essa grande coligação do país não socialista para derrotar o PS, em contraponto com o projeto de Rui Rio, acho que fica ali completa a história do PSD.
Aceitaria vir a integrar a direção de Paulo Rangel no PSD?
Eu não vou fazer nenhuma consideração sobre isso, não faço ideia se aceitaria ou deixaria de aceitar, a sério. Nem quero estar a pensar nisso, tenho tanta coisa em que pensar, não vou agora pensar nisso.
E tem tido tempo para pensar na crise política que está a adensar-se se o Orçamento for chumbado na próximão a quarta-feira? Se fossem convocadas eleições antecipadas concorda que Rui Rio estaria melhor preparado para ser ele o candidato a essas eleições?
Não, não só não concordo como discordo radicalmente, categoricamente. Por isso mesmo é que eu apoio Paulo Rangel. Paulo Rangel é que me parece que esteja preparado, até pelo seu posicionamento político.
Mesmo que a coisa se precipite agora assim de repente?
Nós vivemos num regime constitucional e o Presidente da República que tem a prorrogativa de marcar a data das eleições tem de perceber que é o líder de um estado constitucional e não um estado de arbitrariedades em que agora há humores e assombros de pânico. O Presidente da República tem a oportunidade aqui de mostrar que é imparcial entre o PS e os opositores do PS, tem uma oportunidade de ouro e mostra-se de uma maneira muito simples.
Não tem demonstrado?
Nem sempre tem, nem sempre tem. E toda a gente sabe que tenho feito essas críticas ao Presidente da República ao longo dos anos e continuo a mantê-las, nada mudou no início deste segundo mandato. Mas o que estou a dizer é que o PR tem de dar igualdade de oportunidades para ir a eleições num ato tão solene, tão importante na vida do país que são eleições legislativas. Se houver uma crise política, e eu continuo a achar que não vai haver crise política, mas, enfim, fez-se este drama todo, temos de corresponder ao desafio. Se houver uma demissão de António Costa no resultado das negociações para o Orçamento não serem bem-sucedidas, o Presidente da República marcará as eleições, se entender deve dissolver a Assembleia da República, ele já disse que sim, nunca o tinha dito antes, mas agora disse imediatamente que dissolvia a AR, cometeu aquele deslize de dizer imediatamente que ia convocar eleições para janeiro. É um disparate grosseiro, agora já não fala em janeiro.
Mas evidentemente que podemos esperar dois ou três meses para levar a cabo eleições. Nós temos um precedente recente — ainda para mais com um Presidente da República que faleceu recentemente e foi homenageado pelo país, o Presidente Jorge Sampaio — em 2001 todos se recordam das eleições autárquicas que conduziram à demissão de António Guterres e o Presidente Jorge Sampaio convocou eleições, mas sem primeiro dar tempo ao PS para se organizar internamente, encontrar um novo líder que na altura foi Ferro Rodrigues, secretário-geral, deixar definir as equipas, o seu programa e ter tempo de fazer as listas de deputados do PS.
Se bem que aí foram as eleições antecipadas que precipitaram as mudanças, aí o calendário foi diferente.
Não foi não.
Jorge Sampaio só demorou 48 horas a ouvir partidos e depois dissolveu a AR e houve uma convenção do PS, não foi bem um congresso.
Certo, mas o ponto é este: António Guterres o facto político da crise ocorre a 16 de dezembro e há eleições a 17 de março e o país não morreu, não vacilou e, por acaso, estava a meio de uma crise financeira. Agora fala-se que é o Orçamento, mas no início da Geringonça tínhamos acabado de sair do programa de assistência [da Troika] e por causa da Geringonça não houve orçamento nos prazos normalmente previstos. Não houve orçamento aprovado em novembro e por incompetência de António Costa e Mário Centeno o esboço do orçamento foi chumbado em Bruxelas. Tivemos orçamento em abril de 2016, o país não morreu.
Mas há esta questão dos fundos comunitários que o Presidente levantou. É uma questão?
É uma questão, não há outra questão, infelizmente, na vida política do país. Isso é uma as coisas que eu condeno no estado de coisas a que chegámos, para o Presidente da República e o primeiro-ministro o país é fundos europeus, não há mais nada. Nós abdicámos totalmente da nossa autonomia, vivemos ligados a uma máquina europeia do ponto de vista financeiro, o país não converge, todos os outros países da Europa do leste nos ultrapassam em nível de vida, em nível salarial, o país vai empobrecendo há 25 anos. Não saímos disto, não inspira preocupações a ninguém, nem ao PR nem ao primeiro-ministro e depois há os fundos europeus e não há mais nada no país. Não há pensamento estratégico, não há nenhum entendimento sobre o que deve ser o nosso papel na construção europeia. Na verdade o sistema político português está-se nas tintas para os valores europeus. Ou há fundos ou não há fundos.
Não se esqueçam que ainda no último verão os fundos europeus foram todos pelo boeiro quando António Costa receou que por causa do veto de Viktor Orbán não haveria fundos europeus a tempo.
Quando António Costa fez a viagem à Hungria.
Foi o grande aliado da Polónia e da Hungria para retirar a questão da associação das questões do estado de direito à atribuição dos fundos europeus. Portanto, em Portugal é importante que só existe fundos europeus, não há mais nada, mas isso é um sintoma da nossa pobreza, da estagnação do nosso sistema político, não é algo que deva mobilizar o país e fazer sacrificar uma coisa tão importante como é a escolha pelo povo português de quem deve ser o próximo governo porque ficamos dois meses em que a execução dos fundos europeus.
E vale a pena dizer isso porque sei que é o grande argumento de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, o país tem por executar nove mil milhões de euros do anterior quadro comunitário de apoio e já vai entrar o próximo. Mais o programa de resiliência. Portugal está cheio de dinheiro a cair todos os dias dos fundos europeus.
Deixe-me só voltar um pouco atrás. Tem insistido, disse no Linhas Vermelhas e voltou agora a dizê-lo, que não há nenhuma crise política”. É isso que têm dito os críticos de Rio. Agora, se existir mesmo, não será uma vitória para Rio?
Nunca disse que não havia uma crise política e os críticos de Rui Rio não sei quem são, não sei quem é que negou que haveria uma crise política. O que eu digo é que há uma encenação, mas há uma encenação há seis ou sete anos. Em crise política estamos desde que existe Geringonça.
Mas disse que não nenhuma crise política.
Não, disse que havia uma encenação. É um teatro que se faz e disso não tenho dúvida nenhuma. Este teatro pode ter encontrado um limite agora. Pode ser. Eu, por acaso, até acho que isto se vai resolver, víamos os Conselhos de Ministros a aprovar coisas à pressa, não é porque acham que as negociações estão mortas, senão não havia a aprovação destas medidas que são danosas para o país, ainda por cima, só para garantir que BE e PCP têm uma saída airosa. Agora, o que acho que é importante é quem é o responsável por vivermos ano após ano estas permanentes encenações, é António Costa. António Costa quis fechar o país junto com a esquerda radical, convertê-los em partidos moderados, atribuindo o radicalismo político ao PSD e ao CDS.
Mas a pergunta é se esta crise política, a acontecer, não será uma vitória para Rui Rio.
Mas porquê?
Pelo menos como analista político.
Rui Rio perdeu o Conselho Nacional, na altura não estava a falar em crise política, queria definir os calendários dele como ele os entendia, por acaso até era para antecipar o calendário eleitoral. Quando tem essa enorme derrota no Conselho Nacional, de que não estava à espera, e é uma enorme derrota porque estava a jogar em casa, agarrou-se como a última tábua de salvação a esta questão da crise política. As coisas resolvem-se muito simplesmente: a ideia é adiar eleições? Não, fazem-se as eleições como estava previsto, o PR convocará eleições para março, fevereiro e o calendário do PSD cumpre-se normalmente, ganha aquele que recolher mais votos dos militantes e eles formarão as suas equipas e irão a votos apresentar os seus argumentos junto do povo português. Mas há uma coisa que é preciso dizer, não há nada a esperar de Rui Rio, é presidente do PSD há quatro anos, fez todas as eleições do ciclo constitucional português. Foi a eleições legislativas há dois anos, sabemos o que é Rui Rio. Vai haver alguma mudança? Não. Ora, para mim, isso é estagnação do PSD. E acho que o país e o PSD precisa de uma mudança e essa mudança, neste caso, é protagonizada pela candidatura de Paulo Rangel e a partir daí a resposta direta à minha pergunta é que quem está mais bem preparado a ir a eleições e ser primeiro-ministro de Portugal é Paulo Rangel e não Rui Rio.
Uma dessas eleições foram as autárquicas que ocorreram agora e que levaram Carlos Moedas à Câmara de Lisboa. É amigo de Carlos Moedas e disse: “Aquela vitória é de Carlos Moedas. Ela não é partilhável, nem sequer com as pessoas que estavam à volta de Rui Rio”. Afinal no que é que o presidente do partido falhou à candidatura de Carlos Moedas?
Como deve imaginar, eu não me sinto em liberdade para revelar na Rádio Observador tudo o que se passou durante aqueles meses até à data das eleições. Mas posso dizer uma coisa que todos vocês sabem: os partidos da área do PSD que concorreram também em Lisboa fizeram campanha explicitamente para aliciar o eleitorado do PSD, dizer isto: se votarem no Carlos Moedas e o Moedas tiver uma boa votação, Rui Rio permanece no PSD, logo não votem. Ora, um partido só pode dizer isto se achar que o eleitorado do PSD é sensível a este argumento. Quer dizer que uma coisa é Carlos Moedas, outra coisa é Rui Rio. Posso dizer sem grande risco de errar que Moedas ganhou apesar de Rui Rio e, tendo em conta, que Rio é o responsável político da grande fragmentação partidária que houve na nossa área política desde 2018 até hoje: a formação do Chega e o reforço da Iniciativa Liberal. Posso dizer que, se calhar, Moedas teria tido um melhor resultado se a liderança do PSD fosse outra.
Se não houve apoio do líder do PSD a Carlos Moedas como referiu porque é que o presidente da câmara de Lisboa vai ficar neutro nestas eleições? Por cordialidade?
É uma cordialidade. Alguns presidentes da câmara do PSD no passado acham que devem seguir este dever de imparcialidade entre um presidente incumbente…
No íntimo, já que é amigo dele, acha que Carlos Moedas apoia Paulo Rangel?
Sobre a intimidade do Carlos Moedas responde ele, não respondo eu. O que posso dizer é que existe este protocolo entre muita gente no PSD que acha que, quando as eleições são entre um presidente em funções que enfrenta um opositor, como é o caso agora. Em 2018, nem Santana nem Rio eram presidentes e, nesse caso, Carlos Moedas apoiaria um deles. Neste caso, Carlos Moedas sente um dever de neutralidade externo, precisamente por terem sido candidatos, vencedores, quando Rui Rio era presidente. Para todos os efeitos ainda vai ser presidente até ao próximo Congresso e o próximo presidente tomar posse. Estas pessoas consideram que devem manter a sua neutralidade e eu, certamente, não vou intervir nessas decisões do Carlos Moedas. Isso é lá com ele.
Falava na neutralidade. É difícil para o PSD ser neutro relativamente ao Chega. Como olha para a forma como Paulo Rangel excluiu o Chega de acordos de Governo?
O PSD deve candidatar-se com um programa próprio, de alternativa ao PS, um programa para governar de acordo com a sua vocação reformista e, portanto, por oposição à gestão do poder e de esmagamento da sociedade civil que o PS leva a cabo com a geringonça. Isso quer dizer o quê? Que nós temos um programa, uns princípios, uns valores. Quem se quiser juntar a esses valores, o PSD tem de estar aberto a essas pessoas. Quem não quiser, que parece que tem sido o caminho de André Ventura e do Chega, desde que se fundou, em que se tem tornado num aliado objetivo do PS.
É a linha de esperar por uma aproximação do Chega?
Não é do Chega. É de toda a gente. Porque não é uma questão partidário é de projeto reformista para o país.
Mas Paulo Rangel excluiu o Chega.
De coligações. Acho que não nenhuma condição para fazer coligações.
O que é feito da coligação nos Açores se Paulo Rangel for eleito líder do PSD?
Não há coligação com o Chega nos Açores.
Há um acordo.
Um acordo parlamentar porque era a única maneira de viabilizar um Governo.
Então vale tudo? Vale isso?
Como houve com a Iniciativa Liberal? Acho que sim.
Um acordo parlamentar é uma coisa que é possível.
Eu não faço ideia do que vai acontecer no futuro. A única coisa que o PSD pode decidir nesta fase é se há uma coligação pré-eleitoral para disputar eleições.
Mas também terá de dizer aos eleitores.
Como António Costa disse no verão antes da geringonça? Que disse zero da geringonça.
E que o PSD criticou.
E devia ter criticado mais, a meu ver. O que eu digo é: sobre coligações pré-eleitorais está completamente fora de causa. André Ventura e o Chega têm-se comportado mais como aliados do PS. O importante é o PSD reconstruir-se.