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Há alterações, mas são subtis. O Ministério da Educação aceitou que o tempo que os futuros professores passam em estágios curriculares seja revertido em tempo de serviço. Esta era uma das exigências dos sindicatos e que a equipa do ministro João Costa já aceitou alterar no diploma que está a ser discutido com os professores, segundo a nova proposta do Governo a que o Observador teve acesso. No entanto, depois de ouvir vários dirigentes sindicais fica claro que um acordo sobre a formação de professores está longe de ser alcançado.
Esta terça-feira é a segunda vez, neste ano letivo, que Ministério da Educação e sindicatos de professores se sentam à mesa de negociações. Tal como na semana passada, quando o Governo apresentou as mudanças que pretende fazer ao diploma que define quem pode ser professor, as reuniões irão ocupar toda a manhã e boa parte da tarde. Os professores, que logo na primeira reunião apresentaram dúvidas e contrapropostas, irão oficializá-las com a entrega de documentos onde detalham as suas posições. A Fenprof, por exemplo, irá entregar um parecer, feito depois de ouvidos diversos académicos ligados à formação de docentes. Do lado do Ministério da Educação, será apresentada uma segunda versão do diploma, integrando alguns dos pontos de vista dos professores.
Na primeira versão do Governo, que altera o Decreto Lei n.º 79/2014, e a que o Observador teve acesso, são feitas alterações em 12 dos 33 artigos, além de serem feitos dois aditamentos. As mudanças mais significativas estão ligadas com o novo perfil de quem pode candidatar-se a um mestrado de ensino, essencial para dar aulas, e com as novas regras para professores estagiários.
A crítica geral, apontada por todas as organizações sindicais, é que o atual diploma tenta resolver a falta de professores nas escolas, em vez de fazer as alterações necessárias à formação dos docentes. “Mais do que elevar o nível de formação dos professores, o ministério está preocupado em resolver rapidamente a falta de professores nas escolas, mesmo que isso ponha em causa o nível e a qualidade da formação”, acusou Mário Nogueira, líder da Fenprof.
Em 7 pontos perceba o que está em causa: quais são as propostas do Governo, o que querem os professores e onde há flexibilidade para mudar.
Licenciatura em Educação Básica deixa de ser requisito obrigatório
O diploma que está em discussão define quem pode ser professor. Até à data, os professores com habilitação profissional são todos aqueles que têm grau de mestre na área de ensino em que vão dar aulas. Por exemplo, quem dá aulas de Português no 3.º ciclo e no secundário precisa de ter obrigatoriamente 120 créditos em Português. Se for professor de Matemática, tem de ter os mesmos 120 créditos nessa disciplina.
O que muda? Na proposta do Governo, a palavra “apenas” desaparece de duas alíneas do artigo 18.º, aquele que define as condições específicas para quem quer fazer um mestrado de ensino. Por exemplo, apenas quem tinha a licenciatura em Educação Básica podia fazer o mestrado de ensino para ser educador do pré-escolar ou professor do 1.º ciclo. Agora, deverá deixar de ser assim.
- O que dizem os professores
No parecer assinado por Mário Nogueira, enviado ao gabinete de João Costa e a que o Observador teve acesso, considera-se que o desaparecimento da palavra não é um acaso, mas antes uma tentativa de criar condições, “decerto pretendidas pelo Ministério da Educação, para que surjam candidatos não titulares da licenciatura em Educação Básica”.
Lembrando que é a primeira vez que tal acontece em relação à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo, a Fenprof considera-a “um forte retrocesso” na formação destes docentes. Em relação aos restantes ciclos de ensino, houve situações idênticas no passado, quando não havia mestrados específicos: a profissionalização era feita depois de se estar a ensinar. “Hoje, quem chega ao ensino sem habilitação profissional é porque, nas opções que fez para acesso ao ensino superior, assumidamente, não quis ser professor”, escreve Mário Nogueira.
Professores não profissionais, mestres e doutorados com estágios mais curtos
O estágio dos professores — a chamada iniciação à prática profissional — sofre várias mudanças. Desde logo, abre-se a porta a que alguns grupos possam fazer o estágio em menos tempo, como é o caso de professores não profissionalizados (com habilitação própria), dos mestres e doutorados noutras áreas científicas que não a educação.
Os primeiros são os professores que já dão aulas há mais de quatro anos e que não têm mestrado de ensino. Estes apenas chegam às salas de aulas através de contratação de escolas, não podem entrar na carreira, e são vistos pelos diretores como docentes menos qualificados. A sugestão do Governo é que, caso se candidatem a um mestrado de ensino (no final passam a ser professores profissionalizados), não tenham de estagiar. Em alternativa, terão de fazer um relatório — comparável ao relatório de estágio — em que explanam o que fizeram ao longo dos quatro anos em que deram aulas. Atualmente era possível fazê-lo, mas apenas ao fim de seis anos nas escolas. Os termos desse relatório e o seu processo de avaliação serão fixados por despacho do Governo.
A outra exceção é para quem já tenha mestrado ou doutoramento numa área científica relacionada com a disciplina que irá lecionar. Nestes casos, o estágio fica reduzido a metade, ou seja, um semestre em vez de dois.
- O que dizem os professores
Na FNE, o secretário-geral considera que a qualidade da formação de professores não está assegurada e alerta para a abertura de “vias com velocidade diferente” para quem quer ser professor, “mecanismos que facilitam” a entrada de alguns para a carreira de professores. Além disso, Pedro Barreiros considera que o Ministério da Educação tentou “resolver o seu problema de falta de professores”, mas não tentou resolver os problemas dos docentes.
Outra questão levantada, apontada por Júlia Azevedo do SIPE, é perceber de onde vão sair as vagas para estes estágios.
Mário Nogueira diz que a Fenprof discorda da entrega do relatório pelos professores com habilitação própria em vez do estágio, uma vez que “essa experiência de 4 anos não foi acompanhada”, discordando também que o grau de mestre ou doutor em área científica seja, por si só, requisito para que a prática de ensino supervisionada seja reduzida a um semestre. “A questão que se coloca é se um grau académico acrescido em área científica gera competências no plano pedagógico e da prática de ensino.”
Estágios passam a ser remunerados (e, afinal, contam para tempo de serviço)
Os estágios profissionais dos professores já foram, em tempos, remunerados. Foi durante o mandato de um outro Governo PS (liderado por José Sócrates, com Maria de Lurdes Rodrigues na Educação) que deixaram de o ser. O diploma agora apresentado prevê que os futuros professores voltem a ser pagos, segundo o índice 167, o primeiro escalão da carreira docente (1.605 euros brutos). A proposta da equipa de João Costa é que lhes sejam atribuídos horários de 12 horas de componente letiva (tempo passado em sala de aula), o que corresponde a 802 euros brutos.
Para quem tem licenciatura ou mestrado noutra área científica, os estágios podem ser de horário completo (22 ou 25 horas), e terão duração de um semestre. Com os universitários que chegam às escolas será assinado um contrato de estágio e não um contrato de trabalho.
- Onde o Governo pode ceder
Nas alterações enviadas aos sindicatos, há uma primeira alteração. O tempo de serviço prestado ao abrigo do contrato de estágio releva para todos os efeitos legais — isto é, conta para efeitos de carreira —, uma reivindicação de todos os sindicatos
Por outro lado, o novo documento do Ministério da Educação prevê que a atribuição destes estágios não pode originar insuficiência ou inexistência de componente letiva dos professores dos quadros das escolas.
- O que dizem os professores
No parecer da Fenprof, Mário Nogueira lança uma questão: “Como se compagina essa duração dos estágios com a atribuição de horários de 12 horas ou completos em escolas? Ao fim de um semestre os alunos ficam sem professor ou o estagiário deixa de o ser para passar a ser professor das turmas em que estagiou? Haverá nessa altura a celebração de um contrato de trabalho a termo resolutivo para o semestre seguinte?”
A Fenprof é também contra o tipo de vínculo que vai ser assinado, considerando que os futuros docentes deveriam ser considerados professores-estagiários com contrato de trabalho.
Tal como na SIPE e na FNE, também na Fenprof fica uma questão no ar: como serão apurados os horários para os estagiários? “Ao esclarecer que estes horários não irão provocar insuficiência ou inexistência de horários (horários-zero) está a reconhecer-se, implicitamente, que irão retirar muitas horas das diversas modalidades dos concursos, com prejuízo para os professores que se encontram “desterrados” e pretendem aproximar-se da área de residência”, ou para os que se candidatam à mobilidade interna, incluindo os docentes dos quadros de zona pedagógica (QZP).
Pedro Barreiros congratula-se com as alterações feitas pelo Ministério da Educação, reivindicações que tinha apresentado na reunião anterior. “É positivo que o tempo de estágio conte para tempo de serviço quando os professores vão a concurso e para efeito de carreiras, mas há outro aspeto importante: a remuneração.”
Para o líder da FNE, os estagiários devem receber a totalidade do ordenado previsto e não apenas o proporcional a 12 horas de trabalho. “Há muitas horas de preparação para as aulas, mais ainda quando se está a começar, que não podem ser ignoradas. Além disso, nada garante que a vaga de estágio seja na mesma área em que está a ser feito o curso superior. Nesse caso, há deslocações e despesas com o estágio que têm de ser consideradas”, refere Pedro Barreiros.
Estágios já podem ser feitos em creches e jardins de infância
Creches e jardins de infância passam a poder receber estagiários. Com a lei atual, os estágios apenas podiam ser feitos em salas de aulas a partir do 1.º ano do ensino básico.
- O que dizem os professores
Para Júlia Azevedo a medida é positiva, mas falta-lhe algo: “O tempo que é passado nestes estágios em creches e jardins de infância devem ser contados para efeito de carreira, tal como irá acontecer com os outros estágios.”
Créditos de didáticas caem, horas de estágio sobem
As estruturas curriculares dos mestrados também mudam. Em todos eles, a começar nos mestrados em educação pré-escolar, passam a ser precisos mais créditos na prática de ensino supervisionada (aulas vigiadas) e na iniciação à prática profissional (estágios). Em contrapartida, nos graus de mestre para futuros professores de 3.º ciclo e de secundário, o número de tempo dedicado à área da docência (ou seja, as didáticas da disciplina que o professor vai lecionar) é reduzida.
Na primeira versão do documento, é cortada para metade, passando de 18 para 9 créditos, enquanto os estágios sobem de 42 para 60 créditos. Os créditos da área educacional específica ficam pela metade, também caindo de 18 para 9.
- Onde o Governo pode ceder
Na segunda versão com as alterações ao DL 79/2014, há um meio termo. O corte não é tão grande e os créditos dedicados à área da docência passam de 18 para 12 (em vez de 9).
- O que dizem os professores
A Fenprof alerta que, apesar de o número mínimo de créditos de formação aumentar, isso não impede uma redução das áreas de docência e educacional geral. “A área de docência é reduzida num terço e a educacional geral em 50%”, lê-se no parecer da confederação de sindicatos.
Júlia Azevedo aplaude a mudança na segunda versão do ministério, mas não a considera suficiente.
Redução de créditos para “casar” com diploma do Ensino Superior
Para concluir o grau de mestre, há requisitos mínimos de formação que é preciso cumprir para se poder ser professor de um determinado grupo de recrutamento (grupos onde os docentes estão organizados por disciplinas). Em 10 dos 32 grupos, a maioria deles de disciplinas do 3.º ciclo e do secundário, os créditos mínimos caem de 120 para 90 créditos.
- O que dizem os professores
Há duas explicações para esta mexida nos créditos. Pedro Barreiros esclarece que o argumento do Ministério da Educação foi a de que os cursos mudaram. Assim, um curso de química, por exemplo, terá hoje muitas mais horas de química do que no passado, o que leva a que a exigência de créditos seja menor.
Já Júlia Azevedo diz que a expressão usada na reunião foi que esta redução de créditos irá “casar” com um outro diploma, a ser preparado no Ministério do Ensino Superior, que irá reduzir os créditos exigidos nos graus de mestre.
Qualquer uma das três estruturas sindicais está em desacordo com a redução do número de créditos.
“Presença” do orientador de estágio passa a ser “acompanhamento”
Para os professores que acompanham os estagiários e para as escolas que os recebem, também há mudanças. No artigo 22.º, onde se clarificam as condições para que os estágios possam ser feitos nas chamadas escolas cooperantes, na alínea e) — onde antes se lia que o ensino supervisionado é feito na presença do orientador — passa-se a ler-se que este tem de ser feito com o “acompanhamento do orientador”.
Para os orientadores, prevê-se uma redução do tempo letivo: na versão inicial, havia uma hora para acompanhar o estudante, a que se somava mais uma hora por cada estágio adicional, até ao limite de quatro horas.
Outra novidade, é que os orientadores podem acumular funções docentes no estabelecimento de ensino superior (sejam quais forem as suas horas de componente letiva) até ao limite de seis horas letivas semanais ou 150 anuais.
- Onde o Governo pode ceder
Na versão mais recente, aumenta-se a redução do tempo letivo para os orientadores de estágio. Passa a ser de três horas para acompanhar o estudante, a que se soma uma hora por cada estudante adicional, até ao limite de seis horas.
- O que dizem os professores
A diferença entre “presença” e “acompanhamento” é para Pedro Barreiros uma questão de linguística, “uma área que o senhor ministro tanto gosta”, ironiza o líder da FNE. “Esta alterações semânticas deixam-nos sempre preocupados com a intenção que está por trás. O que se vê é que há uma tentativa de tentar resolver um problema com o recurso a estágios mal remunerados, que irão assumir turmas, disfarçando, no arranque do ano letivo, a falta de professores.”
Em qualquer um dos sindicatos, o aumento da redução da componente letiva é bem recebido, mas é visto como insuficiente. “Deveriam ser três horas por cada estagiário”, defende Júlia Azevedo.
Na Fenprof, Mário Nogueira considera as horas de redução insuficientes e tem uma contraproposta: uma redução base de 4 horas que deverá aumentar nesse número por cada estagiário, e estes deverão ser no máximo três.