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IGOR MARTINS / OBSERVADOR

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Ministra da Saúde aprova planos de autonomia para 42 hospitais. A seguir vai escrutinar "lideranças fracas"

Ana Paula Martins aprovou os Planos de Desenvolvimentos Organizacionais de 42 hospitais, um instrumento que facilita contratações e investimentos. Mas que não resolverá falta de médicos nas urgências.

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Sete meses depois do início do ano, e em pleno agosto, os hospitais do SNS já podem fazer contratações sem terem de pedir autorização à tutela. A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, aprovou, na semana passada, os 42 Planos de Desenvolvimento Organizacionais (PDO) dos hospitais para o ano de 2024, revelou ao Observador o gabinete da governante. Com esta aprovação, os administradores hospitalares ganham uma maior autonomia na gestão de unidades que, nalguns casos, movimentam centenas de milhões de euros por ano. No entanto, os PDO pouca ou nenhuma diferença farão na resolução da falta de médicos nas urgências hospitalares, que se agravou nos últimos dias — provocando o encerramento de vários serviços, sobretudo na área da Obstetrícia.

Metade das urgências de Obstetrícia na região de Lisboa vão encerrar este fim de semana. “Cada verão será pior”, avisam médicos

Os PDO deveriam ter sido analisados e aprovados no início do ano mas a anterior Direção-Executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, não avançou com o processo, pelo que toda a análise foi feita já pela equipa de Gandra D’Almeida, que iniciou funções em meados de junho.

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No terreno, os administradores hospitalares aplaudem a aprovação dos Planos de Desenvolvimentos Organizacionais, mas pedem que, em 2025, a luz verde chegue mais cedo, de preferência até antes do início do ano. “A aprovação é um facto positivo, que deveria ter sido feita no início do ano ou no final de 2023“, sublinha o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, apelando à tutela que, no próximo ano, conceda aos hospitais um maior grau de autonomia logo a partir de janeiro.

“Isto funciona para nós como o Orçamento de Estado”. Gestores aplaudem aprovação

Também os presidentes dos conselhos de administração das Unidades Locais de Saúde saúdam a aprovação dos documentos. “É fundamental para podermos começar a funcionar. Até aqui as questões de admissão de pessoal, as questões financeiras, as questões do planeamento dos investimentos estavam todas bloqueadas”, sublinha o presidente da ULS do Tâmega e Sousa, Henrique Capelas. “Isto funciona para nós como o Orçamento de Estado“, compara.

"A aprovação é um facto positivo, que deveria ter sido feito no início do ano ou no final de 2023"
Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores hospitalares

“Apesar do momento tardio no ano, é muito importante termos esta aprovação do PDO”, reitera o presidente da ULS Amadora-Sintra, Luís Miguel Gouveia.

Cabe à Direção Executiva do SNS a análise dos Planos de Desenvolvimentos Organizacionais, que os hospitais enviam no final de cada ano à Administração Central do Sistema de Saúde. Depois de analisados e discutidos com as unidades, cabe ao ministro da Saúde aprovar os PDO.

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Nestes documentos, são analisadas quatro vertentes: desempenho assistencial; desempenho económico-financeiro; recursos humanos e plano de investimento. No fundo, os hospitais fazem uma estimativa dos profissionais que esperam contratar, dos investimentos que querem fazer (com a despesa respetiva associada), dos gastos que esperam ter, das orientações estratégicas que vão nortear o ano, onde se incluem algumas das medidas operacionais e respetivo impacto.

Finanças só aprovaram metade dos orçamentos dos hospitais e fizeram cortes

Aprovados 42 PDO para hospitais e IPO de todo o país

Depois de analisados, os PDO sofrem alterações decorrentes da negociação com a tutela. No ano passado, por exemplo, os administradores hospitalares queixavam-se que, a meio do ano, só metade dos Planos tinham sido aprovados — e com cortes significativos de despesa impostos pelo Ministério das Finanças.

Este ano, o cenário é mais positivo, uma vez que todos os 42 PDO (das 39 Unidades Locais de Saúde e dos 3 Institutos Portugueses de Oncologia do país) foram aprovados, ainda que com limitações. “O governo pediu um ajustamento nas propostas de contratação de recursos humanos e foram as propostas reformuladas que foram aprovadas nos PDO”, detalha Xavier Barreto, acrescentando que, nalguns casos, foi pedido aos hospitais que “reduzissem os quadros de recursos humanos propostos, de modo a ajustá-los ao teto de despesa previsto”.

Com os PDO, os hospitais passam a ter autonomia para contratar, de uma forma mais célere e sem necessidade de receberem autorização do governo, os recursos humanos de que precisam. Contratações que, sem estes planos, chegam a demorar semanas ou meses, realça o presidente da Associação de Administradores Hospitalares. “Em muitos casos, as autorizações não chegavam a tempo das nossas necessidades. Agora, podemos contratar pessoas de todas as categorias profissionais, inclusive médicos”, mas também enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos superiores, assistentes técnicos, entre outros.

“Este passo é muito importante para avançarmos com a contratação de recursos humanos e fazermos ainda mais e melhor”, realça a presidente da ULS Almada-Seixal, Teresa Luciano, que espera agora avançar com o reforço de pessoal em várias áreas, nomeadamente no Hospital Garcia de Orta. Na outra margem do Tejo, o presidente da ULS Amadora-Sintra realça a importância do Plano para o novo Hospital de proximidade de Sintra, que se espera que venha, a partir do outono, retirar pressão ao Fernando da Fonseca. “No que diz respeito ao quadro de pessoal, antes do PDO apenas podíamos fazer as substituições de quem saía da unidade. Agora, temos aprovada a contratação de 839 recursos humanos, incluindo aqueles que vão ser afetos ao novo Hospital de Sintra e já iniciámos os processos de recrutamento”, revela Luís Miguel Gouveia.

Aprovação dos PDO não vai melhorar situação das urgências, admitem gestores

No entanto, Xavier Barreto não acredita que a aprovação dos PDO, nesta fase do ano, venha a fazer a diferença no funcionamento das urgências hospitalares, que se debatem com a falta de médicos para preencherem as escalas. Ainda que os hospitais tenham necessidade e vontade de contratar médicos especialistas, e mesmo com ‘via aberta’ da parte da tutela para o fazerem, o problema é a falta de clínicos disponíveis para trabalharem no SNS e, sobretudo, em contexto de serviço de urgência, diz o responsável.

O presidente da Associação Portuguesa de Administradores hospitalares diz que a falta de médicos nas urgências se vai manter, mesmo com os PDO

Rui Oliveira/Observador

“No caso das urgências, em alguns casos, a autonomia pode ajudar. Mas não me parece que vá ter impacto [nas urgências]. O problema está relacionado com a falta de médicos, que não estão disponíveis, sobretudo nas especialidades mais carenciadas”, realça Xavier Barreto, frisando que os hospitais não podem alterar as condições de contratação estabelecidas à partida pela tutela. “Não temos autonomia para definir incentivos associados ao desempenho e melhores condições remuneratórias“, lamenta o responsável, admitindo que isso “talvez fizesse a diferença” e ajudasse a resolver de forma mais rápida a falta de especialistas nos serviços de urgência, problema que tem afetado nas últimas semanas e particularmente nos últimos dias a resposta às mulheres e crianças, nos serviços de urgência de Obstetrícia e Pediatria, respetivamente.

“O PDO facilita muito mais a contratação de outras categorias profissionais, em que temos grandes necessidades, como os enfermeiros, os técnicos de diagnóstico, ou os assistentes operacionais. Em relação aos médicos, o problema é a falta deles”, sublinha o presidente da ULS do Tâmega e Sousa, Henrique Capelas. Uma opinião também partilhada por Teresa Luciano. “Por aí não fará a diferença”, admite a responsável pela ULS Almada-Seixal.

Teto dos investimentos baixa mas hospitais poderão programar a médio prazo

Já na área dos investimentos (em equipamentos, reabilitação de espaços, entre outros), os hospitais poderão ficar com uma margem de manobra mais limitada. Até à aprovação dos PDO todas as despesas até 5% do capital social de cada unidade tinham de passar no crivo da Direção Executiva, a que se juntava a avaliação do Ministério das Finanças. Agora, o cenário é diferente: todos os investimentos previstos, com um valor até 500 mil euros, podem ser executados pelas Unidades Locais de Saúde e IPO de forma autónoma.

Dificuldades na contratação de médicos e falta de pessoal marcam primeiros meses das Unidades Locais de Saúde nos grandes hospitais

Uma alteração que os administradores hospitalares esperam que não seja um obstáculo ao investimento. “Na maior parte dos casos, o que tínhamos era um limiar superior aos 500 mil euros definidos agora. Reconheço que esta nova regra poderá teoricamente ser um obstáculo, se a Direção Executiva for morosa na avaliação dos investimentos“, admite Xavier Barreto, acrescentando, no entanto, que tem a convicção de que a entidade liderada pelo tenente-coronel médico António Gandra D’Almeida seja “antes um acelerador da realização desse investimento”. “Não tem de ser um obstáculo ao investimento, se a Direção Executiva avaliar os pedidos e os aprovar com brevidade”, reforça.

"[O PDO] aumenta a nossa autonomia. Antes as autorizações eram mais complexas e os pedidos de investimento demoravam meses a serem aprovados"
Henrique Capelas, presidente da ULS do Tâmega e Sousa

“Os 500 mil são um valor razoável, o que se passa é que a partir desse valor os investimentos estão condicionados a um parecer prévio da Direção Executiva, o que faz sentido. De facto, aumenta a nossa autonomia. Antes as autorizações eram mais complexas e os pedidos de investimento demoravam meses a serem aprovados“, lembra Henrique Capelas, da ULS do Tâmega e Sousa.

Ao Observador, o gabinete da ministra da Saúde admite a limitação no valor mas ressalva que “isto ocorre, sem prejuízo de, em simultâneo, serem avaliados igualmente todos os investimentos plurianuais que tenham execução em 2025 e 2026, desgastando os valores a aprovar nos planos de investimentos dos anos seguintes”. Ou seja, com os PDO, reduz-se o limite máximo do valor dos investimentos feitos de forma autónoma mas, por outro lado, os hospitais podem planear investimentos a longo prazo, o que não acontecia. Uma mudança sublinhada pela presidente da ULS Almada-Seixal. “Muitas vezes, temos de fazer concursos só de um ano. Os PDO vêm ajudar neste sentido, para podermos fazer concursos plurianuais, nomeadamente de medicamentos ou contratos de manutenção de medicamentos”, realça Teresa Luciano.

Subfinanciamento. Administradores dizem que hospitais continuarão a “acumular dívida”

Os hospitais têm também de estimar, nos Planos de Desenvolvimento Organizacional, qual será o seu desempenho económico-financeiro e assistencial no próximo ano. Estes são tópicos analisados ao detalhe pela Direção Executiva, uma vez que o objetivo é que as unidades sejam cada vez mais eficientes com os recursos que têm disponíveis. Recursos que, critica Xavier Barreto, são insuficientes.

Hospital Garcia de Orta

PDO vai permitir planeamento a vários anos, destaca a presidente da ULS Almada-Seixal, que inclui o Hospital Garcia de Orta (na imagem)

MÁRIO CRUZ/LUSA

“O financiamento não tem sido suficiente, isso mantém-se e as previsões têm de ter resultados negativos. Praticamente todos os hospitais têm resultados líquidos francamente negativos porque o financiamento dado pelo Estado não tem acompanhado o aumento da despesa em todas as áreas”, incluindo com recursos humanos e nos bens e serviços, aponta o presidente da APAH. Xavier Barreto adianta que, na semana passada, a tutela enviou aos hospitais uma previsão de enquadramento orçamental da despesa em saúde para 2025 — e que limita a 3% o aumento da despesa com pessoal e a 4% a despesa para bens e serviços. Um valor “curto”, aponta Xavier Barreto, tendo em conta as negociações em curso com enfermeiros e médicos e o aumento dos gastos com medicamentos. “Desta forma, os hospitais vão continuar a acumular dívida”, diz.

Administradores hospitalares defendem autonomia após ministra anunciar auditoria

A aprovação dos PDO, em que o novo diretor-executivo do SNS se empenhou ao longo das últimas semanas, surge numa altura em que o Ministério da Saúde quer aumentar o escrutínio sobre as administrações das ULS. Em meados de junho, a ministra da Saúde anunciou a criação de uma comissão para auditar os conselhos de administração dos hospitais. Na Assembleia da República, Ana Paula Martins garantiu que a medida não visava hostilizar os conselhos de administração, mas “apoiá-los e ajudá-los a cumprir a sua missão”.

A ministra considerou também que as lideranças em saúde são “fracas”. “Tem de haver escrutínio, tem de haver avaliação de desempenho para os gestores”, disse Ana Paula Martins. Xavier Barreto respondia, por essa altura, que, para auditar o trabalho dos gestores hospitalares, teria de ser dada autonomia às unidades. Autonomia que surge agora, com a aprovação dos Planos de Desenvolvimento Organizacional. “Não temos medo do escrutínio, que tem de ser feito quando é dada autonomia e ferramentas para gerir os hospitais, que não tínhamos até agora”, reafirma o presidente da APAH.

Há meses que as Unidades Locais de Saúde esperavam pela aprovação dos documentos. Xavier Barreto admite que o processo se atrasou devido à crise política, que conduziu a eleições legislativas antecipadas e à mudança de governo e elogia a atual equipa da Direção Executiva do SNS. “Saudamos o facto de a nova Direção Executiva ter olhado para este tema como uma prioridade e ter feito pressão para que os PDO fossem aprovados num prazo rápido”.

O Observador sabe que foi o próprio diretor-executivo do SNS, Gandra D’Almeida, a chamar a si este assunto e fez avançar a análise dos PDO, processo que estave parado durante o mandato da anterior equipa da DE-SNS, liderada por Fernando Araújo.

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