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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro (D), agradeceu hoje durante uma conferência às populações e à estrutura de Proteção Civil pela forma como têm enfrentado os incêndios dos últimos dias e anunciou o cancelamento da sua deslocação a Espanha na quarta-feira, na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Oeiras, 16 de setembro de 2024. O Governo vai prolongar a declaração de situação de alerta até ao final do dia de quinta-feira, face às previsões meteorológicas, adiantou hoje o comandante nacional da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. TIAGO PETINGA/LUSA
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Marcelo e Montenegro

TIAGO PETINGA/LUSA

Marcelo e Montenegro

TIAGO PETINGA/LUSA

Montenegro e Marcelo: uma relação de distâncias e de aproximações

Nos momentos de crise, a dupla tem funcionado, mas o Presidente não vai escondendo desconforto com Montenegro, o "solitário" e "sobrevivente" que vai deixando Belém à margem das decisões importantes.

“Não imaginam como é difícil adaptar-me a um novo primeiro-ministro”. Esta frase de Marcelo Rebelo de Sousa, atirada durante um jantar com jornalistas estrangeiros a viver em Portugal, ainda em abril, acabou por ser engolida por tudo o resto que o Presidente da República revelou nesse encontro. O corte de relações com o filho, o “maquiavélico” plano de Lucília Gago à frente da PGR e as referências ao “oriental” António Costa e ao “rural embora urbanizado” sucessor, todas estas ideias atiraram para segundo plano um igualmente relevante desabafo de Marcelo: o desconforto latente com o novo inquilino de São Bento.

A coabitação entre Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro pode ser resumida numa ideia: é feita de distanciamento estratégico e de aproximações táticas. Ao contrário do que aconteceu durante um largo período do reinado de António Costa, Luís Montenegro não procura ativamente a colaboração do Presidente da República. Não sendo uma relação adversarial, não existe a cumplicidade política que existia entre Costa e Marcelo. No entanto, nos momentos de maior pressão deste ainda curto novo ciclo — a crise nas urgências durante o verão e os incêndios de setembro —, Marcelo Rebelo de Sousa esteve lá, a emprestar autoridade e popularidade a um Montenegro a dar os primeiros passos como primeiro-ministro. Mas cobrou um preço.

Todavia, aquela imagem de António Costa a segurar o guarda-chuva a Marcelo Rebelo de Sousa em Paris dificilmente se repetirá com Luís Montenegro. A atual direção do PSD teve sempre reservas em relação a Marcelo, que não foram exatamente dissipadas ao longo destes seis meses de poder. No núcleo mais próximo de Montenegro existia e existe a convicção de que o Presidente da República terá a tentação de ditar os ritmos do Governo e de condicionar a agenda do primeiro-ministro. Numa estratégia que foi pensada para controlar, ao milímetro, todos os aspetos da governação, a imprevisibilidade de Marcelo é um ponderador a evitar.

Além disso, e por muito que os tempos de ataques cruzados sejam agora uma memória distante — Marcelo chegou a dizer que a oposição então liderada por Montenegro era “fraca” e não era ainda uma alternativa séria a António Costa; do núcleo duro de Montenegro choviam recados sobre o “nonsense total” de Marcelo —, ninguém ignora que a verdadeira natureza do Presidente da República não mudou: se vir uma oportunidade de reforçar o poder, de se colocar de novo no centro do tabuleiro, Marcelo não hesitará — mesmo que isso signifique fragilizar o Governo.

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"Tem de dar todos os dias a sensação que está a fazer. E mudar de um tema para o outro para chegar antes de todos os outros", comenta fonte de Belém. Tudo isso molda a relação entre Palácios. "O primeiro-ministro não tem estados intermédios de ponderação. Medita sem partilhar informação. Tem um cuidado extremo com a imagem. Opta pelo sigilo e fala pouco. Tem uma estratégia pensada desde o início, muito concentrada numa pessoa. É solitário. Tudo é pensado com um sentido muito cuidadoso. É o passismo mas com sofisticação política", sintetiza fonte de Belém

Solitário, zeloso e sobrevivente. Como Marcelo vê Montenegro

Certa altura, ainda como líder da oposição, desafiado a imaginar como seria a sua relação com o Presidente da República caso viesse a ser eleito primeiro-ministro, o social-democrata colocou as coisas nestes termos: “Nunca estive à espera de uma ajuda, mas também não quero desajuda“. Altamente centralizador e com horror a fugas de informação, Luís Montenegro nunca deixa de ter Marcelo Rebelo de Sousa debaixo de olho, ao mesmo tempo que vai reservando ao máximo a informação que partilha com Belém. Vai valendo a velha máxima: informação é poder e quanto mais forte for o Palácio de São Bento, menos influente será o de Belém.

Tem sido assim desde o primeiro minuto. A forma como decidiu compor o Governo, com alguns convites a surgirem no próprio dia e tudo sob grande sigilo, deixou a Presidência da República perplexa. A forma como comunicou a escolha de Maria Luís Albuquerque como comissária europeia poucas horas antes de o tornar público, idem. E todo o processo de escolha do sucessor ou sucessora de Lucília Gago à frente da Procuradoria-Geral da República, com recados públicos e privados nada discretos de que será Marcelo a ter sempre a última palavra, é mais uma prova de que nem tudo corre bem entre São-Bento e Belém.

Aos olhos de Marcelo, de resto, Montenegro, desde o primeiro minuto, é visto como alguém a “lutar pela sobrevivência todos os dias”. Ao contrário de António Costa, que foi recebido com fanfarras no PS então liderado por António José Seguro e que, mais tarde, conquistou a segurança da ‘geringonça’ no Parlamento, Luís Montenegro perdeu duplamente contra Rui Rio até ganhar finalmente o partido e enfrenta agora uma Assembleia da República que lhe é hostil. Fez-se líder partidário e chefe de Governo na adversidade, e isso condiciona-o, naturalmente.

“Tem de dar todos os dias a sensação que está a fazer. E mudar de um tema para o outro para chegar antes de todos os outros”, comenta fonte de Belém. Tudo isso molda a relação entre Palácios. “O primeiro-ministro não tem estados intermédios de ponderação. Medita muito sem partilhar informação. Tem um cuidado extremo com a imagem. Opta pelo sigilo e fala pouco. Tem uma estratégia pensada desde o início, muito concentrada numa pessoa. É solitário. Tudo é pensado com um sentido muito cuidadoso. É o passismo mas com sofisticação política”, sintetiza fonte de Belém.

Ou, como disse Marcelo Rebelo de Sousa publicamente no já referido jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal, Montenegro “é um político de silêncios“. “E vai dar trabalho. É totalmente independente, nada influenciável”, atalhou logo em abril o Presidente da República. Nessa altura, Montenegro tinha menos de um mês como primeiro-ministro. Na ótica de Belém, o prenúncio veio a confirmar-se. Para um Presidente da República que gosta de se envolver e ser envolvido — como acontecia com António Costa —, o estilo do novo inquilino de São Bento tem alimentado alguns dissabores.

A coabitação entre Marcelo e Montenegro é feita de distanciamento estratégico e de aproximações táticas. Ao contrário do que acontecia com Costa, Montenegro não procura ativamente a colaboração do Presidente. Não sendo uma relação adversarial, não existe a cumplicidade política que existia entre Costa e Marcelo. No entanto, nos momentos de maior pressão deste ainda curto novo ciclo - a crise nas urgências durante o verão e os incêndios de setembro -, Marcelo esteve lá a emprestar conforto ao Governo. Mas cobrou um preço

Os colos presidenciais têm um preço

Alguns vão sendo públicos e menos discretos. Ao lado Luís Montenegro, em plena vaga de incêndios, Marcelo apareceu a lembrar que, “por muito que os políticos sintam obrigação moral de ir mais perto do que se passa, por respeito aos operacionais não devem intervir onde não são chamados”. A frase foi interpretada como uma indireta para Luís Montenegro, depois das imagens do primeiro-ministro num barco durante as buscas dos militares que sofreram um acidente de helicóptero no Douro — e Marcelo sabe do que fala, depois de, em 2018, a Comissão Técnica Independente criada por causa dos incêndios de 2017 ter sancionado a “presença de altas autoridades” no terreno por “perturbar os trabalhos do comando”.

Apesar de tudo, Marcelo aceitaria na mesma semana presidir ao Conselho de Ministros extraordinário convocado exatamente para o efeito e juntar-se-á de novo na reunião para criar a equipa especializada para investigar os incêndios de origem criminosa — era Montenegro outra vez a jogar em dupla num momento particularmente difícil para o país e para o Governo. Mesmo sem estreita cumplicidade que António Costa sempre alimentou junto de Marcelo Rebelo de Sousa até à conquista da maioria absoluta, Montenegro percebe que, nestes momentos e apesar de toda a imprevisibilidade de Marcelo, o Presidente da República pode ser um aliado e um escudo importante.

Em seis meses de coabitação, é a segunda vez que essa aliança circunstancial se torna evidente. Durante o verão, em plena crise das urgências, o primeiro-ministro apareceu ao lado do Presidente da República a visitar o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O colo presidencial confortou um Governo que tinha criado expectativas sobre a resolução dos problemas na Saúde. Mas até esse apoio, esse colo, foi negociado entre Palácios em termos pouco habituais.

Marcelo vinha há muito insistindo com Montenegro para que aparecesse a falar ao país sobre a situação nas urgências. Para Belém, quanto mais tempo passasse sem que o Governo aparecesse, maior seria o alarme social que se iria gerar. Mas o primeiro-ministro terá resistido sempre — dependendo de quem o analisa, há quem veja nessa característica psicológica de Montenegro um traço de “teimosia” ou de “determinação“. Montenegro acabou por ceder, mas decidiu as regras do jogo: iria ao terreno, falaria ao país, fazer-se-ia acompanhar pelo Presidente da República, mas num ambiente que fosse controlado pela ministra — o Santa Maria, que Ana Paula Martins liderava antes de ir para o Governo.

Também nessa ocasião Marcelo fez questão de assinalar que não passa cheques em branco. É certo que apareceu ao lado de Montenegro para ajudar o Governo num momento difícil, mas não há apoios de graça. Em três ideias, o Presidente da República criticou as ilusões alimentadas durante a campanha eleitoral, exigiu resultados dentro de um ano e prometeu vigilância permanente. “O plano do Governo criou expectativas muito altas quanto ao calendário fixado. É preciso encontrar soluções o mais rápido possível para que a situação não se verifique no ano que vem. Espero bem que aquilo que se vive este ano já não seja vivido. Tenciono ao longo das próximas semanas e meses fazer o acompanhamento das medidas.”

Ultrapassada a fase mais dramática dos incêndios, a agenda mediática e política tenderá a regressar à normalidade. Nesse sentido, a evolução da relação entre Marcelo e Montenegro dependerá — e muito — da forma como for conduzida a sucessão de Lucília Gago, a grande prioridade política do Presidente da República. Marcelo já deu todos os sinais de que espera ser mais envolvido na escolha e de que estará frustrado com a forma como Montenegro tem gerido (com grande reserva) todo o processo. Está nas mãos do primeiro-ministro evitar comprar essa guerra e, para isso, muito dependerá da escolha que apresentar ao Presidente da República.

Até ao momento, as coisas não têm corrido particularmente bem nesse aspeto. A forma como Luís Montenegro tem gerido o processo tem causado alguma apreensão em Belém. Na escolha de Lucília Gago, António Costa foi tratando com Marcelo Rebelo de Sousa ao longo de sensivelmente um ano, partilhando uma ideia de perfil, até os dois acertarem a posição final. Agora, segundo os (poucos) sinais que Luís Montenegro vai dando, a grande preocupação do primeiro-ministro é acertar na ideia de perfil, primeiro, e depois encontrar a figura que melhor se encaixa nesse perfil. A metodologia está a levantar algumas reservas em Belém: de tanto imaginar e ponderar, pode chegar a um momento em que se encontra, não a pessoa a certa para o cargo, mas a menos má.

Aos olhos de Marcelo, Montenegro, desde o primeiro minuto, é visto como alguém a "lutar pela sobrevivência todos os dias". Ao contrário de António Costa, que foi recebido com fanfarras no PS então liderado por António José Seguro e que, mais tarde, conquistou a segurança da 'geringonça' no Parlamento, Luís Montenegro perdeu duplamente contra Rui Rio até ganhar finalmente o partido e enfrenta agora uma Assembleia da República que lhe é hostil. Fez-se líder partidário e chefe de Governo na adversidade, e isso condiciona-o, naturalmente

A última palavra do Presidente

Até ao início do terceiro e último mandato de António Costa, o da maioria absoluta, e apesar dos naturais altos e baixos — a relação entre primeiro-ministro e Presidente da República era feita de outra massa. Em parte, além das diferenças de personalidade e de forma de estar de Montenegro e Costa, há também um diferença geracional e de percurso que ajuda a explicar o maior distanciamento. Costa, além de ter sido aluno de Marcelo em Direito, fazia parte de uma certa elite lisboeta, circulava há muito nos corredores do poder e Marcelo acompanhou bem de perto essa trajetória. Pelo contrário, Montenegro foi apresentado a Marcelo como um protegido de Luís Marques Mendes e a sua ascensão na política coincidiu com o momento em que o agora Presidente da República estava afastado dessa mesma política ativa.

Mas os dois — Montenegro e Marcelo — conhecem-se há quase 20 anos, como contava aqui o Observador. Em 2001, Marcelo Rebelo de Sousa esteve na apresentação da primeira candidatura autárquica de Luís Montenegro à Câmara de Espinho, que o agora líder social-democrata viria a perder. Muitos anos depois, Luís Montenegro chegou mesmo a participar no jantar restrito, patrocinado por Luís Marques Mendes, onde ficou decidida a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, o tal “catavento de opiniões erráticas” que Pedro Passos Coelho não queria ter de engolir.

No dia da sua tomada de posse, Marcelo fez questão de tirar uma fotografia com Luís Marques Mendes, Luís Montenegro e Luís Campos Ferreira, com direito a dedicatória aos “Três Luíses”. Não raras vezes, o grupo juntava-se para jantar no Palácio de Belém. No Verão, durante as férias, quando Marcelo Rebelo de Sousa estava pelo Algarve havia sempre, pelo menos, uma noite em que o grupo — com mais um ou outro elemento — se juntava para jantar na casa que Marcelo arrendava.

Se tudo correr de forma previsível, os dois jogarão o jogo por mais 15 meses, sensivelmente, altura em que Marcelo Rebelo de Sousa se despedirá do cargo. Até lá, existirá um momento definidor na relação entre ambos: o que fará o Presidente da República em caso de chumbo do Orçamento do Estado. As pressões de Marcelo têm sido muitas no sentido de forçar Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a chegarem a um entendimento. Esta semana, no entanto, e para grande surpresa da cúpula social-democrata, o Chefe de Estado deu o passo que faltava: ameaçar com eleições antecipadas em caso de chumbo orçamental.

A informação não desmentida, avançada pelo Correio da Manhã e citando fonte do Palácio de Belém, dá conta da intenção de Marcelo: o Presidente da República dissolverá o Parlamento e convocará eleições se o Orçamento do Estado para 2025 for chumbado, excluindo a possibilidade de governação por duodécimos ou a apresentação de um orçamento retificativo. O timming da notícia — surgiu em pleno combate aos incêndios que afetaram as regiões Norte e Centro do país — é incompreensível para a cúpula do PSD. Mas não deixa de ser encarada como uma oportunidade: confronta Pedro Nuno Santos com uma decisão sem recuo possível; ou aprova o Orçamento ou se prepara para ir a votos.

Mesmo num Governo que garante diariamente estar fortemente empenhado em aprovar o Orçamento e evitar uma crise política, os sinais dados pela Presidência da República dão um argumento importante para a estratégia de dramatização em curso. No passado, essa ameaça de crise política por parte de Marcelo, dessa vez vocal e pública, ajudou António Costa a construir o discurso de vitimização que depois contribuiria para a conquista da maioria absoluta. Pode ser que a história se repita.

Marcelo e Montenegro. Uma relação com mais de duas décadas, de grande proximidade e algumas irritações

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