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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Marcelo e Montenegro. Uma relação com mais de duas décadas, de grande proximidade e algumas irritações

Marcelo abençoou-o em 2001 e lançou-o em 2016. Montenegro esteve na génese da candidatura presidencial mesmo contra vontade de Passos. Mas não estiveram sempre alinhados. Agora, abre-se um novo ciclo.

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Conhecem-se há mais de duas décadas e cruzaram-se muitas vezes ao longo dos respetivos percursos políticos. Têm uma relação pessoal muito mais próxima do que se imagina, mas chocaram várias vezes ao longo dos últimos dois anos. Em público e em privado, o Presidente da República nunca escondeu as reservas sobre a capacidade de afirmação de Luís Montenegro. Em público e em privado, o líder do PSD nem sempre conseguiu esconder a incompreensão (e alguma irritação) com as cascas de banana que Marcelo Rebelo de Sousa lhe ia colocando ao longo do caminho. Agora, terão de coabitar politicamente num contexto particularmente difícil e exigente para ambos.

Com os resultados de 10 de março, o Parlamento recuperou uma centralidade que não tinha desde os tempos da ‘geringonça’ — e, desta vez, com uma arquitetura parlamentar ainda mais exigente. O Presidente da República, em fim de ciclo, reassume o seu papel de árbitro do regime, mas sem a ficha limpa de outros tempos — já tem duas dissoluções da Assembleia da República no currículo e nada garante que não o tenha de fazer no futuro próximo.

Seria de supor, por isso, que a convivência entre Marcelo e Montenegro fosse um fator de estabilidade. Mas, em rigor, o primeiro ato deste ciclo que agora se abre começou com um novo irritante entre os dois. Na nota que formalizou a indigitação de Luís Montenegro como novo primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de fazer uma referência a Pedro Nuno Santos, lida por muitos na direção do PSD como sendo “perfeitamente dispensável”.

Escreveu Marcelo: “Tendo o Presidente da República procedido à audição dos partidos e coligações de partidos que se apresentaram às eleições de 10 de março para a Assembleia da República e obtiveram mandatos de deputados, tendo a Aliança Democrática vencido as eleições em mandatos e em votos, e tendo o Secretário-Geral do Partido Socialista reconhecido e confirmado que seria líder da Oposição, o Presidente da República decidiu indigitar o Dr. Luís Montenegro como Primeiro-Ministro, apresentando oportunamente ao Presidente da República a orgânica e composição do XXIV Governo Constitucional.”

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Ora, não só não existe a figura constitucional de “lider da oposição” – apesar de, no passado, Marcelo se ter referido assim a Luís Montenegro –, como, ao escrever o que escreveu, o Presidente da República parecia ter feito depender a indigitação do novo primeiro-ministro da decisão de Pedro Nuno Santos de se assumir como líder da oposição.

Numa leitura mais benevolente, admitem outros destacados dirigentes do PSD, Marcelo pode ter procurado responsabilizar politicamente o socialista, sugerindo, através desta mesma nota, que quem quer estar na oposição não pode ter a veleidade de querer governar – logo, não pode ter a pretensão de se substituir ao primeiro-ministro de facto e bloquear a governação. Independentemente das leituras que se possam fazer, no entanto, na equipa de Montenegro lamenta-se que Marcelo Rebelo de Sousa tenha feito aquela referência, que trouxe (ainda mais) ruído a um momento que se pretendia que fosse o mais limpo possível.

De resto, o episódio causou outro embaraço. Com a demora na contagem dos votos dos círculos da emigração, a indigitação formal de Luís Montenegro, largos minutos depois da meia-noite, aconteceu após um inusitado vaivém de Montenegro (saiu de Belém quase às sete da tarde, regressou às 11 da noite e despediu-se dos jornalistas às 00h30, sem dizer nada de substantivo), que o obrigou a arrancar de Lisboa em direção ao Porto, viajar noite dentro, apanhar um voo (Ryanair) para Bruxelas às seis da manhã e aterrar na Bélgica quase às dez, onde era esperado na Cimeira do PPE.

A bizarria do momento prestou-se a muitas críticas, com o Presidente da República a ser criticado por permitir que um ato solene acontecesse naquelas circunstâncias. No dia seguinte, no entanto, Marcelo Rebelo de Sousa não hesitou em atribuir a responsabilidade a Montenegro pelo que sucedera. “Foi ele que pediu que isso acontecesse”, desculpou-se o Presidente da República, expondo Montenegro. “Mais uma vez: era perfeitamente dispensável”, lamenta um destacado dirigente social-democrata.

No dia da sua tomada de posse, Marcelo fez questão de tirar uma fotografia com Luís Marques Mendes, Luís Montenegro e Luís Campos Ferreira, com direito a dedicatória aos “Três Luíses”. Não raras vezes, o grupo juntava-se para jantar no Palácio de Belém. No Verão, durante as férias, quando Marcelo Rebelo de Sousa estava pelo Algarve havia sempre, pelo menos, uma noite em que o grupo – com mais um ou outro elemento – se juntava para jantar na casa que Marcelo arrendava.

PSD teme que Marcelo tente condicionar Montenegro

Quem conhece bem Marcelo Rebelo de Sousa sugere há muito que o sonho do Presidente da República era terminar o seu ciclo com os sociais-democratas no poder. Mas o caminho nem sempre foi linear. Acusado sistematicamente de ser demasiado cúmplice de António Costa, o Presidente da República teve uma coabitação difícil com Pedro Passos Coelho (que nunca apreciou o estilo de Marcelo) e com Rui Rio (que fora seu secretário-geral e que nunca compreendeu verdadeiramente – aliás, o antigo presidente da Câmara Municipal do Porto chegou a atirar-se diretamente a Marcelo durante as eleições internas com Paulo Rangel, sugerindo que o Chefe de Estado estava a tomar o partido do eurodeputado).

Tudo somado, e mesmo com o PSD finalmente no poder, não é de esperar que Marcelo Rebelo de Sousa venha a ser aquilo que nunca foi para o partido: uma personagem coadjuvante. Na convicção de alguns dirigentes do PSD ouvidos pelo Observador, o Presidente da República terá sempre a tentação de ditar os ritmos do Governo e de condicionar a agenda de Luís Montenegro.

Com uma agravante: sem maioria no Parlamento, o primeiro-ministro está necessariamente mais dependente do Palácio de Belém e mais exposto aos humores presidenciais. Resta saber se Montenegro conseguirá ou não impor-se a um Presidente da República que tudo fará para recuperar o protagonismo político perdido durante os dois anos de maioria absoluta de António Costa e que prepara o fim de ciclo com a preocupação de defender o seu legado. Um equilíbrio difícil sobretudo atendendo à relação de grande proximidade entre os dois.

LUSA

Uma relação com mais de 20 anos

Marcelo Rebelo de Sousa foi dos primeiros a perceber que o futuro do PSD poderia passar por Luís Montenegro. Ou a desejar que passasse. Em junho de 2016, então a gozar, porventura, o seu pico de popularidade, o Presidente da República fez questão de estar na entrega da medalha de ouro da cidade de Espinho ao então líder parlamentar do PSD, fazendo um rasgadíssimo elogio público ao “percurso cívico e político assinalável” de Montenegro, dono de “qualidades invulgares” na política.

“Não pode, nem deve o Presidente da República substituir-se ao papel daqueles que têm por função prever o futuro de quem anda na ribalta da política, mas cabe ao Presidente da República registar com alegria o poder contar certamente ao longo do seu mandato com muitos sucessos políticos de Luís Montenegro”, vaticinou Marcelo Rebelo de Sousa.

A ‘geringonça’ dava os primeiros passos, Marcelo e António Costa passeavam-se cúmplices – ficou para a memória coletiva aquela imagem captada em Paris com o socialista a segurar o guarda-chuva para abrigar o Presidente da República –, o PSD preparava-se para mudar de página e Luís Montenegro era visto, por muitos dentro e fora do partido, como o grande favorito a suceder a Pedro Passo Coelho. E, a partir de Espinho, Marcelo não escondia a sua preferência.

A sucessão social-democrata foi discutida depois das autárquicas de 2017, mas Montenegro acabaria por hesitar e não entrar na corrida. Mas Marcelo não mais deixou de ter Montenegro no radar – aliás, quase duas décadas antes, em 2001, durante o período em que se manteve longe da política ativa, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha estado na apresentação da primeira candidatura autárquica de Luís Montenegro à Câmara de Espinho, que o agora líder social-democrata viria a perder. Não seria a primeira vez que se cruzariam.

Marcelo Rebelo de Sousa foi dos primeiros a perceber que o futuro do PSD poderia passar por Luís Montenegro. Ou a desejar que passasse. Em junho de 2016, então a gozar, porventura, o seu pico de popularidade, o Presidente da República fez questão de estar na entrega da medalha de ouro da cidade de Espinho ao então líder parlamentar do PSD, fazendo um rasgadíssimo elogio público ao “percurso cívico e político assinalável” de Montenegro, dono de “qualidades invulgares” na política.

Os jantares em Belém, as férias no Algarve e a foto dos “Três Luíses”

Muitos anos mais tarde, Luís Montenegro chegou a participar no jantar restrito, patrocinado por Luís Marques Mendes, onde ficou decidida a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, o tal “catavento de opiniões erráticas” que Pedro Passos Coelho não queria ter de engolir — recorde-se que, nessa altura, Passos era não só o presidente incontestado do partido, como Montenegro era seu líder parlamentar e ponta de lança da estratégia do partido.

Apesar de tudo, Montenegro não hesitou no apoio a Marcelo. No dia da sua tomada de posse, Marcelo fez questão de tirar uma fotografia com Luís Marques Mendes, Luís Montenegro e Luís Campos Ferreira, com direito a dedicatória aos “Três Luíses”. Não raras vezes, o grupo juntava-se para jantar no Palácio de Belém. No Verão, durante as férias, quando Marcelo Rebelo de Sousa estava pelo Algarve havia sempre, pelo menos, uma noite em que o grupo – com mais um ou outro elemento – se juntava para jantar na casa que Marcelo arrendava.

Mas, apesar da proximidade, não estiveram sempre alinhados. Em janeiro de 2019, quando Rui Rio não tinha disputado ainda qualquer eleição, Luís Montenegro tentou liderar um processo de impeachment contra o então presidente do PSD – processo que o agora primeiro-ministro indigitado reconhece ter sido um erro de cálculo. Na altura, os dois – Montenegro e Marcelo – falaram ao telefone, o Presidente da República não o tentou demover, mas não incentivou a manobra. Dias depois, o semanário Expresso traria um título duro para as pretensões de Montenegro: “Para Marcelo, crise no PSD agora ‘é uma loucura’”. Montenegro decidiu avançar mesmo assim contra Rui Rio, que aguentou o embate e segurou a liderança do partido.

No final de 2019, Montenegro desafiou formalmente Rui Rio, foi a votos e perdeu essas eleições diretas, ficando obrigando a uma travessia no deserto. Dois anos depois, com Montenegro fora do jogo, Marcelo Rebelo de Sousa, há muito um indisfarçado descrente na liderança de Rio, voltou-se para Paulo Rangel e fez saber pelos jornais que preferia que só houvesse um candidato na luta contra Rio — o que diminuiu praticamente em definitivo margem de manobra Montenegro. Dessa vez, ficou fora da corrida, Rangel enfrentou Rio e perdeu contra todas as expectativas — o ex-presidente da Câmara Municipal do Porto só deixaria a liderança do partido depois da derrota nas legislativas de 2022, que deram a António Costa a maioria absoluta.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Os irritantes numa relação que Marcelo prometeu ser “especial”

Com Montenegro finalmente à frente do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa chegou mesmo a prometer uma “colaboração especial” como o então novíssimo líder social-democrata. “Daquilo que eu vi, registo um dado novo relativamente ao Presidente da República Portuguesa, que é: onde no passado recente havia cooperação institucional, há uma colaboração especial. E, portanto, há uma mudança no PSD no sentido de maior aproximação ao Presidente da República Portuguesa. Registo e fico satisfeito com isso”, assinalou Marcelo, em julho de 2022, ainda na ressaca do congresso que entronizou Montenegro.

Todavia, até aqui, relação entre os dois esteve longe de ser “especial”. Ao longo destes dois anos, foram mais as vezes em que Marcelo disse, em público e em privado, que a alternativa a Costa não existia do que o contrário. A defesa até ao limite de António Costa, as pressões pouco discretas de Belém para que Montenegro se demarcasse do Chega, a fixação repentina no regresso de Pedro Passos Coelho, e, sobretudo, as constantes declarações sobre a inexistência de uma alternativa aos socialistas foram esgotando a paciência da direção do PSD.

A determinada altura, os recados para Belém eram de tal forma duros e recorrentes (um elemento da direção do partido chegou a dizer ao Observador que Marcelo roçava já o “nonsense total”) que Montenegro deu um murro na mesa e exigiu que os ataques cessassem. As críticas pararam. As considerações de Marcelo sobre o PSD nem por isso. A 9 de março de 2023, numa grande entrevista à RTP e ao Público para assinalar os seus sete anos como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa falou mesmo em “alternativa fraca na liderança”.

“Neste momento, as sondagens mostram que o partido mais importante daquela área está acima do somatório dos outros dois, mas não chega a ter o dobro do somatório dos outros dois”, observava Marcelo, antes de sugerir que Montenegro poderia ser empurrado borda fora. “Dança quem está na roda. Quem está na roda agora é o líder da oposição. Só entra um de fora se quem está na roda decidir sair ou conduzir a dança de tal maneira que dá espaço a que outro entre.”

Também aí o líder do PSD engoliu em seco. A ordem foi para seguir em frente, gelo nos pulsos e cabeça fria. Montenegro só perdeu a compostura uma única vez. A 10 de abril de 2023, quando o país político assistia às primeiras revelações da comissão parlamentar de inquérito à TAP – e o caso Galamba ainda nem tinha ocorrido –, Marcelo Rebelo de Sousa apareceu em público para voltar a afastar o cenário de dissolução da Assembleia da República e avisar que não estava no “bolso da oposição”. Venenoso, Marcelo voltaria a apontar em direção a Montenegro. “Os portugueses acham que a governação não está a ser o que desejam, acham que a situação é difícil, que pode continuar difícil ou piorar, mas não há alternativa.”

Após ouvir os nove partidos políticos, o chefe de Estado reúne-se com o Conselho de Estado

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Para o líder social-democrata, o Presidente da República tinha ultrapassado os limites. Se até quando o Governo enfrentava uma dificuldade do tamanho da TAP, Marcelo atirava contra os sociais-democratas, alguma coisa teria de mudar. Com uma frase carregada de segundas e terceiras leituras, o líder social-democrata sugeria a Marcelo que se preocupasse com a Presidência e deixasse de tentar condicionar a vida interna do partido. “O PSD assegura aos portugueses e também ao Presidente da República que é a alternativa ao Governo e ao PS e está pronto para assumir todas as consequências da alternativa quando for oportuno. O PSD e o seu líder não estão no bolso de ninguém, têm total independência na sua ação política.

Dali em diante, a relação entre ambos normalizou-se de alguma forma — em abril de 2023, Marcelo referiu-se a Montenegro, pela primeira vez e oficialmente, como líder da oposição. Foram estando, de alguma forma, alinhados. O ciclo sucessivo de eventos posteriores também contribuiu para isso. A não-demissão de Galamba, o “não é não” de Montenegro a Ventura, o início da “Operação Influencer”, a demissão de António Costa, a dissolução da Assembleia da República, a queda de popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa em virtude do “Caso das Gémeas” e a perspetiva de eleições antecipadas refrearam-no. Marcelo recolheu-se, a aliança entre Palácios desfez-se, o PS elegeu-o como alvo e isso deu espaço ao PSD.

Luís Montenegro mantém a profunda convicção de que nunca deu a Marcelo argumentos para que duvidasse da sua capacidade de liderança ou para desconfiar do valor do PSD enquanto alternativa ao PS. Mas o caminho até à vitória de 10 de março foi cheio de curvas e contra-curvas. Para alguns na direção do PSD, Marcelo é e será sempre o escorpião da conhecida fábula. Mas a Montenegro, agora com o fato de primeiro-ministro indigitado, não resta muito mais do que esperar que Marcelo não ceda à sua própria natureza.

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