O Governo de Montenegro apoiará António Costa para a presidência do Conselho Europeu, mas esse apoio só será proativo — como exigiu Pedro Nuno Santos — depois das eleições europeias e caso os socialistas europeus conquistem esse cargo para a sua família política. Cenário que as sondagens mostram ser difícil. O primeiro-ministro Luís Montenegro foi cuidadoso sobre o assunto porque tem um dever de lealdade com a sua família política europeia (o PPE) e porque das eleições de 9 de junho pode sair um acordo mais vantajoso com os liberais (Renew) e os conservadores (ECR) que deixe os socialistas afastados ou com o pior dos top jobs europeus.
A estratégia interna do PPE, como explicaram ao Observador fontes europeias, é de os chefes de Governo da direita europeia não se comprometerem já com candidatos numa lógica nacional — e foi isso que Luís Montenegro ouviu na cimeira do PPE a 3 de abril. Isto porque, se a nova composição parlamentar permitir ao PPE ficar com cargos que os socialistas ambicionam, será implacável. Esteja Costa ou qualquer outro em jogo.
Daí que, quando questionado sobre se apoiaria António Costa, o primeiro-ministro português tenha dito que “é absolutamente prematuro poder agora estar a projetar a composição dos órgãos da União Europeia”, lembrando que a mesma terá de ser “subsequente à realização das eleições europeias.” Isto porque, acrescentou, “é nessa altura que esse assunto terá o devido tratamento, do da integração de personalidades portuguesas das várias famílias políticas”.
Sobre um caminho de António Costa para a presidência do Conselho Europeu, Luís Montenegro sacudiu as responsabilidades do Governo português desse processo, dizendo que está “na esfera dele [António Costa] e da família política dele [os S&D]”. O primeiro-ministro mostrou-se ainda mais preocupado em “começar, naturalmente, por aquilo que será a nossa participação na comissão europeia” — única escolha em que é o Governo português a fazer (com poucas limitações).
O Governo português tem um poder de influência limitado na presidência do Conselho Europeu, mas não ter o apoio do próprio Estado podia fragilizar, e muito, a candidatura de António Costa. Esse cenário é, no entanto, impossível caso os socialistas europeus tenham direito ao lugar. Até porque, do ponto de vista do interesse nacional, Portugal ganharia muito em ter um interlocutor como Costa no Conselho Europeu. Sabendo disso, Paulo Rangel foi, nos últimos dias, mais longe do que Luís Montenegro.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, na primeira entrevista, na TVI/CNN, disse que António Costa “teve sempre um grande interesse pelos Assuntos Europeus”, tendo portanto “esse perfil” para presidir ao Conselho Europeu. Foi um elogio tímido, mas também uma validação. Apesar disso, alinhado com Montenegro, Paulo Rangel atirou o apoio para depois das Europeias: “Se a questão se puser e quando se puser, essa questão só se vai pôr às eleições europeias.” Mas, depois, deu o tal passo em frente: “Não tenho dúvidas que o Governo português tomará uma posição sobre isso. E com certeza que não será uma posição negativa.”
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Quem segue o plano diplomático sabe que o Governo de Montenegro não ganharia nada em opor-se. Mas Rangel, agora com um dever de chefe da diplomacia portuguesa, ainda sobe mais um nível e parece ao lado de Costa: “Devemos ser cautelosos e prudentes se quisermos ter uma posição vencedora porque, quem entra Papa, sai cardeal. É em defesa da posição de Portugal, e quem conhece bem os meandros europeus, e eu conheço, sabe que discrição é fundamental. Como estou ao serviço dos interesses de Portugal, defendo discrição nesta como noutras matérias.”
O que Rangel quer dizer, tal como tinha dito Montenegro, é que o Governo português não irá agora para as reuniões do PPE defender António Costa, nem criar task forces em Bruxelas para um candidatura do antigo primeiro-ministro português. Disso terão os socialistas de tratar. Numa segunda fase, pós-Europeias, e com esse caminho feito pelos S&D, então o Governo fará um forcing nesse sentido. Até porque a Representação Permanente de Portugal junto da UE), através da equipa do embaixador Pedro Lourtie, tem fiéis a Costa que façam esse trabalho por ele. Aliás, o Governo AD não obstacularizará qualquer trabalho diplomático nesse sentido.
Apesar de Rangel ter defendido Costa como nunca fez até aqui e de ter ido o mais longe que os compromissos do PSD no PPE permitem, o líder do PS protestou por considerar que não é suficiente. Pedro Nuno Santos não gostou da construção negativa do MNE e exigiu “uma apreciação positiva e proativa”. Ora, proatividade pró-Costa é algo que o Governo de Montenegro não fará até 9 de junho. Nem faria muita diferença. Vamos perceber porquê, recuando.
O novo PPE no caminho difícil de Costa
Começando pela base, existem quatro cargos muito desejados (os chamados top jobs ou big four), por esta ordem de importância: presidência da Comissão Europeia, presidência do Conselho Europeu (o desejado por Costa), a presidência do Parlamento Europeu e o Alto Representante para a Política Externa (uma espécie de ministro dos Negócios Estrangeiros da União Europeia).
No passado, os cargos eram divididos entre o PPE (família de PSD e CDS) e os socialistas europeus (os S&D, família do PS) que tinham, historicamente, a maioria do hemiciclo. Mas a aritmética do hemiciclo em Bruxelas/Estrasburgo e a força no poderoso Conselho foi mudando. De tal forma que, em 2019 — após uma falsa partida por Merkel em Osaka que dava ao socialista Frans Timmermans a presidência da Comissão Europeia (CE) –, o PPE acabou por ficar com o melhor cargo (Von der Leyen na CE), mas o segundo já foi para os liberais (Charles Michel no Conselho) e os socialistas tiveram de se contentar com o Alto Representante e metade do mandato do Parlamento Europeu.
Os liberais foram perdendo força e, por isso, é natural que os socialistas — que esperam continuar a ser a segunda força europeia — ambicionem poderem ser os segundos a indicar. A última sondagem, da Euronews, continua a dar uma maioria pró-europeia, com 453 dos 720 lugares do Parlamento Europeu, o que corresponde a uma maioria de 62,9% dos votos. Se o PPE escolher negociar ao centro, como tem feito até aqui, o provável é que os socialistas sejam os segundos a indicar. E isso seria bom para Costa. Mas não é garantido.
Embora haja um cordão sanitário (é o “não é não” europeu por parte do PPE) à extrema-direita, o cordão não é extensível aos conservadores europeus (ECR), com quem o PPE tem negociado algumas vezes no Parlamento Europeu. Alguns ex-PPE e ex-ID têm migrado para o ECR. De acordo com a mesma sondagem PPE, Renew e ECR já teriam 330 assentos, o que significa que estão a 31 lugares de poderem afastar os socialistas das negociações. Historicamente, o PPE preferia negociar ao centro, mas com a entrada e reforço do PPE a Leste, há mais gente a preferir acordos com os conservadores.
Por outro lado as coisas também não estão famosas para os socialistas no Conselho Europeu, onde o PPE é absolutamente dominador neste momento — o que ainda foi reforçado com as recentes vitórias de Donald Tusk na Polónia e de Luís Montenegro, em Portugal. Os socialistas só têm quatro elementos no Conselho Europeu, embora esses representem quase um terço da população por terem dois gigantes (Alemanha, que tem 18,57% da população da UE e Espanha, que 10,59%). A estes juntam-se ainda os 1,3% da Dinamarca e os 0,12 de Malta. Todas estas geometrias vão contar.
Socialistas europeus ouvidos pelo Observador não estão confiantes. “Apesar de ser certo que o S&D será a segunda força, os conservadores, que são uma barriga de aluger de ex-ID, estão a crescer, o que pode fazer com que o PPE, que não há dúvidas que vai ganhar as Europeias, se vire para eles. E isso, claro, não é bom para António Costa”, fiz fonte europeia dos S&D ao Observador.
As palavras de Paulo Rangel também não trazem muito entusiasmo nos S&D, como refletem as declarações de outro socialista europeu ao Observador: “Se ainda fosse Rangel como vice-presidente do PPE, aí sim, podia dizer qualquer coisa ao Weber. Tem mais força até Rangel que Montenegro. Mas como MNE disse o básico, o que está obrigado a dizer.” Não deixa de ser irónico que, Rangel, que foi acusado por António Costa de fazer parte de uma conspiração internacional contra ele, seja agora alguém em quem os socialistas reconhecem poder de influência para ajudar Costa. Não como MNE, mas pela força que conquistou no PPE.
Costa tem tudo controlado na Europa, mas não no Supremo
Nos corredores de Bruxelas não há dúvidas — nem à esquerda, nem à direita — que se os socialistas conquistarem o lugar, António Costa é o mais bem posicionado para a presidência do Conselho Europeu. Embora isso não fosse condição para muitos dos seus apoiantes europeus, o antigo primeiro-ministro já definiu para ele próprio que só segue para um cargo europeu caso seja arquivado o processo que corre contra si no Supremo Tribunal de Justiça.
Sem o caso resolvido, o alto escrutínio do Parlamento Europeu não ia deixar António Costa descansar por um segundo. A insistência de António Costa e de alguns dos seus ex-governantes nos últimos dias para que o processo judicial ande (e o ex-primeiro-ministro seja ouvido) estará relacionado com os prazos para o cargo europeu, que vão ficando cada vez mais curtos.
Uma das desvantagens de António Costa para o cargo, além da queda continuada dos socialistas europeus, é o facto de ser homem. No topo europeu, em particular no centrão, a paridade é valorizada, embora atualmente existam duas mulheres nos top jobs que até podem continuar: Ursula von der Leyen na Comissão (já que é a candidata do partido favorito à vitória, o PPE) e Roberta Metsola no Parlamento Europeu (o bom mandato permite-lhe sonhar, caso o PPE tenha a primeira parte do mandato).
À espera que o cenário fique mais (Poiares) Maduro
A dúvida que surge é: caso os socialistas consigam outro grande cargo europeu que não a presidência do Conselho, Costa está igualmente na pole position? A resposta é clara: não.
Para ser presidente do Parlamento Europeu — como tentou, e quase conseguiu, Mário Soares— António Costa teria de ser eurodeputado. E também não encaixa no perfil de rituais de quem preside a uma câmara de deputados. Além disso, para isso teria de ser candidato já nestas eleições europeias, o que parece um cenário longe de acontecer. Segundo denunciam as pistas públicas, que ambos vão deixando, nem o próprio quer, nem Pedro Nuno Santos parece interessado nisso.
O cargo de Alto Representante podia ser interessante para Costa, mas não é isso que quer e não foi nisso que a diplomacia portuguesa trabalhou nos últimos anos. Logo, tornaria o objetivo mais difícil. Além disso, os S&D até costumam assumir esse cargo, mas entregue a um país grande (foi assim com a italiana Mogherini e com o espanhol Borrel).
A Comissão já está entregue a Úrsula von der Leyen, pelo que os top jobs ficam completos. Há cinco anos, colocou-se em cima da mesa das partilhas uma espécie de quase-top-Jobs, com o objetivo de facilitar o diálogo. Quanto mais houver para dividir, mais gente fica contente. Frans Timmermans, o candidato socialista à presidência da comissão que quase o foi em Osaka, foi assim apresentado como primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, compromisso que foi mantido pelo status quo europeu. Podia criar-se aqui uma situação nova: os socialistas podiam exigir novamente nas negociações o cargo de primeiro vice-presidente da comissão. E dizer que o escolhido era António Costa. Isso traria um problema para Luís Montenegro: teria de indicar António Costa para vice-presidente da comissão. Ora, isso é muito difícil. Primeiro, nem António Costa deveria querer. Depois, o Governo de Montenegro dificilmente abdicava de que o nome indicado fosse do PSD. Isto porque é ao governo que compete essa nomeação e, todos eles, até agora, escolheram alguém da sua cor política.
Mais do que isso, nos corredores de Bruxelas (seja ele ou não o cabeça de lista do PSD às Europeias), todos contam (à esquerda e à direita) que o comissário escolhido venha a ser Miguel Poiares Maduro. Tem o mesmo handicap de Costa: é homem, o que foi fatal para as ambições de Pedro Marques. Para dar a Portugal uma pasta relevante, von der Leyen forçou Costa a indicar uma mulher, tendo optado por Elisa Ferreira. Em Bruxelas, tudo é complexo.