O Presidente da República disse esta tarde desconhecer os “contornos concretos” da nova solução aeroportuária do Governo para a região de Lisboa, observando que “foi ajustada agora” e recusou comentá-la sem ter mais informação.

Depois de ter garantido que queria consensualizar com a liderança do PSD a solução para o aeroporto de Lisboa, Governo avança com a solução Montijo + Alcochete, mas o presidente eleito do PSD, Luís Montenegro, “não foi informado de nada” sobre os planos do Governo para o novo aeroporto, disse à Lusa fonte próxima do antigo líder parlamentar. A decisão apanhou os partidos de surpresa e as críticas são várias: decisão “inusitada, precipitada”, que revela “desorientação” do Governo ou ainda uma “brincadeira”.

Marcelo disse “não estar em condições de comentar o despacho” depois de uma tarde preenchida com oito audiências. “Aquilo que eu sei, soube agora, é que há um despacho do senhor secretário de Estado do pelouro sobre a matéria e, portanto, não estou em condições de estar a comentar o despacho”, declarou o chefe de Estado, em resposta a perguntas dos jornalistas, no Palácio de Belém, em Lisboa.

Marcelo Rebelo de Sousa referiu que espera ter entretanto “informação do senhor primeiro-ministro sobre os contornos desta nova solução” — que consiste na construção de um aeroporto no Montijo enquanto infraestrutura de transição e um novo aeroporto ‘stand alone’ no Campo de Tiro de Alcochete.

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Interrogado se o primeiro-ministro, António Costa, não o informou, o Presidente da República respondeu: “Não, sobre estes contornos concretos da solução, não, porque, pelo que vejo, foi ajustada agora”.

“Preciso de saber os pormenores jurídicos, políticos, técnicos da solução, toda ela. Vou esperar para me pronunciar”, acrescentou, considerando que neste momento não está “à vontade para comentar” esta matéria.

“Preciso de mais informação”, reforçou Marcelo Rebelo de Sousa, que não quis pronunciar-se sobre os termos nem sobre o momento em que surge este despacho, antes do Congresso do PSD em que Luís Montenegro assumirá a liderança do partido.

O Governo decidiu avançar com uma nova solução aeroportuária para Lisboa, que passa pelo Montijo como infraestrutura complementar à Portela, para estar em atividade no final de 2023, ao mesmo tempo que decidiu construir de raiz o aeroporto de Alcochete para, quando estiver operacional, fechar o aeroporto Humberto Delgado.

Governo avança já com Montijo mas vai também fazer aeroporto de Alcochete

Questionado pela Lusa se Luís Montenegro, que entrará em funções plenas no próximo domingo, no final do Congresso do PSD, tinha sido informado destes planos do Governo, fonte próxima respondeu que “não foi informado de nada”.

O primeiro-ministro, António Costa, afirmou no parlamento, na semana passada, que aguardava a decisão do presidente eleito do PSD, Luís Montenegro, sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa porque é preciso “consenso nacional suficiente” para que decisão tomada seja “final e irreversível”.

Eu aguardo serenamente que a nova liderança do PSD diga qual é a sua posição: se é a posição de exigir a avaliação ambiental estratégica, se é a de retomar a decisão do Governo do doutor Pedro Passos Coelho, se é uma outra nova decisão de forma a que haja o consenso nacional suficiente”, respondeu António Costa à bancada comunista, no debate sobre política geral.

No início de junho, o primeiro-ministro tinha já afirmado que ia ouvir o novo presidente do PSD, em julho, para decidir a localização do novo aeroporto de Lisboa e a alta velocidade ferroviária, considerando essencial politicamente aproveitar a fase inicial dessa nova liderança.

Dias depois, Luís Montenegro disse registar a “confissão de incompetência” do primeiro-ministro ao manifestar a esperança de ser o PSD “a dar uma solução” à localização do novo aeroporto e à alta velocidade ferroviária.

Já o presidente do PSD, Rui Rio, que dentro de poucos dias deixará o partido a Montenegro acusou o Governo de “andar aos ziguezagues” sobre o novo aeroporto e questionou como vai o executivo avançar para o Montijo quando existe o poder de um município vetar a sua construção.

Questionado pelos jornalistas no parlamento, à margem da apresentação de um projeto-lei sobre o atraso no pagamento das pensões, Rui Rio disse que apenas iria falar sobre o processo que se passou no seu mandato como presidente do PSD (que termina no domingo), deixando o futuro sobre o aeroporto para o seu sucessor, Luís Montenegro.

O presidente do PSD alertou que se mantém em vigor a legislação que dá poder de veto a um único município para impedir a construção do aeroporto no Montijo.

“Disponibilizei-me ao longo do tempo para alterar essa lei, que reconheço ser exagerada, mas não estive disponível para mudar uma lei para permitir uma dada solução, apenas para que o Governo tomasse a iniciativa de fazer a avaliação de impacto ambiental e levar o dossier a zero”, recordou.

Rui Rio referiu que, até esta quarta-feira, não viu “qualquer iniciativa da parte do Governo para alterar a lei”, questionado de que forma o irá fazer.

“A não ser que o PSD queira mudar a lei ou a não ser que ele conte com outra ideia: ‘como tenho maioria absoluta, passo por cima de qualquer maneira, e anulo as leis todas e mais algumas’. Não é bonito”, criticou.

O presidente do PSD confirmou também não ter sido informado sobre o plano do Governo, de avançar com uma nova solução aeroportuária para Lisboa, que passa por avançar com o Montijo para estar em atividade no final de 2026 e Alcochete e, quando este estiver operacional, fechar o aeroporto Humberto Delgado.

“Só posso dizer que o Governo anda nuns ziguezagues de todo o tamanho, não quero acrescentar mais nada, isso deve ser assumido pelo meu sucessor a partir de domingo”, afirmou, dizendo que seria “mais sensato” aguardar pelo Congresso do PSD, que se realiza entre sexta-feira e domingo, no Porto.

“Inusitada, precipitada”, “desorientação”, “brincadeira”: As reações dos partidos à decisão do Governo

O BE pediu esta tarde a audição no parlamento do ministro das Infraestruturas sobre as “notícias incompreensíveis” da construção de dois aeroportos a médio prazo, considerando que o Governo está “a brincar” com o país, o parlamento e o clima.

“São muitas questões de notícias incompreensíveis que, a confirmarem-se, só nos levam a suspeitar de que o Governo está — e passo a expressão – a brincar com o país, a brincar com o parlamento com os compromissos que assumiu e a brincar com o clima”, disse aos jornalistas a deputada do BE Joana Mortágua.

O partido pediu assim a audição do ministro da Habitação e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, considerando que este governante “tem muitas explicações a dar” sobre estas notícia de hoje que “apanharam toda a gente de surpresa”

“Se é aquilo que se confirma, construir dois aeroportos a médio prazo é uma decisão que o país não pode compreender sobretudo quando estava em curso um estudo alargado sobre essa construção”, criticou, referindo-se à decisão de abandonar a avaliação ambiental estratégica.

De acordo a deputada do BE, “vários órgãos de comunicação social divulgaram que o Governo teria decidido abandonar a avaliação ambiental estratégica que está em curso”, uma avaliação que resulta de “um compromisso do Governo com o parlamento e até de uma lei aprovada no parlamento” para “estudar e comparar várias localizações para o novo aeroporto”.

“As notícias dizem que a decisão seria começar de imediato a construção do aeroporto no Montijo, decisão em relação à qual o BE sempre se opôs por considerar que ela é um crime ambiental e também reconhecer que a futura localização do aeroporto da Portela, a longo prazo, é Alcochete. O Governo admitiria neste momento que a única solução para a estratégia aeroportuária do país a médio e longo prazo é Alcochete e ainda assim avançaria com o negócio da ANA no Montijo”, condenou.

O PCP considerou, por sua vez, que a solução Montijo/Alcochete proposta pelo Governo para resolver a situação do aeroporto de Lisboa “não é credível” e insistiu na transferência faseada para o Campo de Tiro de Alcochete.

“A confirmaram-se as notícias de que o Governo avançará com a construção do aeroporto no Montijo e posteriormente em Alcochete, gostaríamos de dizer, desde já, que não é credível e não é aquela que é a resposta necessária para o país”, sustentou a líder parlamentar comunista, Paula Santos, nos Passos Perdidos do parlamento.

A deputada comunista acrescentou que o investimento que vai ser feito para construir o aeroporto no Montijo implica a manutenção do da Portela durante mais tempo, o que significa “estar a perder mais tempo e a penalizar o país”.

Na ótica do PCP, a única opção viável é a transferência faseada do Aeroporto Humberto Delgado para o Campo de Tiro de Alcochete e Paula Santos argumentou que esta ideia “ficou comprava nas audições realizadas na semana passada”.

“Houve um grande consenso [nas audições no parlamento], seja do Laboratório Nacional de Engenharia Civil [LNEC], da plataforma cívica, da Ordem dos Engenheiros, da Ordem dos Economistas na defesa da solução do novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete”, completou.

Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, considera que a nova solução aeroportuária para Lisboa é “manifestamente inusitada e precipitada” e defende que a decisão deveria ser tomada “só após” a avaliação ambiental estratégica.

A deputada única do partido Pessoas-Animais-Natureza reagiu assim à decisão do Governo de uma nova solução aeroportuária para Lisboa, estratégia que passa por avançar com o Montijo para estar em atividade no final de 2026 e Alcochete e, quando este estiver operacional, fechar o aeroporto Humberto Delgado.

“Este é um claro exemplo daquele que era o receio em relação ao chamado rolo compressor da maioria absoluta, que claramente abriu aqui o caminho para uma opção que tem sido fortemente contestada pelas organizações não-governamentais do ambiente, pelos próprios órgãos reguladores, pelos municípios afetados e também pelos partidos da oposição”, defendeu Inês Sousa Real.

A líder do PAN acusou o Governo de “desrespeito pelos pareceres e a anunciada intenção de trazer um projeto de lei para reverter a possibilidade de as câmaras e de o parecer negativo das câmaras obstaculizarem a esta opção do aeroporto, neste caso com uma opção duplamente gravosa Montijo mais Alcochete”, mas também “pela resolução da Assembleia da República, pela decisão de recomendar ao Governo a realização de uma avaliação de impacto ambiental estratégico”.

“Para o PAN, era fundamental que esta avaliação fosse feita e que só após a avaliação de impacte ambiental estratégico fosse tomada uma decisão do Governo”, defendeu.

Na ótica de Inês Sousa Real, “seria do mais elementar bom senso quando se fala tanto — ainda esta semana no âmbito da Conferência dos Oceanos – dos compromissos ambientais e o quão Portugal está comprometido em não penhorar o futuro das próximas gerações, aqui fica um exemplo claro do que não fazer”.

A deputada única disse que esta decisão é “passar por cima da avaliação ambiental estratégica e avançar para duas soluções” e alertou que o aeroporto no Montijo “tem espécies protegidas” e a pista poderá “ficar debaixo de água” com a subida do nível médio das águas.

Ainda na esquerda, o deputado único do Livre, Rui Tavares, considerou esta tarde que a nova solução aeroportuária para Lisboa do Governo revela “uma certa desorientação”, defendendo que deve ser feita uma avaliação ambiental estratégica “sem localizações definidas”.

“Parece-me que revela uma certa desorientação, é um voltar atrás em algumas garantias que tinham sido dadas da fidedignidade do processo”, afirmou Rui Tavares, em declarações aos jornalistas, na Assembleia da República.

O Governo decidiu uma nova solução aeroportuária para Lisboa, que passa por avançar com o Montijo para estar em atividade no final de 2026 e Alcochete e, quando este estiver operacional, fechar o aeroporto Humberto Delgado.

Para o Livre, deve ser feita “uma avaliação ambiental estratégica, sem localizações definidas, para fazer o que deveria ter sido feito em meio século de debate” e “que pode ser feito até 2023” de forma a manter “o prazo que tinha sido fixado”.

“É-nos dito que vamos para o Montijo no imediato, para depois poder ir para Alcochete. Isto numa altura em que até aqui na Assembleia da República, na comissão [parlamentar] de Economia têm ficado cada vez mais claros os impactos ambientais negativos da solução Montijo e os eventuais impactos ambientais positivos da solução Alcochete”, disse.

Segundo o deputado, “quando se diz que o aeroporto de Alcochete é muito caro, o próprio LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia Civil] disse aqui na Assembleia da República que o que é caro é descontaminar os solos de Alcochete, coisa que provavelmente vamos ter que fazer se a diretiva quadro dos solos da União Europeia passar”.

“Podemos ter os gastos à mesma e não ter o aeroporto”, acrescentou.

Para o deputado único do Livre, o Governo está “a trocar o certo pelo incerto” e a “avançar já com aquilo que do ponto de vista ambiental é negativo em troca de eventualmente, mais à frente, haver um aeroporto ambientalmente mais seguro”.

“Ou seja, danificar já o ambiente para talvez no futuro fazer o aeroporto que seria a escolha ambiental mais certa”, disse.

“Não estamos a falar sobre aeroportos, estamos a falar em cogumelos porque agora aparentemente eles multiplicam-se com uma grande velocidade e é preciso sermos cautelosos, como aliás, com os próprios cogumelos, saber escolher bem”, ironizou ainda o deputado.