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Ninguém sabe realmente o que aconteceu ao discreto líder dos serviços secretos da Ucrânia e somam-se narrativas contraditórias sobre o seu estado de saúde. Se a Rússia alega que Kyrylo Budanov, uma figura extremamente influente no círculo do Presidente Volodymyr Zelensky, está “gravemente ferido” num hospital militar em Berlim, a Ucrânia garante que se encontra em “excelente saúde” e com pouco tempo livre em mãos.
O nome de Budanov está bem acima na lista de alvos prioritários da Rússia e pende sobre ele um mandato de detenção emitido por um tribunal em Moscovo. A verdade sobre o destino do líder dos serviços secretos, que mantém um estilo de vida cauteloso e raramente aparece em público, pode demorar a chegar.
“Gravemente ferido” num hospital em Berlim ou em “excelente saúde”: as narrativas sobre Budanov
A especulação sobre o estado de saúde de Kyrylo Budanov começou na sequência de um ataque russo massivo ao território ucraniano, a 29 de maio, no qual Moscovo disse ter destruído postos de comando e aeronaves ucranianas. Na mesma semana, o Presidente russo gabava-se do que teria sido um dos sucessos mais significativos: “Já tínhamos mencionado a possibilidade de ataques aos centros de decisão. Claro que a sede militar dos serviços de informação ucranianos, que foi atingida há dois ou três dias, também se enquadra nessa categoria“, afirmou Vladimir Putin durante uma visita ao centro Zotov, em Moscovo.
No início de junho, os média russos noticiavam, alegando estar a citar a imprensa ucraniana, que na sequência do ataque se estavam a propagar rumores sobre a morte de Budanov. Na verdade, porém, os meios de comunicação do país invadido divulgavam apenas uma mensagem transmitida pelo Centro de Combate à Desinformação: “É falsa a propaganda em nome dos média ucranianos que espalha a notícia sobre a morte de Kyrylo Budanov. De acordo com estes relatos, o líder dos serviços de informação morreu num recente ataque com mísseis e está a ser preparado o funeral”. As notícias, garantia o organismo, eram mais uma prova da “desinformação” propagada pelo inimigo para “semear pânico” entre a população, após as campanhas “fracassadas” sobre a alegada morte de Valerii Zaluzhnyi, comandante das forças armadas ucranianas por trás da contraofensiva, e do general Oleksandr Syrskyi.
Foi só várias semanas depois, a 15 de junho, que a agência estatal russa Ria Novosti avançou que Budanov teria ficado “gravemente ferido” no ataque de 29 de maio. A notícia tinha por base o relato de um funcionário das forças de segurança russas que, citando fontes nos serviços secretos ucranianos, garantia que o chefe máximo dos serviços de informação ucranianos tinha sido transferido para Alemanha para receber tratamento médico e revelava em detalhe o percurso. De Kiev, Budanov teria seguido de helicóptero para a base militar de Rzeszow, na Polónia, onde um avião C-21A da força aérea norte-americana o transportara até a base Ramstein. Daí seguira para o hospital militar Bundeswehrkrankenhaus, em Berlim, onde os militares ucranianos têm vindo a ser tratados desde 2014.
Como responde a Ucrânia e a Alemanha?
Kyrylo Budanov está “em excelente saúde”. A garantia foi deixada por Andriy Yusov, um representante dos serviços de informação do Ministério da Defesa da Ucrânia e um dos poucos oficiais ucranianos a pronunciar-se sobre o caso. Em declarações na televisão estatal, Yusov disse ter falado diretamente com o líder dos serviços secretos, que “tem muitos planos, está focado no trabalho e tem muito pouco tempo livre”. Ao Telegraph, um fonte em Kiev sublinhou que a alegação russa de que Budanov estava gravemente ferido era “falsa”.
Da Alemanha, a resposta é semelhante. Um porta-voz do governo alemão disse que Budanov não está a receber tratamento no hospital militar Bundeswehrkrankenhaus. “Devem ser notícias falsas”, sublinhou em resposta à Tass. A agência russa também questionou diretamente os oficiais do hospital, que recusaram prestar declarações devido à confidencialidade dos dados pessoais dos pacientes. Por outro lado, um correspondente da Ria em Berlim chegou a perguntar na receção das instalações se alguém pelo nome de Kyrylo Budanov estava internado, recebendo um não por resposta.
As últimas palavras (e silêncios)
Kyrylo Budanov não terá sido visto desde o ataque russo de 29 de maio. Esta é, pelo menos, a informação veiculada pela imprensa russa. Sabe-se, no entanto, que nesse mesmo dia os serviços de informação do Ministério de Defesa ucraniano divulgaram um vídeo no qual o seu líder máximo garantiu que os ataques russos em Kiev tinham falhado — os mesmos que alegadamente o teriam ferido.
“A nova tentativa de atos terroristas por parte da Federação Russa falhou”, afirmou, sem contudo referir diretamente se o ataque russo tinha atingido a sede dos serviços secretos. “Quero dirigir-me a todos aqueles que na Federação Russa acreditam ou sonham que podiam intimidar a Ucrânia: não é verdade“, sublinhou, acrescentando que se iam arrepender e que a resposta ucraniana não tardava. Se o vídeo aparenta ter sido captado no seu escritório em Kiev — onde chegou a conceder uma entrevista à ABC –, não há forma de garantir que foi gravado no próprio dia.
Budanov já tinha aparecido anteriormente num outro vídeo divulgado pelo Ministério da Defesa, também gravado no seu escritório. O clip, publicado a 11 de junho, mostra o general em total silêncio durante cerca de um minuto, enquanto a câmara se vai aproximando do seu rosto. Como legenda, uma frase: “Continua… Os planos gostam do silêncio”, uma espécie de slogan da campanha da Defesa ucraniana sobre o início da antecipada contraofensiva.
????“To be continued… Plans love silence” – #Ukraine’s Ministry of Defense posted a new mysterious video with Intelligence Chief Kyrylo #Budanov pic.twitter.com/DrcWjyjBG7
— KyivPost (@KyivPost) June 11, 2023
Kyrylo Budanov, o general que já foi alvo de dez atentados e previu a invasão russa
Com apenas 37 anos, Kyrylo Budanov é um dos mais jovens generais da história militar ucraniana. Na noite de 24 de fevereiro de 2022, arriscou a sua carreira e reputação com uma certeza em mente: as tropas russas iam invadir a Ucrânia. Na véspera do início da guerra, era um dos poucos que antecipavam este cenário, contrariando o ceticismo da elite política nacional, que apenas acreditava num eventual ataque no leste do país — no Donbass os confrontos já se prolongam desde 2014. “Parece estranho, mas estava com medo que não acontecesse”, admitiu este ano numa entrevista ao Washington Post, em que recordava como passou a noite de 23 para 24 a olhar ansiosamente para o relógio.
O homem que previu a invasão russa está desde 2007 no serviço de informação do Ministério de Defesa ucraniano. Em pouco mais de dez anos foi cimentando passo a passo a sua reputação e, em 2020, foi promovido a líder do organismo. Uma carreira como a sua não se constrói à falta de inimigos e prova disso são os dez atentados de que já terá sido alvo. “Em 2019, foi colocada debaixo do seu carro uma bomba, que acabou por detonar prematuramente”, detalhou uma fonte próxima do chefe dos serviços secretos ao jornal norte-americano.
O nome de Budanov está em destaque na lista de alvos russa, com o Kremlin a responsabilizar o general por ataques cometidos no território ucraniano. Em abril, um tribunal de Moscovo emitiu um mandado de detenção sobre o líder dos serviços de informação por crimes relacionados com terrorismo e tráfico de armas. Em causa estava o seu alegado envolvimento em campanhas de sabotagem atrás das linhas inimigas, nomeadamente no “ataque terrorista” à ponte de Kerch, que liga a Rússia à península anexada da Crimeia.
Os rumores que o perseguem
Não é de estranhar que poucos detalhes se conheçam sobre o discreto líder dos serviços secretos, descrito como um amante de música clássica que terá por hábito manter armas escondidas no escritório. Não é a primeira vez que o seu nome faz correr rumores e, num dos mais recentes, chegou a ser apontado como o próximo ministro da Defesa.
Um ano depois do início da invasão que ajudou a cimentar a sua reputação, alguns garantiam que o ministro Oleksii Reznikov seria afastado do cargo e substituído por Budanov. “Os tempos e as circunstâncias exigem fortalecer e reagrupar [posições]”, justificou em fevereiro David Arakhamia, o líder parlamentar do “Servo do Povo” — o partido de Zelensky. A mudança acabou por não se concretizar e, à Reuters, Reznikov disse na altura que era a “decisão” do Presidente que continuasse no cargo.
Este não é o único rumor que persegue Kyrylo Budanov, que terá estado envolvido em várias operações secretas no território russo. Segundo o jornal Ukrainska Pravda, um dos motivos que acelerou a sua progressão de carreira foi precisamente um episódio que ocorreu por trás das linhas inimigas. Em 2016, terá sido um dos ucranianos envolvidos no assassinato de um importante tenente-coronel russo na Crimeia. Mais tarde viria a receber a “Ordem da Coragem” pelo destaque em operações secretas.