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Nascido a 8 de julho de 1973, Valerii Zaluzhnyi era filho de um militar do exército soviético

Future Publishing via Getty Imag

Nascido a 8 de julho de 1973, Valerii Zaluzhnyi era filho de um militar do exército soviético

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Valerii Zaluzhnyi. O general "modesto" e "popular" por trás dos êxitos militares ucranianos e da contraofensiva

É o "general de ferro" que modernizou forças armadas e é um dos rostos por trás de vitórias e da contraofensiva. Isso fez com que Valerii Zaluzhnyi se tornasse popular (e possível rival de Zelensky).

“No meio do caos” que a Ucrânia enfrentava com a guerra, um estratega militar “emergiu” e o seu “trabalho será lembrado para a História”. Esta é, pelo menos, a convicção de Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos (EUA), que, na revista Time, escreveu uma generosa dedicatória ao seu homólogo ucraniano. “A sua liderança permitiu que as forças armadas ucranianas se adaptassem rapidamente no campo de batalha contra os russos. Defendendo a sua pátria contra a agressão da Rússia, o general Zaluzhnyi é o homem por detrás desse esforço, carregando o fardo imenso de liderar o combate.”

Adorado pelos ucranianos, mas ainda pouco conhecido no resto do mundo, Valerii Zaluzhnyi é um dos principais responsáveis pela resistência à agressão russa nas primeiras etapas da guerra — por exemplo, quando organizou uma resposta à marcha em direção a Kiev e conseguiu evitar a toma da capital ucraniana pelas forças de Moscovo, um passo que teria sido determinante para uma evolução do conflito mais favorável às aspirações de Vladimir Putin.

Mas esse não foi o único momento determinante em que o nome de Zaluzhnyi se destacou. Mais tarde, foi uma das mentes por trás das bem-sucedidas estratégias militares em Kharkiv (com a operação de contrainformação que iludiu russos e não só) e em Kherson (quando, semana após semana, foi conseguindo reclamar a reconquista de largas parcelas de território ocupado pelas forças russas). Agora, no início da contraofensiva, o tenente-coronel também desempenha um papel fundamental. “As pessoas consideram que ele está a fazer o seu trabalho de forma muito satisfatória”, frisa ao Observador a cientista política ucraniana do Centro dos Estudos da Europa de Leste na Universidade de Bremen, Yuliia Kurnyshova.

Conhecido como o “general de ferro” na Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi chegou ao cargo mais elevado das forças armadas ucranianas em 2021, nomeado pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Desde aí, o alto responsável militar desenvolveu esforços para modernizar o exército do país, continuando o legado de romper com a tradição soviética. Na opinião de Yuliia Kurnyshova, ele foi o “pai e o fundador” desta reforma, aproximando-se dos padrões da NATO e do Ocidente, fator que, acreditam os analistas, esteve na base do sucesso militar de Kiev aquando da invasão.

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Valerii Zaluzhnyi modernizou forças armadas da Ucrânia

POOL/AFP via Getty Images

Embora esteja envolvido numa reforma que deixa para trás a gestão militar soviética, Valerii Zaluzhnyi confessou que uma das suas referências no universo castrense é, curiosamente, o comandante das forças armadas russas, Valery Gerasimov. “Fui criado na doutrina militar russa e ainda penso que a ciência da guerra está toda localizada na Rússia”, assinalou o chefe militar ucraniano, acrescentando que “leu tudo o que escreveu” o seu homólogo russo. “Ele é o homem mais inteligente de todos”, chegou mesmo a elogiar, numa entrevista à revista Time, já em setembro de 2022.

Aquela entrevista foi, aliás, uma das poucas vezes que Valeriy Zaluzhnyi, eleito pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes em 2022, quebrou o silêncio. Apesar dos sucessos que obteve até ao momento, o comandante das forças armadas ucranianas mantém uma postura discreta e a sua presença mediática é praticamente nula. Contrariamente ao Presidente ucraniano — que faz discursos diários ao país, é muito ativo nas redes sociais e dá múltiplas entrevistas —, o chefe das Forças Armadas prefere manter-se, na maioria das vezes, longe dos holofotes.

“Valerii Zaluzhnyi não é uma figura pública, raramente se leem entrevistas dele na imprensa. Ele prefere manter um perfil discreto”, corrobora Yuliia Kurnyshova. “Ele descreve-se simplesmente como um militar, não é um político. A sua missão não é tentar ser popular”, prossegue a especialista, que ressalva, contudo, que o chefe das forças armadas ucranianas sabe “comunicar eficazmente” quando sente que o tem de fazer.

"Valerii Zaluzhnyi não é uma figura pública, raramente se leem entrevistas dele na imprensa. Ele prefere manter um perfil discreto"
Cientista política ucraniana do Centro dos Estudos da Europa de Leste na Universidade de Bremen, Yuliia Kurnyshova

Seletivo na forma como comunica, um vídeo publicado nas redes sociais do tenente-general, no passado dia 27 de maio, parecia ser a confirmação de que a contraofensiva estava prestes a começar. “O tempo chegou para trazer de volta o que nos pertence”, escreveu na legenda que acompanha as imagens de militares em combate, num estilo cinematográfico a inspirar o apoio à causa ucraniana. Agora, enquanto um dos principais estrategas daquela que é encarada como uma operação militar ambiciosa e arriscada, Valerii Zaluzhnyi poderá ficar definitivamente na história, se Kiev conseguir recuperar os territórios perdidos desde fevereiro de 2022. O plano para aquela que se espera que seja a grande reconquista, há quem diga, está todo na sua cabeça — e não há muitas figuras na Ucrânia de quem se possa dizer o mesmo.

Com uma carreira militar elogiada no estrangeiro e com uma legião de apoiantes na Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi é, até ao momento, um dos nomes mais importantes desta guerra. Tendo em conta a reputação que gerou e a forma como tem exercido a sua liderança, já existem rumores de que o responsável militar poderá apostar numa carreira política — e quem sabe ser um possível adversário ou sucessor de Volodymyr Zelensky. Ainda assim, pelo menos até agora, o chefe das forças armadas ucranianas nunca assumiu publicamente qualquer aspiração presidencial, reforçando até que a sua prioridade é vencer o conflito.

Kiev como início, Kharkiv e Kherson como consolidação

No estado de tensão quase permanente que se vivia na Ucrânia antes de 24 de fevereiro, havia dois setores entre as altas figuras do Estado. Um que acreditava que Vladimir Putin se preparava para invadir o país; outro que duvidava das intenções do Presidente russo e queria acreditar que era tudo bluff. A visão do grupo mais pessimista era encabeçada por Valerii Zaluzhnyi, enquanto a mais otimista era liderada por Volodymyr Zelensky, que mantinha algumas reservas sobre os dados recolhidos pelos serviços de informações que apontavam, justamente, para uma invasão de larga escala.

epa10650869 A Ukrainian serviceman from the 24th Separate Mechanized Brigade 'King Danylo' moves to a frontline position, at an undisclosed location in the Donetsk region, eastern Ukraine, 24 May 2023, amid the Russian invasion. Most of the town's some 10,000 inhabitants have deserted it because of the conflict. Some of the houses were destroyed while others are still standing. In its streets, pets, a few individuals can be seen while police and some communal services still continue to function. Russian troops entered Ukraine on 24 February 2022 starting a conflict that has provoked destruction and a humanitarian crisis.  EPA/OLEG PETRASYUK

Zaluzhnyi e Zelensky não concordavam sobre o início da guerra

OLEG PETRASYUK/EPA

O tempo veio dar razão ao chefe das forças armadas ucranianas. Desde que chegou ao cargo, Zaluzhnyi estava convicto de que a invasão total russa ia acontecer num futuro não muito longínquo. Assim sendo, logo em 2021, Valerii Zaluzhnyi foi aprimorando as capacidades ofensivas da Ucrânia “com todas as armas disponíveis no país”. “Precisávamos de deixar claro o nosso desejo de atacar. Também precisávamos de mostrar os dentes”, justificou, em entrevista à revista Time, acrescentando que, assim que se apercebeu de que um conflito em larga escala estaria iminente, tomou medidas para assegurar uma resposta organizada.

Para entender a reação a uma possível invasão russa, o líder militar ordenou a realização de exercícios militares em larga escala no início de fevereiro de 2022. As conclusões estiveram longe de ser animadoras e Valerii Zaluzhnyi detetou inúmeras debilidades entre as tropas ucranianas. Ainda que seja conhecido por incentivar o diálogo entre as tropas em vez de uma política de mão de ferro, o militar recorda que “passou uma hora a gritar” com os comandantes: “Perdi a cabeça”. “Expliquei-lhes que eles não podiam fraquejar. É que as consequências não nos custariam apenas a vida, como também o país.”

O murro na mesa de Valerii Zaluzhnyi surtiu efeito. A partir daí, o sistema de comando e controlo começou a funcionar melhor; ao mesmo tempo, as chefias avançaram com um levantamento mais exaustivo e rigoroso dos equipamentos militares disponíveis no país. “Não há margem para errar com o cheiro da guerra no ar”, lembrou o chefe das forças armadas ucranianas. Apesar de a organização interna ter sido aperfeiçoada, o responsável queria manter longe dos holofotes a sua tática, caso houvesse uma invasão. “Tinha medo de que se perdesse o elemento surpresa. Precisávamos de que o adversário pensasse que nós estávamos nas nossas bases, a fumar erva, a ver televisão e no Facebook.”  

"Tinha medo que se perdesse o elemento surpresa. Precisávamos que o adversário pensasse que nós estávamos nas nossas bases, a fumar erva, a ver televisão e no Facebook"
Valerii Zaluzhnyi queria que os russos fossem apanhados desprevenidos

Apanhar o adversário fora de pé. Esta é uma tática utilizada por Valerii Zaluzhnyi em diferentes fases do conflito, incluindo logo no início da invasão. Nos dias que se seguiram a 24 de fevereiro, o tenente-general estipulou uma prioridade: “Não deixar cair Kiev.” Se a capital caísse em mãos russas, isso seria o fim do regime de Volodymyr Zelensky. Para isso, o militar reconheceu que houve a “perda de territórios”. Mas essa era uma das suas táticas: permitir que o adversário avançasse. Dessa forma, as forças ucranianas conseguiam destruir as colunas militares da Rússia na linha da frente — num terreno favorável a Kiev —, ao mesmo tempo que, na retaguarda, as cadeias de abastecimento eram desmanteladas.

Embora tenha estudado a doutrina militar russa ao pormenor, o chefe das forças armadas ucranianas ficou surpreendido com o seu imobilismo. Dito doutro modo: face às derrotas infligidas pelas tropas ucranianas, Valerii Zaluzhnyi estranhou que os comandantes de Moscovo “mandassem os seus soldados para a matança”, em vez de recuarem de forma ordeira. “Escolheram o cenário que mais nos beneficiava.”

No final de março, após combates sangrentos, a primeira missão de Valerii Zaluzhnyi acabou por ser bem-sucedida: os russos abandonaram a região de Kiev. E esse foi o primeiro momento em que se assistiu ao aumento da popularidade do líder militar. “Se se comparar o exército da Ucrânia com o da Rússia, principalmente no início da guerra, havia uma impressão generalizada de que o exército russo tinha uma superioridade gigante face ao ucraniano”, diz Yuliia Kurnyshova, lembrando que os sucessos de Kiev foram tão “inacreditáveis” e tão inesperados que o povo ucraniano começou a louvar “a determinação convicta” dos soldados. “Zaluzhnyi foi o rosto mais visível dos ganhos enormes, desta determinação. Ele é o representante deste sucesso.” 

"Zaluzhnyi foi o rosto mais visível dos ganhos enormes, desta determinação. Ele é o representante deste sucesso"i
Cientista política ucraniana do Centro dos Estudos da Europa de Leste na Universidade de Bremen, Yuliia Kurnyshova

Porém, nas fases iniciais do conflito, a Ucrânia limitou-se a defender o seu território da agressão russa.

Ao longo dos meses, isso foi mudando. Principalmente desde o final de agosto de 2022, altura em que Kiev anunciou a preparação de uma contraofensiva no sul. Isto serviu de alerta para a Rússia, que, desde o início de julho, com a tomada de Lysychansk, estava numa posição com um pendor mais defensivo, tendo mobilizado mais tropas para aquela região ucraniana. 

A alegada contraofensiva a sul foi apenas (inicialmente) uma manobra de diversão criada por Valerii Zaluzhnyi. Apanhando novamente as tropas russas desprevenidas e expondo a sua vulnerabilidade de não se saberem adaptar rapidamente às circunstâncias mais desfavoráveis, a Ucrânia recuperou, numa questão de dias, vários territórios a norte, recuperando totalmente o controlo da província de Kharkiv e avançando em direção a Donetsk e Lugansk.

Tendo ficado momentaneamente em stand-by, as tropas ucranianas, após os êxitos militares em Kharkiv, viraram-se novamente para sul. No entanto, enfrentando uma resistência mais aguerrida por parte da Rússia, os avanços foram conseguidos paulatinamente. Em novembro de 2022, chegaram os resultados: a Ucrânia recuperara a margem ocidental do rio Dniepre e o controlo da cidade de Kherson.

Ukrainian army takes control of town in southeast

A reconquista de todo o oblast de Kharkiv foi um dos principais êxitos de Valerii Zaluzhnyi

Anadolu Agency via Getty Images

As vitórias em Kherson e Kharkiv levantaram o ânimo à sociedade ucraniana, assim como cimentaram a popularidade de Valerii Zaluzhnyi. “As forças armadas são a instituição pública que reúne mais confiança na Ucrânia”, nota Yuliia Kurnyshova. O chefe das forças armadas é tido, entre a população ucraniana, como um herói nacional. “Ele é o meu ídolo”, disse ao El País Vladislav Fadeev, o autarca de cidade de Vatutine, no oblast de Kharkiv. “Nós agradecemos a Deus por nos ter dado este homem. Confiamos que ele nos levará à vitória.” 

Tendo-se tornado um ídolo, não é de estranhar que Valerii Zaluzhnyi seja visado em algumas homenagens que se vão realizando em alguns pontos do país. Uma delas aconteceu precisamente em Vatutine: num sinal de agradecimento ao chefe das forças armadas ucranianas, o executivo camarário chegou a acordo para mudar o nome da cidade para Zaluzhne — e o general passou a ter o seu nome atribuído àquela localidade. “Todas as eras têm os seus heróis. E nós temos que andar para a frente no tempo”, argumenta Vladislav Fadeev, que lembra que o anterior nome da localidade evocava o general soviético Nikolai Vatutin.

O estatuto de herói que Valerii Zaluzhnyi ganhou ao longo destes 15 meses dificilmente será quebrado e poderá ganhar ainda mais peso se a contraofensiva ucraniana, idealizada em parte por ele, acabar por ter sucesso. A operação militar já terá começado, mas antes esteve envolvida em silêncio, uma característica que pode ser uma prova de que o chefe das forças armadas ucranianas foi um dos seus principais estrategas. Isto para, mais uma vez, apanhar os russos fora de pé — resta saber se, desta vez, vai resultar.

Aliado ou rival de Zelensky?

Na sociedade ucraniana, Valerii Zaluzhnyi e Volodymyr Zelensky são as duas figuras mais importantes em tempo de guerra. Numa sondagem recentemente relevada pelo New Voice Ukraine, 91% dos inquiridos dizem aprovar a atuação do Presidente ucraniano (está em primeiro lugar). Em segundo? O chefe das forças armadas ucranianas, com uma taxa de aprovação de 87%. Outro estudo mostra que os dois políticos ucranianos mais populares são precisamente o Chefe de Estado e o comandante das forças armadas, mesmo que Valerii Zaluzhnyi não faça propriamente parte do universo político do país.

Valerii Zaluzhnyi e Volodymyr Zelensky

Sendo a única figura capaz de fazer sombra à popularidade de Volodymyr Zelensky, isso prejudica de alguma forma a relação entre a presidência e as forças armadas? Na opinião de Yuliia Kurnyshova, isso não acontece. Haverá antes uma “sinergia” entre dois órgãos. “Há uma grande coordenação”, reforça a especialista.

Mesmo assim, os dois já terão tido discordâncias, sempre nos bastidores. Para começar, a posição face a uma possível invasão russa foi distinta, com o Presidente ucraniano a desvalorizar inicialmente as ameaças de Moscovo. Depois, Yuliia Kurnyshova recorda que houve uma discussão no início do conflito sobre os moldes em que funcionaria a lei marcial e quais seriam os limites para a conscrição. Zelensky favorável a uma política de critério mais alargado, Zaluzhnyi mais favorável a regras mais apertadas. “Os dois conseguiram chegar a acordo”, sublinha a especialista.

Mais recentemente, começaram a surgir alguns rumores sobre o destino de Bakhmut, que terá estado na origem de uma alegada discórdia. Alegadamente, Volodymyr Zelensky terá querido manter os combates na localidade, contra a vontade do chefe das forças armadas ucranianas. Mas não passou de um simples rumor: quebrando o silêncio a que habitualmente se remete, Valerii Zaluzhnyi sublinhou, citado pela Reuters, que a cidade tinha uma “elevada importância estratégica”. “É a chave para a estabilidade da nossa defesa em toda a frente.”

Neste contexto, a cientista política da Universidade de Bremen considera que a Rússia tenta explorar (e capitalizar) ao máximo as supostas desavenças entre Valerii Zaluzhnyi e Volodymyr Zelensky. “É parte da narrativa da Rússia, até porque são os meios de comunicação social do país que propagam este tipo de informações”, afirmou, indicando que existe em Moscovo um “desejo de semear a confusão e a divisão para mostrar algum pânico e descontentamento” na Ucrânia. “Mas devemos lembrar-nos de que isto é uma campanha de informação previamente arquitetada”, vinca Yuliia Kurnyshova.

"É parte da narrativa da Rússia, até porque são os meios de comunicação sociais do país que propagam este tipo de informações"
Cientista política ucraniana do Centro dos Estudos da Europa de Leste na Universidade de Bremen, Yuliia Kurnyshova

Adicionalmente, a especialista aponta para o facto de a Rússia “ter muitos problemas no seu exército”, como por exemplo os confrontos públicos entre o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, e o ministério da Defesa. “É parte de uma campanha tradicional para distrair as atenções dos seus problemas. É desinformação para fazer campanha de medo, hesitações e dúvidas.”

O estilo de comunicação, a modéstia e a “confiança” do Ocidente

Adotando uma postura mediática discreta, Valerii Zaluzhnyi ganhou ainda outra fama — de ser “modesto” e de alguém que não se gaba das façanhas militares. “Isso ajuda a sua popularidade, porque as pessoas veem que ele não tenta capitalizar politicamente esses sucessos”, explica Yuliia Kurnyshova. Ou seja, a impressão que se gera é que o chefe das forças armadas desempenha a sua função sem ter em vista potenciais ganhos no futuro. 

Politicamente pouco participativo, o chefe das forças armadas apelou igualmente a que não haja uma instrumentalização do conflito para fins políticos. Citado pelo Politico, num dos seus poucos discursos, Valerii Zaluzhnyi pediu que os políticos locais não revelassem detalhes sobre as operações militares. “Com declarações irresponsáveis, está a insultar-se os nossos soldados”, enfatizou, pedindo cautela e evitando que se tracem cenários catastrofistas sobre o decorrer do conflito.

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Um mural na Ucrânia de Zaluzhnyi a prender Putin

AFP via Getty Images

Estas declarações tiveram um forte impacto no território ucraniano. Como frisa o El País, quando Valerii Zaluzhnyi decide intervir, as suas palavras ganham grande relevo no seio da sociedade ucraniana, sendo uma voz que é levada em consideração. “Mesmo a ser modesto, ele ainda consegue comunicar de forma acertada e pertinente”, confirma Yuliia Kurnyshova.

Entre os parceiros ucranianos, Valerii Zaluzhnyi é igualmente visto com bons olhos. Os elogios escritos por Mark Milley na dedicatória da revista Time revelam que há uma perceção positiva fora do território ucraniano. O chefe das forças armadas ucranianos é visto como alguém confiável. Os contactos com outras altas patentes europeias e norte-americanas são também frequentes — e é uma das poucas informações que o líder militar partilha nas redes sociais.

Yuliia Kurnyshova corrobora que o chefe das forças armadas é uma “pessoa em quem os parceiros do Ocidente confiam” e com os quais mantém “relações próximas”. E isso foi importante para a Ucrânia “receber armamento e informações confidenciais”, considera a especialista: “Ele tem uma boa reputação no Ocidente.”

A reputação de que goza, quer no contexto interno quer no exterior do país, tornam Valerii Zaluzhnyi no candidato perfeito para disputar umas futuras eleições presidenciais. No entanto, o tenente-general nunca prestou declarações sobre o assunto que sugerissem esse cenário. Para mais, Yuliia Kurnyshova não nota qualquer vontade por parte do responsável militar em ingressar na política, pelo menos para já. “Depois da vitória, a situação pode ser diferente”, concede.

Neste último ano, o percurso de Valerii Zaluzhnyi foi praticamente imaculado. No entanto, no início de janeiro de 2023, rebentou uma polémica, que até chegou a envolver o governo da Polónia. Tudo começou quando as redes sociais do Parlamento ucraniano publicaram uma fotografia do chefe das forças armadas ucranianas com um retrato de Stepan Bandera — líder ultranacionalista que colaborou com as tropas nazis durante a II Guerra Mundial.

A fotografia foi rapidamente apagada, mas o governo polaco, pela voz de Radosław Fogiel, chefe da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros, criticou a publicação no Twitter: “A comemoração de Stepan Bandera, responsável pela morte em massa da população polaca, no perfil do Parlamento da Ucrânia, levanta objeções.”

O primeiro-ministro polaco também se pronunciou, manifestando-se contra a atitude do Parlamento da Ucrânia e de Valerii Zaluzhnyi, garantindo que falaria com o seu homólogo ucraniano, Denys Shmyhal, sobre o assunto. O governo polaco toma, segundo Mateusz Morawiecki, uma posição “extremamente crítica relativamente à glorificação ou à simples lembrança de Bandera”, lembrando os “crimes terríveis” que aconteceram durante a II Guerra Mundial.

O militar que quis ser humorista e as reformas do exército ucraniano para se aproximar da NATO

Nascido a 8 de julho de 1973, Valerii Zaluzhnyi é filho de um militar do exército soviético, que, na altura do seu nascimento, estava colocado num quartel em Novohrad-Volyns’kyi, no norte da Ucrânia. Seguiu as pisadas do pai e cedo ingressou na carreira militar. “Sempre sonhei em tornar-me um soldado e cresci entre militares”, lembrou, numa entrevista em 2020, ao portal armyinform.

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"Sempre sonhei em tornar-me um soldado e cresci entre militares", disse numa entrevista Zaluzhnyi

SOPA Images/LightRocket via Gett

Ainda que, quando era mais novo, também ambicionasse ser humorista, o futuro de Valerii Zaluzhnyi não passou por aquela área. “Entrei no exército e frequentei a faculdade militar de Odessa”, conta. Ao mesmo tempo que acabava os estudos, assistiu, ainda jovem, ao colapso da União Soviética e à independência da Ucrânia.

Tendo passado por vários cargos na hierarquia militar, o governo ucraniano confia-lhe, em 2014 — ano em que a Rússia anexa a Crimeia e começa uma guerra civil no leste da Ucrânia —, a maior responsabilidade até à altura: comandar uma brigada que lutou na batalha de Debaltseve, na qual as forças de Kiev sofreram uma pesada derrota. Em 2020, Valerii Zaluzhnyi elegeu este momento como o pior que vivenciou enquanto militar. “Foi de certa forma terrível. Sentia-me sempre ameaçado.”

Apesar da derrota, Valerii Zaluzhnyi sinaliza que aprendeu muito com as lições daquela batalha — acima de tudo, diz, a sua “atitude com os soldados mudou por completo”. Assim sendo, o líder do batalhão tentou treinar soldados mais jovens, encorajando um processo de decisão mais ágil e menos centrado numa figura de autoridade. Como conta a revista Time, uma das suas promessas era a de que não devia haver “bodes expiatórios” — e que todos teriam a quota parte de responsabilidade se as coisas corressem mal.

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A batalha de Debaltseve

AFP via Getty Images

Depois da assinatura do acordos de Minsk, que visavam terminar com a guerra no leste ucraniano (ainda que tivessem persistido tensões), Valerii Zaluzhnyi saiu da linha da frente. Em 2017, foi nomeado vice-comandante do comando operacional do Norte; em 2018, foi nomeado primeiro vice-comandante das Forças Conjuntas; em 2019, ano em que Volodymyr Zelensky é eleito, Zaluzhnyi é escolhido para comandar a secção militar operacional do Norte, o cargo com mais relevo até então.

Esteve dois anos a dirigir as operações militares do norte da Ucrânia até que, em 2021, recebeu uma chamada durante a festa de aniversário da mulher, com a qual tem duas filhas (uma que também ingressou na carreira militar, outra que está a estudar para ser médica): propuseram-lhe que se tornasse o próximo chefe das forças armadas ucranianas. Valerii Zaluzhnyi lembra-se que sentiu vertigens durante a chamada e que se perguntou a si mesmo: “Como é que eu cheguei até aqui?”

Certo é que, aos 48 anos, aceitou a responsabilidade e passou a dirigir as tropas ucranianas, numa altura em que prosseguiam as tensões no leste da Ucrânia. Quando tomou posse estabeleceu como prioridades duas medidas. Uma passava pela “reforma das forças armadas da Ucrânia de acordo com os padrões da NATO”, o que deveria ser mesmo “irreversível”. De salientar que Valerii Zaluzhnyi destacou que a chave para essa transformação estaria nos “princípios”, exemplificando que gostava de “que se olhasse para a cara dos subordinados” no momento em que as decisões fossem tomadas.

Outra das prioridades de Valerii Zaluzhnyi consistia em “deter a agressão armada russa” — na altura exclusivamente no leste da Ucrânia —, mantendo-se unidades militares em “prontidão de combate”. As tropas ucranianas deviam estar “motivadas” e deviam ter ao seu dispor “armas e equipamento militar moderno”.

Ukrainian Military Continues Withdrawal From Positions In Eastern Ukraine

As tropas ucranianas

Getty Images

Antes da invasão, Valerii Zaluzhnyi apostou na modernização das forças armadas ucranianas, tentando criar tropas dinâmicas divididas em pequenos grupos e que não dependessem dos superiores hierárquicos para tomar todas as decisões no campo de batalha. O nível de instrução dos recrutas conta para isso, sublinhou o chefe das forças armadas da Ucrânia: “As pessoas são agora completamente diferentes — não como eram no passado. Os recrutas vão mudar completamente as forças armadas daqui a cinco anos. Quase todos falam bem uma língua estrangeira, trabalham bem com a tecnologia e são informados.”

“Os novos militares não são bodes expiatórios, como no exército russo, por exemplo, mas sim pessoas que ajudam e que vão substituir oficiais no futuro”, prosseguiu Valerii Zaluzhnyi, que insistiu na necessidade de um sistema de comando e controlo mais descentralizado.

Dois anos depois de começar com a reforma, a capacidade das forças armadas ucranianas de surpreender a Rússia provou ser a melhor forma de obter ganhos no terreno. Reconhecendo dominar a doutrina militar russa de fio a pavio, Valerii Zaluzhnyi mostrou conhecer bem as táticas do adversário, mas não o copiou. Alterou, em contrapartida, a maneira de fazer a guerra na Ucrânia, o que apanhou os russos desprevenidos — e isso talvez tenha sido a fórmula para o sucesso. A contraofensiva será agora mais uma prova de fogo para perceber se a imprevisibilidade e o dinamismo continuam a ser fatores essenciais para assumir a dianteira do conflito. E, para o bem e para o mal, Zaluzhnyi será o rosto associado a esta nova, e talvez decisiva, fase da guerra na Ucrânia.

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