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Muitos protestos, algumas contas certas e as dívidas que sobram para o Papa. Quanto custaram e quem pagou as últimas Jornadas da Juventude

É sempre anunciada com pompa pela cidade que a recebe, com promessas de enorme retorno económico. Mas a Jornada Mundial da Juventude nem sempre cumpre, e os gastos vão muito para além do palco.

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Primeiro foi o altar-palco que vai ficar junto ao Trancão, cujo valor “magoou” a Igreja. Seguiu-se o segundo altar, “necessário” segundo a Câmara de Lisboa, que será erguido no coração de Lisboa, no Parque Eduardo VII. Mais as casas de banho, os militares da GNR que não poderão tirar férias, o alojamento e os transportes. O país começou esta semana a despertar para a dimensão do evento que Lisboa conquistou há precisamente quatro anos na Cidade do Panamá.

Entre financiamento público e doações, e muitos ajustes diretos pelo meio, a Jornada Mundial da Juventude, que terá lugar na primeira semana de agosto, terá custos na ordem dos 160 milhões de euros. Os últimos quatro eventos organizados pela Igreja, em Madrid, Rio de Janeiro, Cracóvia e Cidade do Panamá tiveram custos e financiamento distintos, e o retorno nem sempre é fácil de medir. Em comum, a JMJ tem o rasto de controvérsia que deixa em todas as cidades por onde passa.

2011. Protestos aos Quatro Ventos e um “casamento à grande” em Madrid

World Youth Day 2011 Celebrations Are Held In Madrid

A Jornada Mundial da Juventude no aeródromo dos Cuatro Vientos em Madrid

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Foi tudo menos pacífica e livre de polémicas a organização da JMJ na capital espanhola. Em 2011, com a Europa mergulhada numa grave crise financeira, Madrid engalanou-se para receber Bento XVI. O Papa não chegou a ouvir os protestos do movimento 15M, ou os Indignados, mas eles aconteceram bem no centro da capital. O motivo? O mesmo que se discute deste lado da fronteira 12 anos depois: o financiamento público por parte de um estado laico a um evento da Igreja Católica. “Não há coisa mais económica que rezar”, foi a resposta da Igreja às críticas, pela voz do cardeal Antonio María Rouco.

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Francisco Delgado, na altura presidente da associação Europa Laica, dizia à RTVE que o Estado espanhol ia investir 100 milhões de euros na JMJ, além de deixar de arrecadar milhões em impostos graças a benefícios fiscais. Na verdade, o evento acabou por ser mais frugal. Mas não foi de graça. Fernando Giménez Barriocanal, diretor financeiro da JMJ de Madrid, comparou-o a organizar “um casamento à grande”.

Em 2011, a capital espanhola recebeu dois milhões de peregrinos e foram gastos na organização 50 milhões de euros, dos quais 70%, ou 31,5 milhões de euros, vieram das inscrições dos peregrinos; os restantes 30%, 16,5 milhões, tiveram origem em donativos de empresas privadas e patrocinadores, que obtiveram bónus fiscal porque o Governo declarou o evento como de “execional interesse público”. Acabou por não sair diretamente qualquer quantia dos cofres públicos. E o impacto até foi positivo para o país.

Os três atos principais da celebração — missa de abertura, Via Crucis e missa de encerramento — custaram cerca de 12,5 milhões de euros. Os kits dos peregrinos custaram 4,8 milhões de euros e as instalações de tendas, confessionários, casas de banho e a adaptação geral dos espaços cifrou-se em 7,3 milhões de euros. Na segurança e acreditações foram gastos 1,3 milhões de euros e mais 2,6 milhões foram necessários para promover o evento. Houve ainda 4,1 milhões de euros gastos em programação cultural e 5,5 milhões de euros investidos em workshops e materiais de apoio.

A tabela dos gastos incluiu ainda um reforço de trabalhadores do metro, cerca de 100 por dia, que terá custado cerca de 60 mil euros, e a mobilização de 10 mil agentes de segurança. Já o preço da água, luz e manutenção dos 700 estabelecimentos públicos que receberam peregrinos ficou por contabilizar.

Em novembro do mesmo ano, a consultora PwC divulgou um estudo que concluía que, feitas as contas, a JMJ resultou num retorno financeiro, direto e indireto, de 354 milhões de euros para Espanha. Segundo a imprensa espanhola, a Conferência Episcopal estimava um retorno de 100 milhões. Segundo o estudo, o Estado espanhol deixou de arrecadar 15,5 milhões de euros, devido aos benefícios fiscais concedidos à organização. Mas amealhou, ainda assim, 28,3 milhões de euros em imposto de valor acrescentado.

Estudos, empreitadas e mais de 13 milhões de euros. Os contratos públicos que o Estado já fez para a Jornada Mundial da Juventude

No que toca ao impacto económico, 231,5 milhões de euros, 65% do total, foi absorvido pelos setores da hotelaria, construção e material eletrónico e audiovisual da Comunidade de Madrid. Além dos peregrinos, terão visitado Madrid mais meio milhão de pessoas de forma independente, com uma estada média de três dias e um gasto de 25 euros diário, que pressupõe um ganho extra de 37 milhões de euros.

As pernoitas aumentaram 29% na região na semana do evento e 6,2% no resto do país. O número de estrangeiros em Madrid disparou 42% em agosto. E foram criados 4.589 postos de trabalho em Espanha, 2.894 dos quais em Madrid.

Mas as dúvidas sobre o peso da fatura persistiram até ao último minuto. A organização sempre disse que os contribuintes não seriam onerados e, ao contrário do que acontece em Portugal, onde o Governo sempre admitiu que haveria dinheiro público diretamente envolvido, nunca estiveram previstas subvenções ou apoios diretos. O que existiu foi um desconto de 80% nos transportes públicos e o empréstimo de 700 colégios e outros estabelecimentos públicos para alojar peregrinos, além dos benefícios fiscais. De acordo com o El País, o impacto dos cortes de trânsito que aconteceram na cidade na terceira semana de agosto de 2011 não foi oficialmente calculado. A cidade esteve praticamente cortada durante sete dias.

Em Espanha não se colocou a questão do custo de um altar-palco pago pela Câmara ou da requalificação de espaços da cidade, porque os grandes momentos da receção a Bento XVI tiveram lugar no aeródromo madrileno dos Cuatro Ventos. E mesmo assim, nem tudo correu bem. As empresas de aviação, por exemplo, queixaram-se dos prejuízos causados pelo encerramento do aeródromo durante duas semanas. Os mais de 2.500 restaurantes que se inscreveram para aceitar os cheques-refeição entregues aos peregrinos, um modelo que Lisboa vai seguir e que custará mais de 30 milhões de euros à organização, contestaram o atraso no pagamento das refeições, que ao fim de três meses ainda não tinha chegado. Durante a JMJ, os restaurantes receberam cerca de três milhões destes vales, com um preço de 6,5 euros cada, o que representou 19,5 milhões de euros.

2013. As dívidas do Rio de Janeiro que o Papa ajudou a pagar

Pope Francis Celebrates Mass On Copacabana Beach

Milhões de peregrinos acorreram a Copacabana em 2013

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O vento e a chuva não demoveram as quase quatro milhões de pessoas que se concentraram no Rio de Janeiro, em 2013, para receber o Papa Francisco. A imagem da praia de Copacabana repleta de peregrinos à chuva ficou para a história. Tal como ficaram as dívidas, e subsequentes campanhas para pagá-las, que o evento deixou no Brasil.

A JMJ no Rio de Janeiro deveria ter sido um aquecimento para os dois grandes eventos que a cidade iria acolher nos anos seguintes: Mundial de Futebol do Brasil de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016. Mas os meses que antecederam a JMJ foram, sobretudo, de preocupação com os custos. Tudo porque a poucos meses do acontecimento, as inscrições estavam muito aquém do esperado. Eram cerca de 320 mil, quando a organização esperava entre um a dois milhões.

Os custos da JMJ estavam estimados em 140 milhões de dólares, e as inscrições deveriam cobrir 70% do valor. Mas o receio de a participação ficar aquém levou a Fundação da JMJ a pedir 13 milhões de dólares extra ao Governo e à cidade, que acresceriam aos cerca de 60 milhões que já estavam adjudicados — 50 milhões para segurança e logística e 10 milhões para apoio aos transportes. No esforço para convencer as autoridades a reforçar o financiamento, a organização divulgou um estudo que previa um impacto positivo de 220 milhões de dólares da JMJ na economia e a criação de 20 mil postos de trabalho durante o evento.

Os receios foram infundados, como se viu nos dias do evento, em que a cidade ficou lotada. O Ministério do Turismo revelou que a JMJ foi, na altura, o evento que movimentou mais turistas na história do Rio de Janeiro. Mas para a história ficou também a fatura.

Altar-palco onde o Papa Francisco vai celebrar missa final da Jornada da Juventude vai custar 4,2 milhões de euros

No entanto, de todas as polémicas que saíram da JMJ do Rio, o palco não foi uma delas. O palco principal de Copacabana tinha quatro mil metros quadrados, 70 metros de largura, 60 metros de profundidade e 30 metros de altura, e capacidade para suportar mil pessoas em cima. Metade das que são esperadas no palco do Tejo. O objetivo era ter o Papa sempre no ponto mais alto, a oito metros do chão. No total, havia mais 13 palcos espalhados pela orla de Copacabana, cada um com 100 metros quadrados, a 50 metros de distância uns dos outros, que simbolizavam o caminho percorrido por Cristo da condenação à morte na cruz.

Segundo a imprensa brasileira, no palco principal havia quatro plataformas circulares, de várias alturas, e uma escadaria, além de uma rampa de acesso para o papamóvel. O palco incluía ainda um ecrã de 15 metros de altura e 61 de largura. Foi feito para ser desmontado no fim do evento.

Tirando os problemas que ocorreram na semana do evento, como a falha de energia que parou o metro durante duas horas, entre outras questões com transportes e a falta de casas de banho, a JMJ do Rio deu que falar pelas dívidas que acumulou, cerca de 91,3 milhões de reais, o que à data de hoje corresponderia a 207 milhões de reais, devido à inflação, o equivalente a mais de 32 milhões de euros. Isto porque durante a JMJ foi necessário deslocar eventos, de Guaratiba para Copacabana, o que fez disparar os custos. Em setembro de 2013, a Arquidiocese do Rio lançou mesmo uma campanha para pedir donativos para ajudar a pagar a dívida acumulada a fornecedores, lançou um CD, três DVD e até vendeu imóveis.

O próprio Vaticano foi sensível ao apelo e ofereceu-se para ajudar a pagar a dívida. Em nome do Papa, foram entregues à JMJ do Rio 11,7 milhões de reais, o que na altura equivalia a 3,6 milhões de euros. Quanto a gastos públicos, a organização garantiu que se ficou apenas pela ajuda ao “funcionamento dos serviços públicos essenciais durante o evento, sem qualquer repasse financeiro”.

2016.  As contas certas de Cracóvia

Pope Francis in Poland

Estrutura das JMJ em Cracóvia, em 2016

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A JMJ de Cracóvia, na Polónia, em 2016, também não escapou à controvérsia, nem aos protestos sobre o financiamento. Mas acabou por ser uma das mais baratas dos últimos anos. Os números finais foram partilhados em dezembro de 2016, e revelaram um gasto total de 48,5 milhões de euros, pouco menos que os 48,7 milhões angariados. Acorreram a Cracóvia mais de dois milhões de peregrinos, e o evento gerou um impacto positivo de mais de 100 milhões de euros para a economia.

O financiamento foi proveniente, sobretudo, do valor pago pelos participantes, que gerou 34 milhões de euros, mas também de patrocínios privados e doações, cerca de oito milhões de euros, e do apoio público, de quatro milhões que, segundo a organização, foi direcionado aos custos com segurança.

Quanto aos gastos, a maior fatia coube à alimentação dos peregrinos, que precisou de um investimento de 13 milhões de euros. Os gastos totais com peregrinos e voluntários ascenderam a 25 milhões de euros.

O recinto onde decorreu a missa de encerramento da JMJ de Cracóvia custou nove milhões de euros, um valor que também gerou controvérsia na Polónia. Um dos observadores do evento, Yago de La Cierva, que fez parte da organização da JMJ de Madrid, chegou a afirmar que esta era uma despesa desnecessária e “recorrente” na JMJ, que poderia ser evitada pelo uso de um palco único em vez dos habituais dois que são montados para os eventos principais com o Papa. É precisamente uma das questões que está a levantar polémica em Portugal, já que segundo a Câmara de Lisboa, será preciso um segundo palco no Parque Eduardo VII.

As imagens do segundo altar-palco da JMJ. Projeto está a ser redesenhado depois de recusas da CML

2019. Os lucros de um Panamá longínquo

Vigil with young people at Panama

Vigília presidida pelo Papa Francisco na Cidade do Panamá em 2019

Mondadori via Getty Images

Foi há exatamente quatro anos que Portugal ficou a saber que seria o destinatário da JMJ de 2022, que saltou para 2023 devido à pandemia. As chaves do evento foram entregues a Lisboa pela Cidade do Panamá, que acolheu o Papa Francisco e cerca de 700 mil pessoas. A maior parte deles locais. Foi, por isso, uma das JMJ menos concorridas de sempre, o que torna ainda mais difícil a comparação com o evento que se está a preparar em Lisboa.

As contas da celebração chegaram cerca de um ano depois. E foram positivas: sobraram 300 mil dólares, que a Igreja se comprometeu a aplicar numa obra de beneficência. Em 2020, a Gestión Pastoral y Económica da JMJ, apresentada pelo Arcebispado do Panamá, revelou que a Fundação JMJ arrecadou 21,3 milhões de dólares, dos quais 15,5 milhões foram contribuições de peregrinos, 3,2 milhões foram doações e 1,4 milhões foram provenientes de “outras receitas”. Houve ainda 999 mil dólares de patrocínios. receitas de 92 mil dólares recebidas de um “fundo de solidariedade”.

Câmara de Lisboa explica investimentos com Jornada da Juventude. “É muito importante que todos os contribuintes estejam informados”

Quanto a gastos, a organização foi mais comedida do que se espera que seja Lisboa. A Fundação reportou gastos de 20,7 milhões de dólares no total, que se dividiram em 13,7 milhões de dólares de “custos operacionais” e 6,7 milhões de dólares de “gastos gerais e administrativos”, mais 99 mil dólares de “gastos vários”. A organização garantiu que não foram recebidos fundos públicos. “Tudo o que nos chegou foi em espécie. A Igreja e a Fundação arrecadaram dinheiro por parte de donativos e investimento dos peregrinos. A JMJ não é um evento económico, é uma atividade pastoral”, afirmou Víctor Chang, secretário executivo do Comité Organizador Local, citado pela imprensa do Panamá”.

Num país a precisar desesperadamente de turismo, a Jornada acabou por ter um efeito considerável. Gustavo Him, administrador da Autoridade de Turismo do Panamá, revelou na altura que o evento teve um impacto positivo de 250 milhões de dólares para o país, que recebeu cerca de 265 mil visitantes de outros países em janeiro de 2019. As reservas de turistas aumentaram 60% face ao mesmo mês do ano anterior, e os peregrinos chegaram sobretudo do Brasil, México, Peru, Colômbia, Estados Unidos e Alemanha. Dos participantes na JMJ, só cerca de 70 mil foram peregrinos inscritos. Os restantes foram apenas visitantes.

Cerca de metade dos viajantes ficaram alojados em famílias de acolhimento, pelo que a ocupação esperada dos hotéis, que era de 100%, ficou aquém, nos 60%. A dificuldade em obter meios de transporte para chegar ao Panamá, e o elevado custo dos bilhetes de avião, foram os motivos apontados para estes números.

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