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Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, faz um balanço positivo do primeiro ano de acordo à esquerda. Mas avisa: é preciso ir mais longe. Muito mais longe. O avanço óbvio, mas “difícil”, como reconhece, é a renegociação da dívida. “É um passo que tem de ser dado. Porque se não for dado isto acaba por se esvair”, diz.
Em entrevista ao Observador, o sindicalista elogia ainda a posição assumida pelo PCP, do qual faz parte enquanto membro do Comité Central comunista. No âmbito do acordo com os socialistas, rejeita críticas à ausência de intervenção da central sindical nos últimos meses, destaca as diferenças entre o atual Governo e o anterior, mas deixa um aviso sério: se o PS ousar dar um passo atrás e romper com o “princípio de confiança” que se estabeleceu, então a CGTP não poderá apoiar a atual solução.
“A mudança tem de ser mais efetiva, tem de se ir mais longe”
A CGTP revê-se na proposta de Orçamento do Estado? Este é um Orçamento de esquerda como diz o ministro das Finanças?
Este é um Orçamento que dá continuidade a uma política de reposição de rendimentos, mas é um Orçamento que, na opinião da CGTP, tem de ir muito mais longe. Tem de responder a questões estruturantes, desde logo na administração pública. Os salários e carreiras têm de ser desbloqueados em 2017. É também preciso que se clarifique a ideia de que é possível contratar a prazo na administração pública. Portanto, o Governo tem de identificar a excecionalidade para que esta não se torne numa regra amanhã. Por outro lado, cremos que também são necessárias medidas para melhorar a qualidade dos serviços públicos que tão degradada foi pelo anterior Governo.
Há espaço para melhorar este Orçamento na especialidade e vontade política do Governo socialista para o fazer?
Espaço existe, porque existem propostas e nós quantificamos as nossas, para provar que há despesa supérflua no Estado, que se pode poupar e fazer a transferência dessas mesmas verbas para dar resposta a problemas quer sociais quer dos serviços públicos. Quanto à vontade política, é inevitável que tem de haver, se não, não há mudança. E o que foi prometido é que havia uma mudança de rutura com a política de austeridade e uma mudança de resposta concreta aos problemas das pessoas.
Acha que não há essa mudança?
Acho que a mudança tem de ser mais efetiva, tem de se ir mais longe. Por isso dizemos que temos quatro eixos estruturantes do Orçamento que precisam de ser tratados. Um é a administração pública que já abordei, o outro tem a ver com as políticas sociais, e aí valorizamos a melhoria das pensões, registamos o descongelamento do Indexante de Apoio Sociais, mas entendemos que é necessário ir mais além. Por exemplo, o abono de família, em que propomos a introdução do quarto escalão e também da proteção aos desempregados, considerando que, neste momento, a maioria dos nossos desempregados não têm qualquer tipo de proteção social.
A CGTP tem quantificado o impacto destas medidas de que fala?
Acima de tudo, temos quantificadas as poupanças a fazer noutras áreas que libertarão milhares de milhões de euros. É o caso da renegociação dos juros da dívida, que é elementar. Portugal não consegue sobreviver com juros de uma dívida que anda na ordem dos 130% do PIB. Pode mudar de Governo, mas não se muda de problemas. O outro problema são as Parcerias Público-Privadas. Só na área rodoviária constatamos que no próximo ano está previsto gastarmos mais 204 milhões de euros, depois da renegociação que supostamente foi feita pelo governo PSD/CDS. Depois temos os swaps e a contratação de serviços ao exterior que podiam ser feitos por trabalhadores do Estado. Somando isto tudo temos milhares de milhões de euros.
Quando diz que é possível ir mais longe, se o Governo não acompanhar tudo aquilo que pretendem, o seu partido (o PCP) deve ter outra posição no Parlamento que não seja votar a favor do Orçamento na votação final?
Estou aqui como secretário geral da CGTP…
Mas é militante do PCP.
Sim, mas o PCP responderá porque é o PCP que neste momento está a negociar com o PS e com o Governo estas matérias.
Os partidos da esquerda deviam bloquear este OE se não for tão longe com a CGTP pretende?
Estamos numa fase em que é possível e desejável ir tão longe quanto seja necessário para responder às propostas da CGTP. E a CGTP entende que este Governo pode ir mais longe. Aliás, já tivemos a oportunidade de transmitir isto ao grupo parlamentar do PS e ao próprio Governo. Apresentamos propostas, dizemos que estamos disponíveis para negociar e para encontrar soluções. Quantificamos, identificamos as questões e agora dizemos: têm aqui uma base…
Mas há uma linha vermelha?
Não temos linhas vermelhas, eu até sou do Belenenses! O que temos é o nível de responsabilidade e rigor na abordagem dos problemas que não belisca, pelo contrário, exige da nossa parte uma atitude incisiva e proponente a que aquilo que ontem foi criado com expectativa amanhã não se torne numa frustração. Queremos que esta solução que foi encontrada se consolide, mas ela será tanto mais depressa consolidada quanto mais depressa o Governo tiver as nossas propostas e responder às questões em concreto. Não estamos a dizer com isto que a resposta terá de ser total, em relação a todas as nossas propostas, mas há áreas onde obrigatoriamente o Governo tem de dar resposta.
Quais são essas áreas?
Em relação aos serviços públicos e à sua melhoria. E também aos trabalhadores da Administração Pública e do setor empresarial do Estado. Não aceitamos que, depois de um Governo do PSD/CDS ter degradado de uma forma visível e com impactos profundamente negativos a prestação destes serviços, neste momento tenhamos problemas na administração pública e também nos transportes. Não é desejável nem admissível que depois de vários meses a CGTP ter alertado o Governo para a necessidade de contratar trabalhadores para as empresas de transportes, que não faça nada. Mais do que palavras é preciso dar eficácia à intervenção governativa. Estamos a entrar no período de inverno. Com as obras que temos em Lisboa, se não forem melhorados os serviços públicos, isto vai tornar-se no caos. A decisão que validámos e apoiámos, que foi travar a entrega destas empresas públicas à iniciativa privada, não se pode tornar a breve prazo numa decisão incorreta, por falta de resposta em tempo oportuno. E também não aceitamos o princípio que os trabalhadores da administração pública e do setor empresarial do Estado estejam há anos sem verem melhorados os seus salários e descongeladas as suas carreiras.
“Não é por nós que o Governo vai embora, mas é bom que dê respostas”
O ministro das Finanças disse que em 2018 “vai ser considerado” o descongelamento das carreiras na função pública. Isto é suficiente para a CGTP?
Não. O que entendemos é que deve ser dado um sinal já em 2017.
Mas há margem orçamental para isso?
Há sempre margem. É uma questão de opção.
E abertura do Governo?
Até agora nada nos foi transmitido relativamente às propostas que apresentámos, mas estamos ainda no início de novembro. Esperamos que até ao dia da aprovação do Orçamento essa matéria seja abordada e discutida, neste caso, com a nossa frente comum de sindicatos.
Se não forem dados esses passos, qual a consequência?
A consequência será não só a introdução da instabilidade social nas empresas e na administração pública, mas também a movimentação dos trabalhadores. Para o dia 18 de novembro está convocada uma manifestação, não é para saudar aquilo que até agora não foi feito: é para chamar a atenção do Governo em relação a estas matérias, mas também um alertar para que nos serviços públicos sejam tomadas medidas atempadamente. Contem com a CGTP para ajudar a consolidar um projeto verdadeiramente de mudança, não contem com a CGTP para ser cúmplice de um projeto que foi anunciado de mudança e que depois se pode tornar numa linha de continuidade. Quando se está a dizer que não se atualizam este ano os salários, nem se desbloqueiam as carreiras, o que se está a assumir é uma posição de amputação do direito de negociação coletiva. A negociação não pode ter condicionamentos, não pode haver temas tabu.
O que o Governo colocou à ultima hora no OE sobre a contratação coletiva não chega como sinal?
O que não aceitamos é que a contratação coletiva continue condicionada. Há uma intervenção unilateral do Estado. Os trabalhadores do setor empresarial do Estado não são abrangidos pelo tipo de legislação e de negociação dos trabalhadores da Administração Pública. São abrangidos por aquilo que são acordos de empresa que emergem da legislação laboral que existe para o setor privado. O Governo não pode ser juiz em causa própria. O Governo é o acionista das empresas, negoceia com os sindicatos, agora não pode antecipadamente dizer que essas matérias não se negoceiam e que está a pôr em causa a negociação coletiva. Não aceitamos condicionalismos dessa natureza.
Já elencou uma série de insuficiências neste Orçamento, uma expressão também usada pelo PCP. Falou na consequência social, mas qual é a consequência política se isso não for corrigido?
A CGTP representa os trabalhadores portugueses, independentemente do seu posicionamento político partidário. O facto de ser membro do PCP não me dá o direito de sobrepor a minha opinião à do coletivo e dos meus camaradas. Temos um projeto unitário composto por comunistas, socialistas, católicos, muitos membro do BE e inúmeros independentes, e ao longo destes anos todos conseguimos sempre, com Governos do PS ou PSD/CDS, aprovar as nossas posições ou por unanimidade ou por consenso e raríssimas vezes por maioria. O nosso compromisso é com os trabalhadores. Respondemos perante o programa de ação que a CGTP aprovou no último congresso em fevereiro, em Almada. Em segundo lugar, a CGTP não vota, não pode nem quer votar o Orçamento.
Mas faz pressão social.
A CGTP considera que a sua intervenção não pode deixar de continuar a ser ouvida e a ser tida em consideração. O que dizemos é que não contribuiremos para o regresso do PSD e dos CDS ao poder, mas não deixamos de acentuar as vezes que forem necessárias a ideia que este Governo, em tempo oportuno, deve responder às reivindicações. Não é por nós que o Governo vai embora, mas é bom que, para ficar mais tempo, dê respostas às nossas reivindicações.
Salário mínimo abaixo dos 557 euros? “Seria uma situação inqualificável”
Admite em alguma circunstância que o aumento do salário mínimo em 2017 fique abaixo dos 557 euros?
O ADN da CGTP não contempla qualquer proposta que seja inferior às apresentadas pelo Governo ou por outros acordos que são celebrados. Não, nem se justifica, toda a gente sabe que há um acordo entre o Governo e Bloco de Esquerda relativamente a esse valor, que é mínimo, para início da negociação. Seria uma situação inqualificável se, para início das negociações, fosse apresentado um valor abaixo dos 557. Só entendemos os 557 como base de partida do Governo para negociar.
Mas é possível chegar aos 600 euros em 2017? O primeiro-ministro tem dito que não. Qual a sua sensibilidade para isso? Não é a sua primeira negociação do género.
Não antecipamos cenários antes de se confirmarem as propostas. Neste momento, formalizada na concertação social há uma proposta, a da CGTP, transcrita para ata: 600 euros em janeiro de 2017. Estamos num processo que eventualmente vai entrar numa fase mais acelerada. Recebemos esta manhã [quarta-feira] um convite do Presidente da República para reunir connosco relativamente a esta matéria e outras na próxima segunda feira. Lá estaremos para ouvir o que nos querem transmitir e lá estaremos para transmitir também o que entendemos que as instituições devem ouvir.
Carlos Silva, da UGT, sugeriu que o salário mínimo possa ficar abaixo do valor já acordado se houver contrapartidas, nomeadamente o descongelamento das carreiras. Jamais acompanharia uma posição destas?
Não devemos misturar o que não se pode misturar. As carreiras na administração pública não têm nada a ver com o salário mínimo nacional, decorrem do Orçamento e dos compromissos do Estado com os seus trabalhadores. É uma matéria que tem de ser tratada em sede de Orçamento. O salário mínimo nacional abrange talvez uma centena de milhar de trabalhadores da administração pública e a esmagadora maioria dos trabalhares que auferem o salário mínimo estão no setor privado. Sendo assim, a discussão do salário mínimo tem de se fazer a outro nível, entre Governo, sindicatos e confederações patronais. Mas não quer dizer que esse aumento esteja dependente do acordo tripartido entre estas entidades. O que a lei estabelece é que ele é da responsabilidade do Governo e compete a este anualmente fazer a sua atualização.
Está convencido de que vai conseguir chegar a um acordo na concertação social?
Vamos ver e analisar as propostas dos outros e depois veremos. Uma coisa é certa, não aceitamos que o aumento do salário mínimo nacional seja feito à custa do financiamento das entidades privadas. Entendemos que não compete ao povo e aos trabalhadores estarem a financiar o setor privado para aumentar o salário mínimo. E isto porque quando se chega à altura dos lucro também não os distribuem por todos. Não nos venham dizer que o aumento do salário mínimo cria uma situação dramática de desemprego e de encerramento das empresas porque isso é completamente falso. É um embuste.
O que neste momento separa a UGT da CGTP?
A hipótese de admitir negociar valores inferiores ao que o Governo negociou com outro partido para o salário mínimo, não preciso de acrescentar mais nada. É apenas um exemplo, muitos outros podíamos acrescentar. Mas cada um tem o seu ADN e aquela confederação foi formada com determinado tipo de objetivos que ao longo dos anos se concretizaram para clarificar a posição de cada um.
Gestão da Caixa Geral de Depósitos tem sido uma “novela”
A manutenção da sobretaxa em 2017 foi um balde de água fria para a CGTP?
A manutenção da sobretaxa em 2017 corresponde à violação de um compromisso que constava na lei, que estabelecia que a 1 de janeiro de 2017 teríamos a eliminação da sobretaxa. O Governo diz que os condicionalismos económicos e financeiros levam a que ela seja eliminada faseadamente e nós apresentamos uma alternativa para que possa ser feita mais rapidamente, por exemplo, através do fundo de resolução. Depois de o Estado ter colocado nos bancos — que entretanto abriram falência — milhares de milhões de euros, justifica-se que agora se tire dos contribuintes 140 milhões para colocar no fundo de resolução dos bancos privados? Esse dinheiro devia ajudar a reter a receita necessária para se eliminar a sobretaxa de IRS a 1 de janeiro ou o mais depressa possível. Ficávamos todos a ganhar, exceto os bancos, mas eles não se podem queixar. Enquanto tiveram lucros, aquilo foi sempre a amealhar, não distribuíram pelos clientes. Agora são os clientes que têm de pagar as fraudes e a má gestão desses bancos? Não, são os acionistas que têm de assumir as suas responsabilidades.
Violar um compromisso que está na lei não implica a quebra de confiança política neste Governo?
Representa uma beliscadura relativamente a o que estava dito. E já transmitimos isso ao Governo.
Mas admitem que possa ser feita de forma faseada, ainda que com devolução mais rápida.
Não, não. Em relação à política fiscal há duas componentes: uma é a progressividade do IRS e outra é a eliminação da sobretaxa, que continuamos a defender a 1 de janeiro de 2017. Temos aqui esta alternativa do dinheiro que vai para o fundo de resolução, se não for por esta via também apresentaremos outras a partir de questões concretas. É no dia 1 de janeiro que pode ser? Muito bem. É no dia 1 de março? Temos é de rapidamente continuar a procurar soluções para corresponder a um compromisso assumido e que neste momento não está a ser cumprido.
É possível ir por aí quando a banca se apresenta tão fragilizada?
Sim, não vamos pagar eternamente as fraudes e a má gestão da banca privada. Durante o período que antecedeu o conhecimento desta situação dramática da banca privada, houve sempre lucros que foram distribuídos. É justo que agora os acionistas suportem os encargos. Não podem? E nós, podemos? Nós pagámos juros significativamente elevados aos bancos. Eu para comprar a minha casa e ainda estou a pagar, sei quanto pago por mês, se for pedir dinheiro ao banco tenho de cumprir com as minhas obrigações perante os que me emprestam dinheiro. E os bancos? Não respondem com as obrigações perante o estado português?
Este Governo também protege a banca?
Este Governo continua a deixar-se condicionar por pressões externas, nomeadamente da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. É importante continuar esta política de reposição de direitos e de rendimentos, mas estamos a chegar a um momento em que este processo poderá esgotar-se a curto prazo. Continuamos a ser confrontados com os tais problemas que resultam não só das pressões internas dos intocáveis, como também do que se passa na União Europeia. Não vamos mais longe: neste momento não temos condições para dizer aos senhores da Comissão que isto não pode continuar assim? Temos. Ainda há duas semanas estive em Bruxelas e os meus camaradas da CGT de França trouxeram-me um livro do senhor Hollande e mostrara-me umas paginazinhas onde dizia que houve um compromisso entre Barroso, Juncker e Hollande para adulterar os défices e mentir à Comissão. Para nós tem de se cumprir isto ao milímetro e para os outros passa despercebido?
Mas o que me está a dizer, é que, em termos de negociação política com Bruxelas, quando compararmos com o Governo anterior não mudou nada.
Mudou, já houve alterações relativamente a estes posicionamentos.
Na questão da renegociação da dívida, por exemplo, não há qualquer mudança.
Tem de se ir mais longe. Este caso que envolve a França, de adulteração dos valores do défice francês, no mínimo, o Presidente da Comissão Europeia tinha de pedir a demissão, ir embora. Que moral é que tem o senhor Juncker neste momento para dizer a Portugal ou a qualquer outro país que tem de cumprir com as normas instituídas.
A CGTP tem uma tolerância maior com este Governo do que com o anterior?
Este Governo, em relação a Bruxelas, deve fazer mais. Este Governo relativamente a outro já fez mais, já procurou fazer um conjunto de contactos para sensibilizar outros países para se encontrarem soluções.
Mas em questões como a dívida não há evolução.
Ah mas tem de haver! Estarmos aqui no nosso país com um problema grave e continuarmos a pensar que o problema se resolve com aspirinas quando ele está a precisar de antibiótico. Agora se nos perguntarem se isso é fácil de resolver, não é fácil. E não envolve só a nós, mas tem de se definir uma estratégia. O nosso país está refém dos constrangimentos externos e do problema da dívida, decorrentes da ditadura do défice e da opressão da dívida.
Nessa perspetiva preocupa-o esta embrulhada do ministro das Finanças nesta matéria? No Parlamento, pareceu indiciar uma abertura para negociar a dívida em Bruxelas. Depois, já veio desdizer. O ministro dos Negócios Estrangeiros também disse que não existe qualquer abertura… Preocupa-o estes avanços e recuos do Governo?
Acho que é um erro o Governo não tomar a iniciativa de coordenar uma intervenção pública e, simultaneamente, junto das instituições europeias, no sentido de criar condições para abrir uma discussão sobre a renegociação da dívida. Em relação a esta matéria, não tem tido a posição mais adequada e correta. A exemplo daquilo que se passa com a Caixa Geral de Depósitos. Creio que a forma completamente desajustada como este processo tem sido conduzido é um tiro no pé.
Está a falar da questão da entrega da declaração de rendimentos e dos salários da nova administração?
Estou a falar da declaração de rendimentos, dos salários, do número de administradores. São umas que se sucedem às outras. Há quantos meses andamos a discutir a questão da Caixa Geral de Depósito? Não pode ser.
A responsabilidade política direta é de quem? Do primeiro-ministro ou do ministro das Finanças?
A responsabilidade é do Governo.
Mas há uma figura mais responsável…
Sim, mas a responsabilidade é do Governo. Agora, dentro do Governo há alguém que é responsável por essa pasta.
É o ministro das Finanças, Mário Centeno.
Terá de responder perante isso. Agora, já deveria ter respondido. Isto não faz sentido. Sinceramente, não tinha ideia que fosse possível, em novembro de 2016, estarmos a assistir a uma novela desta natureza em que todos os dias temos novos folhetins, mas a novela não acaba. E enquanto a novela não acaba, as medidas que se têm que tomar para a pôr ao serviço do desenvolvimento do país estão-se a atrasar.
Renegociação da dívida é um passo que “tem de ser dado”
Voltando à questão da renegociação da dívida. A posição da CGTP é em tudo idêntica à de Bloco de Esquerda e PCP. Ou seja, é preciso ir mais longe, é preciso garantir a renegociação da dívida e investimento público para o país. Os acordos à esquerda correm risco de se esvaziarem se não houver esta renegociação da dívida?
Há duas situações. Há um conjunto de compromissos que foram celebrados nos tais acordos que os partidos fizeram entre eles e que para a CGTP sempre foram entendidos como um entendimento mínimo. Agora, já estamos a entrar numa outra fase. É que depois de concretizado o essencial os compromissos desses acordos, agora precisamos de nos virar para o futuro. E em relação ao futuro, temos de acelerar o passo para responder a um conjunto de problemas e esse é um deles: a questão da dívida e também a questão do défice.
Por isso mesmo pergunto: se não existir resposta a esse problema, os acordos estão em risco?
Isso é uma boa pergunta que tem de fazer aos partidos políticos. A CGTP não pode responder por isso. O que podemos dizer é que seria mau se, porventura, depois de termos dado um passo que pode não ter sido de gigante, mas foi um passo que inverteu o rumo de retrocesso com que estávamos a ser confrontados, que agora não se desse um passo um pouco mais além para procurar resolver esses problemas.
E acredita que vai ser dado esse passo?
Tem de ser dado. Porque se não for dado isto acaba por se esvair. Isto é um processo. E é um processo que tem de ser evolutivo. Se entrámos num processo ele tem de evoluir. Porque se não evoluir, estagna. E se estagna, os mesmos que o apoiaram e incentivaram são os mesmos que amanhã se sentem frustrados e serão os primeiros a contestar. Não queremos voltar ao passado. Queremos que as coisas evoluam. Não se trata de estarmos aqui nesta discussão “o Governo não apresenta esta medida, cai hoje ou vocês vão exigir que caia amanhã”. Não, a questão neste momento é outra. Temos um conjunto de medidas que foram bem tomadas e são apoiadas e temos um outro conjunto de medidas que precisam de ser assumidas e que até ao momento ainda não foram. Então, vamos ver como as vamos concretizar.
Acredita honestamente que este Governo pode durar até ao final da legislatura?
A duração deste Governo está diretamente associada à capacidade de implementar a mudança que foi prometida e que criou legítimas expectativas aos portugueses.
“O Governo pode fazer mais em relação às pensões”
Considera que a fórmula de aumento de pensões encontrada pelo atual Governo é suficiente?
Consideramos que o Governo pode fazer mais em relação às pensões. E sabemos que não é fácil. Mas é chegado o momento de melhorar todas as pensões.
Incluindo as pensões mínimas das mínimas que ficaram de fora deste aumento extraordinário?
Incluindo as pensões mínimas.
Mas acha razoável que tenham ficado de fora deste aumento extraordinário?
Não. Acho que o Governo pode fazer melhor. O regime não contributivo é aquele que decorre do apoio do Orçamento do Estado e, no quadro do Orçamento do Estado, temos de apelar à solidariedade para que outros que beneficiaram com a crise agora contribuam um pouco para a melhoria destas pensões mínimas. Relativamente ao sistema contributivo, que é aquele que decorre das contribuições que todos nós fazemos, pensamos que é possível e desejável que a atualização das pensões seja feita de uma forma mais alargada e não só: que os dez euros possam ser concretizados mais cedo.
O Governo socialista já manifestou vontade de rever a aplicação da condição de recursos nas prestações sociais não contributivas. Quais são as linhas vermelhas da CGTP nesta matéria?
Não se trata de colocar linhas vermelhas. Estamos num quadro em que temos um Governo que tem uma postura diferente da do anterior. O anterior dizia-nos: “É assim e não saímos daqui”. Não havia diálogo, nem negociação. Este diz: “Nós queremos mexer e estamos disponíveis para ouvir”. Não vale a pena colocar linhas vermelhas.
Então pergunto-lhe: qual é a proposta da CGTP nessa matéria?
A condição de recursos deve ser revista.
Sim, mas em que termos?
A condição de recursos foi introduzida para quê? Para de alguma forma condicionar a atribuição de uma prestação ou de um apoio social.
Mas deve ser revista em que sentido? Retirada?
Sim, deve ser retirada em relação a uma ou outra prestação, a um ou outro apoio social. O facto de estar numa casa em que, por exemplo, o companheiro ou companheira tenha um salário mínimo nacional ou tem 600 euros de ordenado, só por isso [justifica-se] que a condição de recursos ponha em causa a atribuição de um determinado apoio social? É injusto. Estamos a falar de quê? De grandes rendimentos? Não, estamos a falar de rendimentos mínimos. Quando se diz: “É preciso acabar com os abusos”, então que se identifiquem os abusos. Não pactuamos com abusos. Agora, não estamos de acordo que a pretexto de uma infração ou outra pague o justo pelo pecador.
“Não vamos para a rua só porque gostamos de estar na rua”
Na última entrevista que deu ao Observador disse que a CGTP não ia de férias. Mas a direita tem sugerido que a CGTP afrouxou na rua. Revê-se na crítica?
Não. Há uma situação diferente. As coisas não podem ser comparadas. As coisas alteraram-se. Durante anos tivemos um Governo que não só cumpriu o programa da troika como até foi mais longe. Cada lei que anunciava era uma lei contra os trabalhadores. Só havia uma hipótese: contestar essas leis. Agora, temos uma situação diferente. Uma parte das reivindicações que apresentámos estão a ser correspondidas e implementadas. Se estão a corresponder àquilo que reclamámos, não vamos para a rua só porque gostamos de estar na rua. Não somos masoquistas.
Mas aqui nesta entrevista já elencou uma série de áreas, e áreas centrais para a CGTP, como a questão da contratação coletiva, o salário mínimo, as pensões, a renegociação da dívida, são questões estruturais e a que este Governo não considerou até agora. Porque é que a CGTP não está na rua a fazer essa contestação?
Acabei de lhe dizer. Porque, até agora, algumas das reivindicações estão a ser correspondidas…
Estas têm um peso menor?
Não, não. Aquelas que não estão a ser correspondidas já estão a ser alvo de contestação. Nomeadamente, a questão das 35 horas que ainda não foram implementadas para todos os trabalhadores da administração pública. Reconhecerá que os enfermeiros estão a desenvolver uma luta há uma série de meses. Olhe para as escolas. Vários sindicatos da função pública estão a desencadear uma série de processos de luta para reclamarem a entrada de auxiliares ou de trabalhadores assistentes para assegurar o funcionamento das escolas. Dia 18 vamos ter a manifestação da administração pública. Quando tivermos de agir, nós agimos.
Mas não há uma diferença na dimensão das ações de protesto?
Não. Ainda hoje recebemos o presidente do PSD e a presidente do CDS e tivemos o cuidado de, no final, no dossier com as nossas propostas, introduzir também uma síntese das lutas que realizámos desde o início do ano até agora.
Foi para rebater esse argumento?
Não, foi apenas e só para se dizer que essa história do ir de férias… Eu de férias fui, mas no período de verão no pouco tempo que tive disponível para ir. E ando por aí. Eu ando por aí e ando por todo o país, mas a comunicação social agora não aparece. E não aparece porquê?
Há quanto tempo não há uma grande manifestação da CGTP à frente da Assembleia da República
Olhe, não foi à frente da Assembleia da República, mas a CGTP deu o seu contributo para fazermos uma grande manifestação pela defesa da escola pública no dia 18 de junho aqui em Lisboa. Não pomos de parte a hipótese de voltarmos à Assembleia da República com grandes manifestações gerais. Agora, não estamos muito interessados nisso. Sabe porquê? Isso seria o reflexo da ausência de respostas do Governo. E nós queremos resultados, queremos resolver os problemas.
Portanto, se houver essa ausência de respostas do Governo admitem recorrer a grandes manifestações?
Claro. E o Governo não pode entender isso como uma atitude de hostilidade. Tem de entender isso como uma atitude de responsabilidade democrática na exigência de resposta aos problemas que apresentamos.
Quando apresentou os dados das manifestações ao presidente do PSD e à presidente do CDS qual é que foi a reação?
Agradeceram. Assim já têm trabalho de casa para depois adequarem o seu discurso nos próximos tempos.
Houve alguma diferença nas reuniões que agora teve com os dois partidos?
Houve. Por acaso houve. O PSD continua no mesmo registo. Ou seja, aquilo que foi feito, e foi mal feito, tinha de ser feito e se não fosse assim ainda era pior. Em relação ao CDS, houve uma tentativa clara de demarcação do passado, procurar passar uma esponja por aquilo que se passou anteriormente e agora dar a ideia de que o CDS não teve nada a ver com os quatro anos da troika e que está mais sensibilizado para apresentar propostas para responder a problemas sociais. A uns e a outros o que dizemos é uma coisa muito simples: nós não mudamos. Continuamos a ser a mesma força sindical coerente. As críticas que fizemos ao Governo de PSD/CDS são as críticas que faremos a este Governo se, porventura, numa ou noutra matéria, [tiver um comportamento] idêntico, por exemplo, na questão da dívida e do défice. Não podemos aceitar que erros que foram cometidos no passado permaneçam no presente. Atuem enquanto é tempo.
Mas não tem faltado uma ação mais concreta da CGTP por exemplo no que diz respeito ao modo como tem sido gerido o problema do Metro de Lisboa? Não reconhece que há um problema evidente no Metro de Lisboa? Se fosse com o anterior Governo o que é que teria acontecido?
Continuavam as lutas. E sabe porque é que as lutas não continuaram? Porque as lutas eram para a defesa do acordo da empresa, que já está concretizado com este Governo. E era para melhorar o serviço público. E neste caso concreto a melhoria do serviço público passava por uma primeira fase. E a primeira fase passava por travar a entrega da gestão à iniciativa privada e assegurar que a empresa se mantinha no setor público. E isso também foi conseguido. Depois disso, o que é que falta fazer?
O serviço público funcionar objetivamente?
Exatamente. Falta aquilo que na nossa opinião é elementar: a qualidade do serviço que tem de ser assegurado aos passageiros. E é por isso mesmo que têm sido desenvolvidas [várias ações] durante os últimos meses. E também por isso mesmo, a CGTP, coordenando a sua federação e os sindicatos, já fez uma reunião com o ministro do ambiente em agosto. Está prevista, creio que este mês, outra reunião com o ministro do Ambiente. Durante este período apresentámos sugestões e aquilo que tem de ser feito urgentemente.
E se não for feito?
Se não for feito temos aqui um duplo problema. É que depois de uma decisão que foi acertada, acabámos por ter uma resposta que será de profundo descontentamento. Não queremos que, por incapacidade do Governo em dar resposta à melhoria dos serviços públicos, tenhamos a população a contestar, os trabalhadores a contestarem e, neste caso concreto, a pôr em causa a decisão que foi acertada, para depois dar origem a um movimento de justificação para a entrega destas empresas à iniciativa privada. Precisamos de melhorar os serviços públicos e se há alguém que se tem manifestado e tem apresentado soluções para que esta melhoria seja feita em tempo útil são os sindicatos da CGTP.
PCP “tomou uma atitude de grande responsabilidade”
Acha que o PCP perde margem de manobra ao estar a médio-prazo nesta solução de governação?
Creio que o meu partido tomou uma atitude de grande responsabilidade, que surpreendeu muitos daqueles que pensavam que o PCP não era parte integrante da solução. Segundo lugar, o PCP não está no Governo. Mas o PCP tem um papel importante na discussão de um conjunto de propostas suscetíveis de dar resposta às necessidades do país e das populações. Terceiro lugar, o que é que daqui pode acontecer? Vai depender muito daquilo que o PS e o seu Governo estiveram disponíveis para corresponder ou não às posições do PCP.
Não admite, em nenhum cenário, que o PCP possa sair fragilizado de um eventual falhanço desta solução?
Olhe, o que considero é que neste quadro todos devem fazer um esforço para consolidar a solução. É que se não o fizerem vamos abrir uma Caixa de Pandora, cujas consequências não são previsíveis e não seriam boas para os portugueses.
Mas Orçamento atrás de Orçamento, e já são dois, com o PCP a dizer que é o Orçamento possível, mas insuficiente… Até quando o PCP pode aguentar isto?
É uma boa pergunta, reconheço, mas tem de pedir a resposta à direção do PCP.
Mas há um limite de resistência?
A questão que se coloca não é de resistência. É de capacidade de iniciativa e de vontade para que isto avance. Não é de resistência. A gente não está a resistir. A gente esteve a resistir foi com o Governo de PSD e CDS. E valeu a pena. Agora, esta já não é altura de resistir. É altura de avançar.
Então, deixe-me substituir a palavra “resistência”. Há limite para a paciência dos comunistas?
Há sempre limites.
Quais?
Não é previsível, mas suponha que, num cenário hipotético, o Governo voltava com tudo atrás ou tinha uma postura completamente diferente daquela que tem tido. Aí, estava a romper compromissos e a romper, sobretudo, o princípio da confiança. Não estamos a perspetivar que isso aconteça. Mas a situação é fácil de gerir? Não. Mas todos nós temos a obrigação de evitar que se volte ao passado de fazermos um esforço para ir mais longe. Portanto, quando dizemos que é preciso ir mais longe e apontamos as medidas, não estamos a dizer que vamos encostar o Governo à parede. Não. Estamos a dizer ao Governo: “Libertem-se. Libertem-se desses condicionalismos e, sobretudo, tornem-se mais maleáveis e mais ofensivos, no bom sentido, para avançarmos, como diria o outro, sem medos.
Já falou na necessidade de o PCP rejuvenescer. Acha que deve acontecer uma mudança, relativamente à liderança, deve acontecer até ao final deste ano?
O PCP deve ser dos partidos com o maior nível de rejuvenescimento. Em relação à direção, esse processo está também em desenvolvimento. Mas no que concerne ao secretário-geral, aquilo que o deduzo, é que não está nada fechado. Que saiba, Jerónimo de Sousa vai continuar. Creio que é esse o sentimento generalizado.
E continua a afastar a hipótese de vir suceder a Jerónimo de Sousa?
Já respondi a essa questão várias vezes. Tenho um compromisso com o movimento sindical. Depois de deixar de ser secretário-geral da CGTP, vou voltar à minha empresa. Não assumirei outra responsabilidade política. Trabalhar para o partido, sim, mas a minha opção é o movimento sindical.