Não é segredo nenhum que a NASA tem vindo a planear a desativação da Estação Espacial Internacional (EEI), que, com o tamanho de um campo de futebol, é a maior estrutura alguma vez construída fora do planeta Terra. O como era até agora uma pergunta sem resposta, mas desde o contrato milionário assinado com a empresa Space X, de Elon Musk, para a construção de uma nave para trazer a estação de volta à Terra, vão sendo conhecidos mais detalhes.
A agência espacial norte-americana revelou no final de junho que deu à empresa de Musk 843 milhões de dólares (cerca de 770 milhões de euros) para mergulhar a estação espacial num oceano após o seu fim de vida, previsto para 2030. Caberá à Space X construir uma nave para a forçar a entrar de forma controlada na atmosfera da Terra, longe de qualquer civilização.
Não há muitos exemplos na história que possam servir como guia para a operação. Em 1973, a Skylab, a primeira estação espacial norte-americana, desintegrou-se ao reentrar na atmosfera e alguns destroços acabaram por cair na Austrália e nas águas circundantes do Pacífico. Já 28 anos depois, a estação russa Mir, que esteve operacional durante 15 anos, também encontrou o seu fim no Pacífico. Em nenhum dos casos houve registo de danos, ainda que a NASA tenha sido multada pela queda de destroços em território australiano. Mas nenhuma estava perto de ter as dimensões da EEI.
A operação para a desativar vai obrigar ao desenvolvimento de uma nave suficientemente potente para manobrar a EEI, que pesa cerca de 430 mil quilos — e, em 24 horas, completa 16 órbitas em torna da Terra. “Selecionar um veículo norte-americano para desorbitar a Estação Espacial Internacional vai ajudar a NASA e os seus parceiros internacionais a garantir uma transição segura e responsável e o fim de operações“, dizia Ken Bowersox, um dos administradores das operações espaciais da NASA, citada pela agência em comunicado.
Pensada na década de 80, foi operada por cinco agências e acolheu mais de 270 astronautas. A EEI está no espaço há 25 anos
É a lei da vida. Tudo o que sobe, também desce. Será também assim com a Estação Espacial Internacional, que já mostra sinais de envelhecimento. E não podia ser de outra forma, não estivesse já há 25 anos em órbita, tendo acolhido nas suas instalações mais de 270 astronautas de cinco agências espaciais.
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Os planos para a construção da EEI começaram ainda no final da década de 80, com vários elementos centrais a serem construídos pelos Estados Unidos, Canadá, Japão e em vários países europeus. Os primeiros segmentos, dos EUA e da Rússia, foram lançadas em 1998. Mais tarde seguiriam também os segmentos da Europa e do Japão e braços robóticos do Canadá. Os astronautas Bill Shepherd, Yuri Gidzenko e Sergei Krikalev seriam os primeiros a habitar as instalações recém construídas.
A estação ficou finalmente construída depois de mais de uma década de trabalho e de 30 missões espaciais. Tem o tamanho de um campo de futebol e cerca de 430,000 kg de massa. A chegar perto das três décadas em órbita, em que os seus materiais estiveram expostos às duras condições do espaço e tendo os trabalhos de manutenção e reparação se tornado uma constante no dia a dia dos astronautas que a ocupam, os planos já estão em marcha para a desativar.
A NASA estima que seja possível manter a estação em funcionamento até 2030, mas não tenciona estar à frente da construção de uma nova. Esses empreendimentos deixam ao cuidado de empresas privadas, que começam a ter cada vez mais uma palavra na exploração espacial. Ao invés, tenciona pagar para usar futuras instalações que criem, uma estratégia não muito diferente daquela que a leva a pagar para transportar equipamentos para o espaço — em fevereiro enviou várias experiências para a Lua a bordo do módulo Odysseus, da Intuitive Machines.
Livre da responsabilidade de construir uma nova estação espacial — ainda que rivais como a Rússia o planeiem fazer –, a NASA fica mais livre para se concentrar em voltar a levar astronautas para a Lua — a última vez foi em 1972, na missão Apollo 17 — e liderar a corrida para chegar a Marte pela primeira vez.
Ainda que a desativação da Estação Espacial esteja prevista para 2030, nada é ainda definitivo. A agência não excluiu prolongar a vida da estação caso os planos para construir novas instalações se atrasem ou não corram como o previsto para não ter de interromper investigações científicas.
Do desmantelamento à mudança de órbita. As soluções equacionadas até chegar ao plano final: uma descida ardente e a queda de destroços no oceano
O concurso da NASA para desativar a Estação Espacial Internacional foi aberto em setembro de 2023 e várias opções estiveram em cima da mesa. A hipótese de desmantelar a estação e reaproveitar as várias componentes, eventualmente até permitir a empresas privadas usá-las como parte de novas estações, chegou a ser equacionada. No entanto, o caminho foi considerado pela agência norte-americana muito caro e arriscado para os astronautas que teriam de mediar o processo. Além disso, como lembra a Associated Press, já não são usadas naves tão grandes como os antigos modelos da NASA e que fossem capazes de trazer toda a estrutura para baixo.
[Os trabalhos de manutenção e reparação na EEI]
Outra hipótese que chegou a ser pensada foi desativar a estação e movê-la para uma órbita superior e mais estável. Também esta foi afastada, não só pela dificuldade da operação, mas pelo risco de aumentar o lixo espacial em órbita. Seria contraproducente, numa altura em que várias entidades, incluindo a própria NASA, apostam em missões e estratégias — desde lasers a braços róbóticos — para limpar o espaço de detritos e lixo deixado pelo Homem. Os prós e contras de uma reentrada aleatória também foram pesados, mas o governo norte-americano estabeleceu que “a reentrada de uma nave espacial deve atender ou exceder uma probabilidade de risco público de 1 em 10.000 devido a detritos“.
A hipótese final é já um clássico, forçar uma reentrada controlada na atmosfera da Terra, durante a qual a maior parte da estrutura se vai incendiar. Os componentes que sobreviverem à descida ardente, que a NASA estimam que possam ir do tamanho de um micro-ondas a um carro — deverão cair em pleno oceano. Se o Pacífico Sul ou o Índico, ainda não foi definido.
É aqui que entra a Space X: construir uma nave capaz de atracar na estação espacial e direcioná-la para que, ao entrar na Terra, caia em águas profundas, longe de qualquer civilização. A área de queda dos detritos poderá estender-se ao longo de cerca de dois mil quilómetros. “Assim que a tripulação tiver regressado em segurança à Terra, e depois de algumas manobras para alinhar o percurso final e pegada de detritos numa região desabitada no oceano, os operadores da estação espacial vão comandar a reentrada e dar um empurrão final para garantir uma reentrada segura”, refere a NASA na sua página.
Space X aposta em remodelação do modelo Dragon. O dobro do tamanho, o triplo dos motores
A Space X já anunciou que não vai desenhar uma nave de raiz. Ao invés, planeia basear-se num modelo que se tem revelado um sucesso ao longo dos últimos anos: o Dragon. Desde o primeiro lançamento tripulado, em 2020, a nave tem transportado mantimentos e astronautas para a Estação Espacial Internacional e até já levou grupos de turistas às instalações. No total já foi lançado 46 vezes para o espaço, incluindo 42 viagens ate à estação espacial.
“Um dos benefícios de usar o Dragon, com o seu histórico de viagens, é que podemos continuar a usar hardware que está certificado pela NASA e está presente em vários sistemas chave“, destacou a diretora da missão Dragon da Space X, Sarah Walker, numa conferência de imprensa recente. Apesar da familiaridade com a EEI, a Space X lança-se agora numa missão como nunca antes foi tentada e serão necessárias várias adaptações ao Dragon.
A nave terá de ser muito maior para acomodar tanques de propelente, sistemas de energia e um recorde de 46 motores — o triplo dos que o modelo atual possui. A secção responsável pela parte da propulsão e energia terá de ser pelo menos duas vezes maior, indicou Walker. “A nave vai precisar de toneladas de propelente, uma série de motores para dar um grande impulso à EEI”, apontou, acrescentando que o grande desafio será criar uma nave espacial suficientemente poderosa para guiar a estação e, simultaneamente, resistir aos puxões e ao jogo de forças durante a descida final.
Sabendo que a maior parte dos componentes vão acabar por arder na atmosfera ou ficar danificados, a NASA quer trazer de volta algumas peças para exibir em museus, desde registos da nave até alguns dos painéis. O objetivo é trazer estas “lembranças” ao longo do último ano de atividade. “Infelizmente, não podemos trazer para casa coisas realmente grandes”, admitiu Ken Bowersox, da NASA. “Uma parte de mim adorava tentar salvar algumas”, reconheceu, acrescentando que a abordagem mais prática é destruir tudo de uma só vez.