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Ilustração da química "clique"
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Os três laureados com o Nobel da Química 2022 tornaram a construção de moléculas tão simples como o encaixe de duas peças

Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences

Os três laureados com o Nobel da Química 2022 tornaram a construção de moléculas tão simples como o encaixe de duas peças

Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences

Nobel da Química. Como um “clique” tornou mais fácil criar novas moléculas e medicamentos

Simplificar a química, torná-la mais útil e conseguir usar processos em organismos vivos, motivaram o trabalho dos 3 laureados com o Nobel da Química. E ainda há muitos usos por descobrir.

E se criar novas moléculas fosse tão simples como estalar os dedos — ou encaixar duas peças de Lego? Na verdade, já é, graças ao trabalho dos três laureados com o prémio Nobel da Química — Carolyn R. Bertozzi, Morten Meldal e K. Barry Sharpless —, anunciado esta quarta-feira pela Real Academia Sueca das Ciências, em Estocolmo.

“Fico muito contente que este Nobel seja atribuído a estes três cientistas”, diz ao Observador Ana Petronilho, investigadora no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB, Oeiras). “Acho que enaltece o trabalho absolutamente fundamental da química sintética, que nem sempre tem uma aplicação no imediato, mas que pode ter um impacto nas nossas vidas que vai muito além do que era esperado inicialmente.”

Pode ouvir a entrevista completa a Ana Petronilho no programa Resposta Pronta da rádio Observador.

Ana Petronilho: “A química de ‘clique’ tinha de ser premiada com um Nobel”

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Prova disso é o próprio trabalho de investigação conduzido por Ana Petronilho. A equipa que coordena no ITQB pegou na molécula de AZT (azidotimidina), usada no tratamento e prevenção da infeção com VIH (vírus da imunodeficiência humana), e transformou-a numa molécula mais volumosa e mais complexa com recurso à química “clique”. Depois, em colaboração com uma equipa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Lisboa, testaram-na em células saudáveis e verificaram que, mesmo na presença do VIH, esta molécula modificada impedia a infeção. “Percebemos que estas moléculas são bastante eficientes para o tratamento profilático do VIH.”

A investigação de Ana Petronilho

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No laboratório de Ana Petronilho, no ITQB, a equipa de investigadores dedica-se a estudar as modificações dos nucleósidos, que são as peças que compõe as moléculas de ADN e ARN: como reagem, como se degradam, que impacto têm nas várias doenças. A expectativa da investigadora é que se possam desenvolver novos medicamentos, com base nestes nucleósidos, que possam interferir, por exemplo, nos processos cancerígenos.

A eficácia na prevenção do contágio revelada nos testes de viabilidade animam a investigadora, que destaca, no entanto, que ainda há muito trabalho de química fundamental (em laboratório) que precisa ser feito. “É um trabalho muito promissor, mas muito preliminar.” A síntese de moléculas precisa de ser mais desenvolvida e os processos otimizados — para se obterem também os melhores resultados — e é preciso aumentar a biblioteca de moléculas (ou seja, a lista de compostos disponíveis para estes trabalhos de síntese e química “clique”).

Usar cobre para fazer o “clique”

A otimização das reações químicas já fazia parte dos interesses de Barry Sharpless, investigador no Instituto Scripps (Estados Unidos), ainda antes de ter sido agraciado com outro prémio Nobel da Química em 2001 (pelo uso de catalisadores em reações de oxidação). Nesse ano, Sharpless lançava os fundamentos e cunhava o conceito de química “clique”, que usa moléculas simples (pequenos tijolos de Lego) para criar moléculas complexas (o muro de peças bem encaixadas). A própria designação — química “clique” — já demonstra a simplicidade e eficácia da tecnologia, destaca Milagros Piñol, investigadora no Instituto de Nanociência e Materiais de Aragón (Espanha), ao SMC España (Science Media Center).

“Estamos apenas a arranhar a superfície da nossa compreensão sobre a química orgânica.”
Morten Meldal, Universidade de Copenhaga

A reação entre duas moléculas para originar uma molécula mais complexa não é um processo novo, mas antes da química “clique” implicava que, para se obter o produto desejado, muitas outras moléculas eram formadas (produtos secundários). E isto traduzia-se em tempo e dinheiro gastos, porque era sempre preciso purificar o resultado da reação, para se ficar só com as moléculas de interesse. Mais, a quantidade de produtos secundários da reação, tornavam o processo muito menos rentável (com muito desperdício de recursos).

No início dos anos 2000, a química “clique” de Barry Sharpless começou a tornar estes processos mais simples, mais fiáveis e mais rentáveis (sem produtos secundários). Mas o método ainda precisava ser refinado. E foi o que o investigador do Instituto Scripps e Morten Meldal, investigador na Universidade de Copenhaga (Dinamarca), fizeram de forma independente: encontraram um catalisador à base de cobre que era altamente específico para este tipo de reação.

A utilização foi amplamente disseminada e o catalisador é, hoje em dia, usado no desenvolvimento de produtos farmacêuticos, na indústria e em vários laboratórios de investigação, como o de Ana Petronilho. Com o objetivo de criar materiais mais adequados aos fins a que se destinam é possível adicionar “com um clique” moléculas que “conduzem eletricidade, que captam a luz solar, que são anti-bacterianas, que protegem da radiação ultravioleta ou que têm outras propriedades desejáveis”, ilustra um artigo do Nobel sobre a investigação.

O Prémio Nobel da Química 2022 recompensa o desenvolvimento de um dos processos químicos mais úteis das últimas décadas. A química ‘clique’ torna possível realizar reações com uma especificidade sem precedentes, tornando possível que só haja reação entre aquilo que se pretende que reaja”, disse Fernando Herranz, coordenador do grupo de Nanomedicina e Imagem Molecular do Instituto de Química Médica (IQM-CSIC), ao SMC España.

Prémio Nobel da Química atribuído à simplificação do método de criar novas moléculas

Como usar um “clique” para criar tratamentos contra o cancro

Já nos anos 1990, Carolyn Bertozzi, investigadora na Universidade de Stanford (Estados Unidos), procurava uma forma de identificar os glicanos (açúcares que existem na superfície das proteínas e das células) que conduzem as células imunitárias até aos nódulos linfáticos. A persistência trouxe-lhe alguns resultados importantes, como a criação dos marcadores fluorescentes que se ligam ao glicanos e que mostram onde se escondem nas células. Este marcador, no entanto, não podia reagir com mais nada na célula a não ser a molécula-alvo — um processo que Bertozzi cunhou de bio-ortogonal.

“Sempre foi a minha esperança que, como cientista, pudesse fazer algumas contribuições que beneficiassem a saúde humana.”
Carolyn Bertozzi, Universidade de Stanford

Pouco tempo depois, a investigadora norte-americana teve conhecimento do trabalho de Sharpless e de Meldal, que lhe podia ser muito útil. Mas antes de colocar a química “clique” em ação nas células era preciso substituir o cobre, tóxico para a vida, por outro agente que facilitasse a reação. A aplicação da química “clique” na química bio-ortogonal, como Bertozzi fez, “trouxe as coisas para um patamar completamente diferente, porque passámos a poder fazer reações dentro de células, com uma especificidade que dantes era muito difícil de conseguir”, diz a investigadora portuguesa.

A química “clique” bio-ortogonal permitiu ter reações dentro das células que afetam apenas a molécula de interesse, sem interferir no resto do ambiente celular. As reações assim mediadas, ao contrário das anteriores, não originavam produtos tóxicos para as células, não alteravam a temperatura celular e também não precisavam de catalisadores feitos de metais tóxicos. A química “clique” tornou-se assim “uma das ferramentas mais úteis para compreender e manipular a biologia”, disse José Luis Mascareñas, diretor científico do Centro Singular de Investigação em Química Biológica e Materiais Moleculares da Universidade de Santiago de Compostela, ao SMC España.

Uma das aplicações da química “clique” bio-ortogonal de Bertozzi foi no desenvolvimento de tratamentos contra o cancro. A investigadora verificou que alguns glicanos apareciam na superfície de células tumorais e “desligavam” as células do sistema imunitário, tornando-o assim incapaz de combater estas células estranhas. Com um “clique” juntou um anticorpo (contra um glicano específico) a uma enzima (que degrada proteínas); depois, deixou que o anticorpo encontrasse o glicano na célula tumoral e que a enzima o destruísse.

Este produto farmacêutico biológico está, atualmente, em ensaios clínicos em pessoas com cancro avançado. Como se consegue ligar a um componente da celular tumoral, o anticorpo também pode ser usado para entregar doses letais de radiação nas células cancerígenas.

“A química ‘clique’ e as reações bio-ortogonais levaram a química para a era do funcionalismo. E isto está a trazer um enorme benefício para a humanidade”, lê-se no comunicado do Nobel.

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