Foi um pequeno caos o comício do PS desta terça-feira, na Aula Magna. Dois ativistas pelo clima levantaram-se, à vez, enquanto o líder socialista discursava para protestar, interrompendo-o. Os simpatizantes do partido que estavam na sala rapidamente trataram de abafar o som de quem se levantou e retirar os elementos da sala, entre empurrões e alguma tensão. Os protestos mancharam um comício que o partido pretendia que fosse uma prova de força em Lisboa, com vários governantes, incluindo Costa, e um histórico, Manuel Alegre, a marcarem presença. E Pedro Nuno a pedir “uma maioria”.
Mal Pedro Nuno Santos subiu ao palco para falar, uma senhora tentou alcançá-lo tendo sido imediatamente travada por dois elementos do corpo de segurança pessoal do primeiro-ministro, já que Costa estava sentado na primeira fila, a uma curta distância do líder. Quando percebeu que era uma apoiante, Pedro Nuno prometeu-lhe que falariam no fim (assim foi e acabou com a senhora a colocar-lhe uma Bíblia sobre a cabeça, já no final do comício). Mas os percalços não ficaram por aí, já que sentados entre os militantes e simpatizantes do partido estavam ativistas do Fim ao Fóssil.
A primeira levantou-se para ler um manifesto e foi imediatamente afastada, com empurrões e até alguma agressividade dos simpatizantes do partido que estavam a assistir ao comício, como registou o Observador (ver imagens em baixo). Durante esse momento, gritava-se “PS” na tentativa de abafar os protestos da jovem que foi retirada da sala.
Pedro Nuno prosseguiu a intervenção e poucos minutos depois, quando falava no “orgulho” pelo que fizeram nos últimos anos, apontando António Costa sentado à sua frente, outro ativista levantou-se. Os protestos foram, mais uma vez, impossíveis de perceber porque a sala imediatamente os abafou gritando “PS”. Num comunicado posteriormente divulgado, os ativistas reivindicaram a ação durante o comício socialista.
O texto refere que na sala estavam “dez estudantes que se levantaram para fazer um discurso” — só se levantaram dois, mas outros estiveram a apoiar, tendo sido levados da sala três. Pertenciam ao movimento Fim ao Fóssil e afirmam que todos os partidos estão a falhar, pois “nenhum tem um plano para o fim do uso dos combustíveis fósseis até 2030″. Falavam do PS que “escolheu proteger os lucros exorbitantes da EDP e da Galp, nomear como ministros CEOs de petrolíferas e criar projetos suicidas de expansão de emissões, como um novo gasoduto e um novo aeroporto.” O protesto levou a que os elementos da PSP que estavam no evento socialista se mobilizassem para as portas da sala principal da Aula Magna.
No púlpito, Pedro Nuno pedia “calma e serenidade” para prosseguir o comício e tentava tirar peso ao ambiente: “Só pedir que quem quisesse falar fosse logo de uma vez para não estarmos sempre a ser interrompidos”. A sala sorriu, mas ficou tensão no ar, com alguns dos seguranças de Costa a posicionarem-se virados para a plateia para controlar a situação, mas, a dada altura, quando um apoiante gritou palavra de alento a Pedro Nuno, o socialista não deixou de se assustar, rindo-se depois: “Eu depois fico na dúvida”. E repetiu que outra característica que o o PS tem de ter sempre “é o respeito por quem discorda” do partido.
No apelo ao voto, Pedro Nuno Santos tinha acabado de referir no seu discurso que espera ser primeiro-ministro nas comemorações, este ano, dos 50 anos do 25 de Abril. “O país vai comemorar os 50 anos do 25 de Abril com um primeiro-ministro que vai descer com orgulho a Avenida. Não podemos perder esta oportunidade”, referiu na intervenção. E disse que, “para isso, é preciso que o PS ganhe e tenha uma maioria, tenha uma vitória”, atirou já no final do discurso.
O histórico, o ex-líder e governantes
O comício tinha também na primeira fila Manuel Alegre que não interveio, mas falou à entrada para negar que existam “razões para o desgaste” da imagem do PS nesta altura. “Evidentemente que há sempre um relativo desgaste e há uma vontade de mudança, mas eu creio que essa mudança só o PS a pode fazer.” Além disso, o histórico socialista disse que “a estabilidade passa muito pelo resultado e a estabilidade é mais certa se a vitória for do PS, porque a instabilidade está dentro da Aliança Democrática “.
Já o outro convidado de honra da noite, António Costa, entrou mudo e saiu calado. O que tinha para dizer disse-o ao ouvido de Pedro Nuno Santos, no final do discurso e nada discretamente. O ex-líder e ainda primeiro-ministro segurou o seu sucessor pelo braço no final do comício para lhe segredar qualquer coisa, mas estavam ambos em cima do palco, à vista de toda a gente.
No comício discursaram várias figuras do PS, com a cabeça de lista por Lisboa, Mariana Vieira da Silva, a falar aos indecisos e a atirar à oposição à direita: “Gostam tanto do passado que até mudaram o nome à coligação”, começou por provocar para logo depois atirar à direita. Que acusou de “quer apresentar medidas para se reconciliarem com o povo português mas fizeram-no com truques do passado. Escreveram medidas e martelaram o crescimento até as medidas caberem lá”.
O arranque do discurso da ainda ministra da Presidência também teve um percalço, já que o microfone falhou e passaram largos minutos até que voltasse a funcionar, com Vieira da Silva a ficar parte desse tempo em cima do palco à espera e sem som.
No mesmo púlpito tinha já discursado Marta Temido. A presidente da concelhia de Lisboa (e apontada como possível candidata à presidência da Câmara pelo PS), que também já foi ministra da Saúde, lembrou os tempos da pandemia, em que estava em funções, para apontar o risco de ter a direita no poder. Disse que “a luta à pandemia se fez porque existe “um Estado social forte” e que se manteve “quando todas as outras portas fecharam”. “Não podemos voltar para trás”, disse, levantando a sala num dos discursos mais galvanizadores (e um dos poucos sem incidentes) da noite.
A ex-ministra atacou ainda o que foi dito durante esta semana pelos candidatos da direita. “Como podemos levar a sério os negacionistas das ações climáticas?”, questionou levantando apupos na sala. E novamente quando perguntou “como é que podemos deixar sem resposta o que nos pretende amedrontar com a ideia de que a imigração provoca nos portugueses uma sensação de insegurança?” e ainda outra vez quando falou nas declarações de Paulo Núncio sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. “Não passarão”, gritou-se na sala na sequência das palavras de Marta Temido.
O grito contra a direita repetiu-se logo depois desta intervenção, na que foi feita por Miguel Costa Matos. O líder da Juventude Socialista afirmou que não é preciso recuar ao passado para criticar a direita, falou em “Passos Coelho que ensaia um regresso, uma substituição de Luís Montenegro aos 91 minutos, um regresso a São Bento com o discurso e apoio do Chega quem sabe assegurado por Rui Gomes da Silva”. Voltou a gritar-se “não passarão”, o grito que o PS aplica, desde Costa, quando se fala na aproximação da direita da extrema-direita.
A sala estava cheia de governantes e ex-governantes. A noite era para arrancar com força para a reta final da campanha e compareceram ministros ainda em funções, como Ana Catarina Mendes, Duarte Cordeiro, Fernando Medina ou João Costa. Nomes que já tinham passado pela arruada de Setúbal, durante a tarde, numa altura em que o PS concentra forças no apelo virado para os indecisos e também nos eleitores à esquerda.
Ali, na Aula Magna, o líder socialista tinha uma memória feliz: o comício das esquerdas, de 2013, que foi promovido pelo fundador do PS, Mário Soares, e juntou elementos do PS, PCP e Bloco de Esquerda, numa frente anti-troika. No entanto, o líder do PS de então, António José Seguro, não compareceu no evento nessa altura, o que foi alvo de desconforto interno no partido, nomeadamente dos jovens turcos de então, de que fazia parte Pedro Nuno Santos. Dez anos depois desse mês de maio, Pedro Nuno volta à sala, agora noutro posto.