Em cinco meses à frente de um Ministério, João Galamba soma polémicas e casos como nenhum outro membro da atual composição do Governo. Entrou na audição desta quarta-feira, na comissão parlamentar de Economia, entre acusações de ter faltado à verdade na comissão de inquérito à gestão da TAP sobre a questão das secretas, mas o caso (que já fez até o PSD defender o envio das declarações do ministro para o Ministério Público) não foi referido uma única vez pela oposição. O ministro foi antes confrontado com a mais recente polémica, já que opinou sobre uma das localizações em estudo para o novo aeroporto (“Santarém é longe”) quando a comissão técnica independente ainda está estudar o assunto. Não admite qualquer erro, garante que não condiciona os trabalhos e ainda atira um recado sobre de quem é a decisão final.
O PSD até tinha na bancada desta comissão parlamentar os mesmos deputados que têm protagonizado as intervenções do partido no inquérito parlamentar, mas nem Paulo Rios de Oliveira nem Paulo Moniz tocaram no nervo mais sensível do ministro que, a propósito de toda essa polémica, foi até vaiado por populares na cerimónia do 10 de junho, em Peso da Régua. No Chega, Filipe Melo (outro deputado com lugar no inquérito) também não foi por aí, ainda que também o seu partido tenha pedido a “demissão imediata” do ministro por estar envolvido numa “teia de mentiras”.
O assunto foi ultrapassado pelas declarações mais recentes do ministro sobre o novo aeroporto de Lisboa e a possibilidade de Santarém. Galamba disse que “é longe”, ainda que faltem meses para serem conhecidas as conclusões da comissão técnica independente que o Governo nomeou para avaliar as várias opções, incluindo a que o ministro agora parece querer descartar. No PSD, Paulo Rios de Oliveira perguntou ao ministro quem é que fez aquela afirmação: “Era o cidadão Galamba, o ministro Galamba ou o Governo Galamba?”.
“Nesses eventos falo sempre nas três qualidades”, respondeu o ministro com clara ironia. Depois atirou a resposta que vinha preparada: “O relatório não vai dizer que Santarém é perto de Lisboa. Isso é um facto. Mas não significa que o aeroporto não pode ser em Santarém”. João Galamba garantiu que nada está fechado até haver conclusões do estudo e jurou não ter tentado condicionar esse trabalho, mas ao mesmo tempo, num tom de afronta, atirou: “A escolha do novo aeroporto é uma decisão política e não da comissão técnica e independente. Ela não se substitui aos políticos.”
No dia anterior, a presidente da comissão técnica, Maria do Rosário Partidário, tinha falado sobre a afirmação do ministro, em declarações à rádio Renascença, para dizer que se tratava da “perspetiva” do ministro e que a “Resolução do Conselho de Ministros manda a comissão técnica independente avaliar todas aquelas opções”. Santarém continua a ser avaliada, mesmo que o ministro tenha repetido, nesta audição, que é uma localização que “coloca desafios” que outras não colocarão — deixando mais uma vez a suspeita que não seria a sua escolha.
Os promotores da solução de Santarém defendem um projeto com investimento privado e apostam na proximidade de infraestruturas de transportes já existentes, como a A1, a A10 e Linha do Norte, e planeadas, como a linha de alta velocidade Lisboa/Porto, para compensar o impacto da distância maior face à capital.
Da oposição chegaram acusações de tentativa de condicionamento do trabalho da equipa liderada por Partidário. Na IL, por exemplo, Carlos Guimarães Pinto atirou ao ministro que a afirmação que fez até pode ser “factual, mas numa altura em que está a ser feita uma avaliação independente, pode ser visto como forma de condicionar essa avaliação“. Galamba foi sempre respondendo ao tema, desafiador e mantendo-se nestas duas ideias: ser “longe é mesmo um constrangimento” e a comissão técnica tem a mesma liberdade que “tinha antes da minha declaração factual que repetirei sempre”.
Quanto à decisão política, de acordo com as pretensões do primeiro-ministro, envolverá os partidos da oposição. Aliás, a auscultação prévia do PSD foi uma das razões para o travão colocado ao ex-ministro Pedro Nuno Santos quando este precipitou a decisão sobre a localização, ultrapassando mesmo António Costa. O chefe do Governo queria incluir o líder do PSD e foi em conjunto que decidiram a metodologia para a escolha da localização, ou seja, a criação da comissão técnica independente para a avaliação.
Ministro não percebe “escândalo” sobre documentos classificados
As únicas questões em que os deputados se aproximaram do tema sensível no inquérito à TAP, nesta audição regimental do ministro, foi quando questionaram decisões relativas à companhia aérea, nomeadamente a privatização, e as dúvidas suscitadas sobre os documentos de acesso geral da Infraestruturas de Portugal que foram classificados por despacho do seu ministério. Neste último ponto, a tentativa da oposição foi sugerir que se trata de mais um exemplo de secretismo e falta de transparência que tem de ser esclarecido, sublinhou Bruno Dias do PCP. O tema dos documentos públicos classificados ganhou dimensão por causa dos pedidos da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, pedidos esses que desencadearam a iniciativa de classificar documentos de forma a limitar o acesso de terceiros, sejam os deputados, seja o público em geral.
Sobre este caso, o ministro atirou ao Chega — que tinha colocado a pergunta — dizendo que “este país tem regras. Se calhar é uma realidade a que o seu partido não liga muito.” Quanto ao conteúdo, João Galamba reafirmou que foi a Infraestruturas de Portugal que suscitou a questão da confidencialidade e sensibilidade dos documentos junto do gabinete nacional de segurança. E desvaloriza o desconhecimento alegado pelo vice-presidente com o pelouro da ferrovia, Carlos Fernandes, que disse ao jornal Público não saber da classificação. “Nem toda a gente tem de saber. O vice-presidente que não tem responsabilidade neste pelouro não soube, o que já foi explicado pela IP”.
Quando questionado pelo PCP sobre este mesmo assunto, o ministro refugiou-se sobretudo na questão da legalidade: “Algum deputado nota alguma ilegalidade? A IP solicitou a classificação e o gabinete do secretário de Estado acompanhou o processo, mas foi o gabinete nacional de segurança a classificar. “Apresenta-se como um escândalo, quando é um processo normal que decorreu nos termos da lei. Até pode haver erro. Mas houve?”, atirou aos deputados. À saída não quis responder às perguntas dos jornalistas. Já tinha avisado dentro da sala que tinha “mesmo de sair”. E seguiu sem que o tema que dominou os quase dois últimos meses lhe voltasse a tocar.