Dezasseis milhões de passageiros, dos quais 10 milhões no serviço de alta velocidade e mais do que a duplicação da quota de mercado da ferrovia. Estas são algumas das projeções do estudo de procura para o projeto do TGV (sigla francesa para comboio de alta velocidade) no eixo Lisboa-Porto, contas que, no entanto, deixaram de fora alguns fatores que são potenciadores de tráfego. E um deles foi a solução para o novo aeroporto de Lisboa que, acreditam os autores do estudo realizado em 2023, terá impacto significativo no crescimento da procura.

O estudo da consultora TIS, a que o Observador teve acesso, refere que não contemplou a abertura de qualquer novo aeroporto adicional ao Humberto Delgado, reconhecendo que “as decisões que venham a ser assumidas sobre esta infraestrutura podem influenciar de modo significativo a procura de transporte ferroviário na ligação Lisboa-Porto”. Essa procura será “significativamente superior ao estimado no presente projeto” caso se opte por um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete. Apesar de mais afastada da nova linha, a opção Santarém (servida pela linha do Norte) também poderá influenciar a procura de serviços de alta velocidade.

Esta posição está alinhada com a preferência dada pela comissão técnica independente ao Campo de Tiro de Alcochete, solução apontada como a mais favorecida nos acessos ferroviários precisamente pela possibilidade de ligação direta à linha de alta velocidade. Ainda que esta ligação envolva a construção de uma nova infraestrutura.

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A solução aeroportuária está em fase final de decisão técnica, aguardando-se o relatório final da consulta pública. A decisão política será do próximo Governo.

Este estudo realizado para a Infraestruturas de Portugal estima a procura do eixo Porto-Lisboa com a introdução de serviços de alta velocidade a partir de 2029, ano em que se prevê que entre em operação o primeiro troço entre Porto e Soure. As projeções foram calculadas a partir da política tarifária atualmente praticada pela CP no Alfa Pendular, na casa dos 40 euros por viagem.

Mas as avaliações mais recentes da IP apontam para preços na casa dos 25 euros, como indicou o vice-presidente Carlos Fernandes. Este preço mais baixo considera o efeito de operadores concorrentes, para além da CP, e de comboios que podem levar até 500 passageiros, contra os atuais 300 que cabem no Alfa.

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Neste cenário referido por Carlos Fernandes, e que reflete igualmente experiências internacionais, será possível aos operadores atingirem uma rentabilidade de 15% com bilhetes a 25 euros. É um nível tarifário que irá potenciar o aumento de procura, uma vez que o preço é o fator mais valorizado pelos passageiros quando escolhem o modo de transporte nos percursos mais longos.

A procura estimada para o primeiro ano em que se espera a operação da nova linha até ao Carregado é de 16 milhões de passageiros, dos quais 10,5 milhões serão clientes dos serviços de alta velocidade e os restantes de serviços híbridos que combinam serviços na linha convencional. Estes dados de 2023 são considerados conservadores pela IP, não só por causa da variável preço, mas também porque o traçado final dos troços que constituem as duas primeiras fases da nova linha — Porto/Aveiro e Aveiro/Soure — e o enlace com a Linha do Norte permitem reduzir em 5 minutos o tempo de percurso para 1h24 minutos que serviu de base a estas projeções.

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A quota de mercado do comboio vai mais do que duplicar com a entrada em operação dos serviços de alta velocidade entre Lisboa e Porto, passando de 8,1% para mais de 20% a partir de 2031, ano em que se estima que esteja concluída a segunda fase deste projeto, que permite ligar as duas cidades em 1h19.

A maioria destes passageiros conquistados pelo futuro TGV vem do transporte individual — mais de quatro milhões logo em 2029, mas os estudos de procura entre Lisboa/Porto mostram que o automóvel vai continuar a dominar as viagens neste trajeto, apesar de perder 10% da atual quota de mercado que é 82,7%. Considerando todos os meios de transporte que servem este percurso, o avião é o que sofrerá maior impacto com quedas de 69% do atual tráfego de passageiros. E só não desaparece porque os autores do estudo acreditam que as companhias aéreas vão manter serviços para captar passageiros para voos de longo curso.

O tráfego para o comboio ganha mais força num cenário de plena ocupação do serviços de alta velocidade e de novos serviços intercidades no qual a procura por este meio cresceria 158%, dando uma quota de 31% a 37% à ferrovia e uma redução para 56% a 52% ao automóvel. Um dos pressupostos desta análise é a de que o comboio é atrativo sobretudo para ocupantes únicos de automóvel, perdendo a atratividade (em termos de preço) a partir de dois ocupantes.

Os autocarros também perdem para o novo TGV, mas menos, passando de uma quota de 8,1% para 6,5%. Ainda assim o estudo de procura destaca este ganho do comboio, considerando a política comercial muito agressiva destes operadores, e coloca a hipótese da perda vir a ser mais acentuada na possibilidade de a operadora low-cost Flixbus aumentar os preços à medida que for garantindo maior quota de mercado, invocando o que aconteceu em outros mercados. Outro fator que justifica a resistência dos autocarros é o preço, o fator que mais pesa na escolha do meio de transporte para viagens de longa distância, com 43% das respostas obtidas. O tempo de viagem é o segundo fator valorizado, com 33%, e só depois surge o modo de transporte.

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Outra conclusão é a de que os ganhos de quota de mercado e de passageiros, com um aumento de 90%, acontecem sobretudo com a conclusão da segunda fase do projeto — que liga o Porto até ao Carregado. Esses ganhos resultam da combinação de uma substancial redução dos tempos de trajetos, não só entre as cidades servidas pela linha, mas também pelos destinos que são indiretamente beneficiados, com a triplicação dos serviços diários para 60.

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A construção da última fase da linha a partir do Carregado até Lisboa, que permitiria reduzir o tempo de percurso a 1h15 minutos, já teria uma menor capacidade de atração de novos passageiros face à fase dois (só iria tirar cinco minutos ao tempo de percurso). O reforço do número de comboios não teria grande impacto porque a oferta já apresenta um nível elevado na fase 2.

Com uma entrada em operação estimada para 2036, a terceira fase da Linha de Alta velocidade permitiria 16,5 milhões de passageiros, dos quais 11,3 milhões de passageiros em serviços de TGV. A mesma conclusão é tirada num cenário em que se combinava uma linha nova de alta velocidade (não aprovada) entre Aveiro e Viseu, para a qual a procura estimada para 2040 subiria para 17,9 milhões de passageiros por ano, dos quais 12 milhões em alta velocidade.

O ganho relativamente menor associado à terceira fase, em tempo de percurso e passageiros, é a razão pela qual a IP considera que só faz sentido avançar com este projeto quando for previsível a saturação da capacidade desenvolvida na segunda fase. Esta infraestrutura combina um troço de linha nova de 266 km entre o Porto e o Carregado com a quadruplicação da linha do Norte entre Carregado e Alverca.

Há outra variável importante que está em aberto. O traçado desse último troço — a oeste da linha do Norte ou pela margem esquerda do Tejo — não está decidido e o seu fecho depende da solução aeroportuária para Lisboa.

As projeções indicam ainda que a conclusão da primeira fase da linha entre Porto e Soure prevista para 2029 permite já um ganho importante de passageiros, mais 19%, que é o resultado de dois efeitos. O primeiro é a redução dos tempos de viagem para 2h04 minutos entre Lisboa e Porto, tempo que sobe para 2h28 com paragens em Coimbra, Aveiro e Gaia (onde está programada uma nova estação). O segundo é um incremento significativo da oferta de longo curso que passaria dos atuais 10 comboios por dia do serviço Alfa para 19, dos quais 12 seriam serviços diretos. A procura estimada para o primeiro ano seria de 9,99 milhões de passageiros, dos quais 5 milhões para a alta velocidade.

O primeiro troço de 120 quilómetros foi dividido em duas PPP (parcerias público privado) das quais a primeira — Porto-Aveiro — foi a concurso este mês e é o único que tem um custo previsto de até 3,7 mil milhões de euros.

TGV trará impacto económico e social de mais de sete mil milhões

Os consultores estimaram ainda os impactos sociais, económicos e externalidades positivas associadas à execução do projeto, incluindo a componente de mercadorias que também é analisada, e chegam a um valor atualizado líquido de 7,3 mil milhões de euros ao longo de 30 anos e a preços de 2022. Este impacto positivo está associado à conclusão da fase 2 — até ao Carregado — e resulta da soma de múltiplas dimensões.

As mais relevantes são os custos de operação, onde entra a energia (2.403 milhões de euros divididos pelo operador e pela procura), o congestionamento (1.677 milhões de euros), o tempo de viagem (1.133 milhões de euros) e as alterações climáticas, medidas pelas emissões de CO2 de cada meio. Só na redução do número acidentes, as projeções apontam para um efeito positivo de 640 milhões de euros.

O valor atualizado líquido sobe para 8,1 mil milhões de euros nas projeções realizadas pela fase 3 que corresponde à construção do terceiro troço.

A libertação de capacidade na Linha do Norte com os novos serviços vai ter um efeito positivo no transporte de mercadorias sobretudo a partir da conclusão da segunda fase até Carregado com um crescimento de 6,5% nas mercadorias transportadas.